Os desafios das concessionárias de energia ante o aumento da frota de veículos elétricos no Brasil
A expansão dos carros elétricos no Brasil exige modernização da infraestrutura elétrica, investimentos em pontos de recarga e cooperação entre concessionárias e governo para atender à crescente demanda.
quinta-feira, 4 de julho de 2024
Atualizado às 07:10
A crescente adoção de carros elétricos no Brasil apresenta desafios significativos para as concessionárias de energia elétrica do país. Embora os veículos elétricos ofereçam uma alternativa promissora aos combustíveis fósseis, a transição para a era da mobilidade sustentável traz consigo uma série de questões que precisam ser enfrentadas pelas empresas responsáveis pelo fornecimento de energia.
Um dos principais desafios é a necessidade de expandir e modernizar a infraestrutura elétrica para suportar o aumento da demanda de energia. Tais modificações demandam investimentos significativos, tanto financeiros quanto em novas tecnologias e equipamentos, além de análise cuidadosa da capacidade da rede elétrica para evitar sobrecargas e interrupções no fornecimento de energia.
Por exemplo, os pontos de recarga para veículos elétricos precisam ser instalados em locais estratégicos, como postos de combustível, estacionamentos públicos, condomínios, supermercados e residências, o que contrasta com o atual cenário do país, em que há regiões que ainda aguardam pela Universalização dos Serviços Públicos de Energia Elétrica, prevista na lei 10.438/02.
Para que haja a evolução tecnológica de forma eficaz, será necessária uma atuação conjunta das concessionárias de energia elétrica e do Poder Público, visando ao avanço na implantação e no aperfeiçoamento do sistema, bem como ao aumento da confiabilidade e estabilidade para atender à iminente alta na demanda de consumo de energia.
Estima-se que a frota elétrica no Brasil, que atualmente corresponde a 78.000 veículos elétricos, atinja 100.000 veículos até janeiro de 2025, de acordo com a ABVE - Associação Brasileira de Veículos Elétricos1. Além dos desafios econômicos e operacionais, as concessionárias precisam lidar com questões relacionadas à segurança e à conformidade regulatória para adequação legal e jurídica da ampliação e aperfeiçoamento da rede.
A Resolução 1.000/21 da ANEEL2 - Agência Nacional de Energia Elétrica adiciona uma camada extra de complexidade e confiabilidade a esse cenário, pois estabelece diretrizes específicas para a conexão de veículos elétricos à rede elétrica, incluindo padrões de segurança e proteção contra sobrecargas.
Já para o consumidor, a mesma Resolução prevê, em seu art. 550, a obrigatoriedade de comunicação prévia à distribuidora de energia em caso de necessidade de conexão nova, aumento ou redução de carga, ou alteração do nível de tensão. Ainda, conforme o art. 553 da Resolução, as estações de recarga devem observar as normas e padrões estabelecidos pela distribuidora e órgãos oficiais.
As normas existentes devem ser atendidas tanto pelas concessionárias quanto pelos usuários do sistema, a fim de que não se distribua de forma inadequada as responsabilidades durante a execução dos projetos de ampliação e aperfeiçoamento do sistema, voltados à atenção da demanda causada pelos veículos elétricos.
Em complemento às novidades legislativas e à inovação tecnológica, surgem novas questões que merecem o amparo do Judiciário, como, por exemplo, a obrigação ou não do condomínio em instalar tomadas elétricas em vagas de garagem ou se essa obrigação deve ser transferida ao próprio interessado.
Sobre o tema, as mais recentes decisões dos Tribunais e Turmas Recursais de São Paulo, Rio de Janeiro e da Região Sul têm decidido desfavoravelmente aos consumidores, reafirmando a necessidade de determinação expressa em Convenção ou aprovação em Assembleia, conforme preconiza o Código Civil. No entanto, ainda não há consenso entre os órgãos julgadores.
Outro debate acarretado pelos avanços trazidos pela eletrificação é quanto à responsabilidade civil em casos de incidentes nas redes elétricas dentro das residências e condomínios, o que somente será definido com a jurisprudência e a atuação educativa das concessionárias junto à população e órgãos de fiscalização.
Se de um lado existem lacunas legislativas e divergências jurisprudenciais, sabe-se que as concessionárias devem garantir que todas as instalações estejam em conformidade com a legislação, e que os usuários de veículos elétricos tenham acesso à informação e a uma infraestrutura segura e confiável.
