A sujeição (ou não) de sociedade profissional à lei 11.101/05
A legislação diferencia empresários de outros agentes econômicos como sociedades profissionais e cooperativas, determinando sua aplicabilidade às leis de falência conforme o regime empresarial ou não empresarial da atividade.
quarta-feira, 3 de julho de 2024
Atualizado às 07:46
A atividade econômica não é explorada exclusivamente por empresário, mas também por outros sujeitos de direito que não são considerados empresários. Pela legislação aplicável, não são considerados empresários: aqueles que não se enquadram no conceito legal de empresário (p. ex. uma associação ou fundação); aqueles que exploram atividade profissional intelectual (p. ex. advogado, dentista, médico, engenheiro, músico, ator, escritor etc.); os empresários rurais não registrados na Junta Comercial; e as cooperativas.
Na prática temos inúmeras sociedades constituídas para exploração de atividades típicas de profissões intelectuais, as denominadas sociedades profissionais, como clínicas médicas, odontológicas, escritórios de engenharia etc. Por força de lei, tais sociedades profissionais são caracterizadas como sociedades simples, não empresárias (artigo 982 c.c. 966, parágrafo único, Código Civil).
A importância de compreender a diferença entre o agente econômico empresário do agente econômico não empresário está na sujeição ou não ao regime jurídico do Direito Empresarial, em especial a aplicação da Lei de Falência e Recuperação de Empresas (lei 11.101/05 - LFRE).
Pela regra do art. 1º da LFRE, a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a falência se aplicam somente a empresário e sociedade empresária, sem mencionar a aplicação ao agente econômico não empresário, como a sociedade simples/profissional.
Portanto, em regra, nos casos de insolvência de sociedade profissional, não há a possibilidade da busca do benefício da recuperação de empresas, nem seu o credor não pode iniciar execução concursal pela via falimentar, devendo agir pelo procedimento da insolvência civil ainda regulado pelo CPC/73.
Todavia, ao constituir atividade de natureza intelectual um elemento de empresa, a sociedade profissional será qualificada como empresária e, dessa maneira, submetida ao regime falimentar, já que o liame para compressão do ser ou não empresário está no exercício de atividade caracterizada como empresária.
O legislador não desenvolveu o conceito de elemento de empresa, deixando à doutrina e jurisprudência os esforços para sua construção.
Parte da doutrina e jurisprudência compreende o elemento da empresa por um critério subjetivo, estando caracterizado pela dissociação dos serviços ou produtos fornecidos por determinada pessoa da figura individual do provedor1, assim o elemento de empresa se tornaria mais evidente quando o profissional intelectual se afasta da atividade, exercendo a figura de gestor da empresa, organizando os fatores de produção, contratando outros profissionais, investindo capital, coordenando os insumos e utilizando-se do conhecimento com especialidade para organizá-la.
Por outro lado, àqueles que compreendem o elemento de empresa pelo critério objetivo, na constatação de que a atividade intelectual deixou de ser o exclusivo objeto da atividade explorada pela sociedade profissional e tornou-se apenas mais um componente da organização empresarial, no qual há acréscimo de um elemento, o denominado "elemento de empresa", às características da atividade empresarial, não pode este elemento ter o mesmo conteúdo daquele ao qual deve ser somado2.
Entendemos que o diferenciador entre a sociedade simples e a sociedade empresária está na forma de exploração da atividade e não nos membros que a compõem como sócios, pois o conceito de interesse é objetivo, e não personalíssimo. Tanto que uma sociedade profissional de engenharia, mesmo que todos os seus sócios sejam engenheiros, pode explorar atividade empresarial de construção civil, considerada como empresarial, e assim ser considerada por conta do elemento de empresa.
Caracterizado o elemento de empresa, portanto, a sociedade profissional deixa de ser caracterizada como simples e passa a ser empresária, permitindo a aplicação dos institutos da LFRE.
Inclusive, nesta linha há precedente do TJ/SP para o deferimento de pedido de recuperação de empresas para a sociedade simples em que, no caso concreto, se constatou presente o elemento de empresa3.
Portanto, temos por relevante a compreensão pelos operadores do direito do instituto do elemento de empresa para caracterizar a sociedade profissional como empresária e, por consequência, sua aptidão para sujeição aos benefícios da LFRE4.
1 FINKELSTEIN, Maria Eugênia. Manual de direito empresarial. 8. ed. rev., ampliada e reformulada. São Paulo: Atlas, 2016, p .18.
2 LIPPERT, Marcia Mallmann. O 'elemento de empresa' como fator de reinclusão das atividades de natureza científica, literária ou artística na definição das atividades empresariais. Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul: Porto Alegre, 2009, p. 129.
3 RECUPERAÇÃO JUDICIAL. Decisão que a converteu em insolvência civil, sob o fundamento de que a requerente se trata de sociedade simples e não empresária. Grau de organização da sociedade que deve ser levado em conta para sua classificação. Caso concreto que demonstra que, a despeito da autodenominação como sociedade simples, a agravada se organiza como sociedade empresária. Existência de inúmeros credores e passivo elevado discussão. Complexidade estrutural que tem grande importância no procedimento de insolvência. Diante das peculiaridades presentes, mostra-se mais adequado o procedimento da recuperação judicial. Agravo provido (ESTADO DE SÃO PAULO. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Agravo de Instrumento nº. 01709595320138260000 - SP, Relator: Francisco Loureiro, Data de Julgamento: 06/02/2014, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, DJe 07/02/2014).
4 Artigo elaborado para Revista Insolvência & Opinião da OAB/Campinas.
Marcelo Sartori
Sócio responsável pela coordenação geral do escritório Sartori Sociedade de Advogados. Graduado em Direito pela PUC-Campinas. Especialista em Direito Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e em Administração de Empresas pela FAAP.
Wagner José Penereiro Armani
Sócio do escritório Sartori Advogados. Doutor em Direito Comercial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Mestre em Direito Civil pela Universidade Metodista de Piracicaba. Professor de Direito Comercial pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas.