Impactos da utilização inadequada da ação de produção antecipada da prova na Justiça do Trabalho
A produção antecipada de prova no CPC visa evitar dificuldades futuras na verificação de fatos, sendo aplicável no Direito do Trabalho, mas seu uso excessivo pode sobrecarregar tribunais e aumentar custos para os empregadores.
terça-feira, 2 de julho de 2024
Atualizado às 07:39
A produção antecipada da prova, prevista nos artigos 381 e seguintes do CPC, é admitida quando houver fundado receio de que venha a se tornar impossível ou muito difícil a verificação de certos fatos na pendência da ação; a prova a ser produzida seja suscetível de viabilizar a autocomposição ou outro meio adequado de solução de conflito; e o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento de uma ação.
No Processo do Trabalho, essa ferramenta pode ser importante em situações específicas, mas sua utilização de maneira inadvertida pode gerar impactos negativos, como a desnecessária elevação da carga de trabalho dos tribunais, a redução da celeridade na conclusão dos demais processos e o aumento dos custos dos empregadores, que muitas vezes passam a ter que responder não a uma, mas a duas ações, relacionadas às alegações de um mesmo trabalhador.
Panorama
Grande parte das sociedades empresárias e dos advogados que militam na advocacia trabalhista empresarial já percebeu que, nos últimos anos, houve significativo aumento no número de ações de produção antecipada da prova na Justiça do Trabalho.
Essa elevação do número de ações não seria por si só um problema, caso a produção antecipada da prova estivesse sendo utilizada de forma adequada, ou seja, com as finalidades para as quais foi criada pelo legislador - tais como mitigação do risco de perda ou deterioração de uma prova ou, ainda, para colheita do depoimento de uma testemunha que possa se tornar indisponível, por mudança definitiva de país ou acometimento por doença grave, por exemplo.
Ocorre que, na prática, grande parte dos trabalhadores vem utilizando essa ferramenta processual como meio de driblar a obrigação legal de demonstrar suas alegações em juízo - tornando letra morta o art. 818 da CLT -, bem como para mitigação dos riscos de terem que arcar com os ônus advindos da sucumbência, aos quais estariam expostos caso optassem pelo ajuizamento de reclamações trabalhistas de maneira direta.
Em muitas dessas ações, observa-se, ainda, a existência de alguns absurdos jurídicos, tais como requerimentos de apresentação de documentos contendo dados sensíveis, protegidos pela Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, e de documentos de propriedade de terceiros, mesmo que não possuam qualquer relação com eventual disputa trabalhista futura.
A "cereja do bolo", entretanto, tem sido a inclusão, nas petições iniciais, de requerimentos de condenação da outra parte ao pagamento de multas para a hipótese de recusa na juntada dos documentos requisitados. Esse tipo de pedido é comum, mas não possui o menor cabimento, pois a produção antecipada da prova é um procedimento de jurisdição voluntária, o qual evidentemente não se presta a provimentos de natureza condenatória.
Verifica-se, portanto, que, na prática, infelizmente há um evidente afastamento entre as hipóteses legais de cabimento dessa importante ferramenta processual e a forma como vem sendo utilizada na Justiça do Trabalho.
Impactos negativos
O uso distorcido de ações de produção antecipada da prova provavelmente vai, em algum momento, gerar uma sobrecarga ainda maior da Justiça do Trabalho, desviando recursos (financeiros e humanos) que deveriam ser utilizados para a resolução de demandas que são, de fato, prioritárias, como é o caso das reclamações trabalhistas e das ações civis públicas.
Outro impacto que se observa de maneira nítida é a elevação dos custos das sociedades empresárias, que precisam contratar advogados para representá-las na ação de produção antecipada da prova e, posteriormente, na reclamação trabalhista que normalmente é ajuizada pelo trabalhador após a conclusão da primeira ação.
Há, ainda, exposição dos empregadores ao risco de serem indevidamente multados por eventual recusa, mesmo que justificada, em apresentar os documentos requisitados nesse tipo de ação. Felizmente, atualmente esse risco pode ser classificado como remoto (mas não como inexistente), pois a Justiça do Trabalho não costuma acolher requerimentos dessa natureza, tendo em vista que a produção antecipada da prova, como já mencionado, é um procedimento de jurisdição voluntária.
Conclusão
A ação de produção antecipada da prova é uma ferramenta processual importante para a garantia de direitos, mas seu uso inadequado pode trazer mais prejuízos do que benefícios, comprometendo a eficiência do Poder Judiciário e causando outros problemas, como os mencionados acima.
É essencial, portanto, que advogados e partes compreendam a verdadeira finalidade dessa ação e a utilizem de maneira criteriosa, evitando o desvio de sua finalidade e contribuindo para um sistema judicial mais ágil.
A Justiça do Trabalho deve estar atenta a esses abusos, para coibir práticas que prejudiquem o bom funcionamento do sistema. As sociedades empresárias, por sua vez, devem buscar assessoramento jurídico adequado para o enfrentamento de ações dessa natureza, mitigando o risco de sofrerem maiores prejuízos.
Aline Marques Fidelis
Sócia responsável pela área trabalhista do escritório Tauil & Chequer Advogados. Associada a Mayer Brown.
Daniel Landim
Associado sênior da prática de Trabalhista e Previdenciário do Tauil & Chequer Advogados associado a Mayer Brown.