O governo tem papel igualmente protagonista neste avanço, devendo conceder incentivos para que a transição energética e descarbonização da frota brasileira acompanhem a evolução do mercado, para equiparar aos benefícios concedidos às indústrias automobilísticas.
Isso inclui a coparticipação operacional, a exemplo da criação dos "carregadores públicos", que consistem em pontos de carga e recarga para os veículos elétricos, somando 4.230 unidades no país, de acordo com a Bright Consulting3. Esses pontos não estão distribuídos de forma igual no país, eis que apenas São Paulo, capital, possui 1.121 carregadores, exigindo a implantação ao longo de toda a rota da malha viária nacional, o que também demanda servidões, desapropriações e investimentos na infraestrutura do interior.
A orientação jurídica desempenha papel fundamental no auxílio às concessionárias de energia para atender não só às necessidades tributárias e regulatórias, mas também às ambientais e operacionais, viabilizando a execução dos empreendimentos e ajustes necessários para as ampliações e aperfeiçoamentos necessários para atender à demanda.
Deve-se atuar no sentido de auxiliar as concessionárias no entendimento e na conformidade com as regulamentações específicas relacionadas aos pontos de recarga de veículos elétricos, e isso inclui normas de segurança, requisitos de instalação e operação, padrões de qualidade e certificação, entre outros aspectos.
O domínio do conhecimento das obrigações legais permite que as concessionárias evitem possíveis penalidades e litígios, além de garantir a segurança e a satisfação dos usuários dos pontos de recarga, evitando, além do colapso do sistema, futuras judicializações.
Outro pilar da assessoria jurídica às concessionárias deve ser a mitigação de riscos legais e a proteção dos seus interesses em disputas contratuais com fornecedores de equipamentos ou problemas de responsabilidade civil relacionados a danos causados por falhas na infraestrutura elétrica. A atuação deve ser rápida e eficaz, minimizando impactos financeiros e repercussões para a empresa, o que aumentará a retenção e a captação de recursos.
O apoio é valioso para influenciar de forma positiva a legislação, contribuindo com conhecimento técnico necessário à elaboração de normas e leis que complementarão o sistema legal que regula o fornecimento de energia para o ramo automobilístico, incluindo questões tributárias, que refletem no sistema tarifário.
Ao garantir o cumprimento das regulamentações, mitigar riscos legais, proteger os interesses da empresa e fornecer insights estratégicos, a assessoria contribuirá significativamente para o sucesso das operações e para a transição para um sistema de mobilidade mais sustentável e eficiente.
A atuação sólida e segura nos ambientes regulatório e operacional permitirá às concessionárias a necessária expansão e modernização da infraestrutura elétrica ante ao aumento da frota de veículos elétricos, bem como o alcance das metas de descarbonização e a Net Zero 2050, compromissos assumidos pelo Brasil também na comunidade internacional.
1 ABRIL, Editora. Guia Quatro Rodas. Atualizado em 04/04/2024 às 10h37, publicado em 03/04/2024 às 17h00. Disponível em: https://quatrorodas.abril.com.br/carros-eletricos/brasil-tem-um-carregador-publico-19-carros-eletricos-e-isso-pode-piorar.Acesso em 19/05/2024;
2 BRASIL. ANEEL. Res. N. 1.000 de 7/12/2021. Estabelece as Regras de Prestação do Serviço Público de Distribuição de Energia Elétrica; revoga as Resoluções Normativas ANEEL nº 414, de 9 de setembro de 2010; nº 470, de 13 de dezembro de 2011; nº 901, de 8 de dezembro de 2020 e dá outras providências. Disponível em: https://www2.aneel.gov.br/cedoc/ren20211000.pdf. Acesso em: 19/06/2024;
3 VoltBras. Publicado em 10/05/2024 às 09h12. Disponível em: https://sobrerodas.com.br/noticia/1563962/empresa-especialista-em-software-para-carregadores-eletricos-impulsiona-a-tecnologia-ocpp. Acesso em 19/05/2024;
Malirre Abadi Ghadim
Advogada da equipe de Transmissão Elétrica do escritório Mascarenhas Barbosa, especialista em Direito Processual Civil, pela Faculdade Damásio de Jesus, com atuação estratégica no seguimento elétrico.
Felipe Carvalho da Silva Insfran
Advogado no Mascarenhas Barbosa Advogados.