MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. Da possibilidade de requerimento da tutela antecipada ou cautelar requerida em caráter antecedente em juízo diverso do competente para conhecer do pedido principal

Da possibilidade de requerimento da tutela antecipada ou cautelar requerida em caráter antecedente em juízo diverso do competente para conhecer do pedido principal

As tutelas provisórias são medidas urgentes que agilizam processos, beneficiando quem busca garantir direitos sem esperar pelo fim do processo regular.

segunda-feira, 1 de julho de 2024

Atualizado às 09:06

As tutelas provisórias consubstanciam-se em interessante tema processual, ao passo que surgiram para fazer valer a atividade jurisdicional ante determinada situação que se afigure urgente, não podendo-se aguardar o regular trâmite processual a carregar o provimento final.

São técnicas de sumarização, aptas a melhor distribuir o custo do tempo do processo, visando eximir aquele que aparenta ostentar o direito desse ônus.1

Desse modo, existe regramento apto a regular a forma de seu requerimento, bem como o trâmite a ser seguido, passando pelos recursos cabíveis até a estabilização (art. 294 ao 311, do CPC), fenômeno que (guardadas as devidas proporções) se assemelha ao trânsito em julgado, mas com ele não se confunde.

Em outros momentos já tive a oportunidade de escrever acerca do assunto tutelas provisórias (2), limitando-se o objeto do presente texto a uma análise dos dizeres do art. 299, caput, do CPC, vejamos:

Art. 299. A tutela provisória será requerida ao juízo da causa e, quando antecedente, ao juízo competente para conhecer do pedido principal.

De uma simples leitura, depreende-se, indene de dúvidas que a tutela provisória será requerida ao juízo da causa nas oportunidades que essa vier solicitada junto à petição inicial. Logo, devendo ser dirigido ao juízo competente tanto o pedido principal, quanto o requerimento de antecipação dos seus efeitos.

O requerimento de tutela provisória formulado em caráter antecedente pressupõe uma urgência muito maior do que aquela requerida junto à petição inicial ou incidentalmente.

Não por outra razão, o mesmo código de ritos autoriza (artigo 303), nesses casos, que a petição inicial pode limitar-se ao requerimento da tutela antecipada e à indicação do pedido de tutela final, com a exposição da lide, do direito que se busca realizar e do perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo.

Observa-se que o principal fator a embasar o pedido da tutela requerida em caráter antecedente é perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. Nesse sentido, a exigência de se ajuizar o pedido antecedente junto ao juízo competente para conhecer do principal por vezes não será a melhor opção.

Importante evidenciar o fato de que o legislador optou por privilegiar o pedido principal e não o direito material tutelado no momento de fixar a competência. Esse fato, longe de passar próximo da melhor técnica processual, é passível de causar alguns prejuízos ao próprio direito material.

As mais diversas situações podem surgir envolvendo a questão. Melhor teria sido dirigir as atenções ao objeto perseguido com a tutela provisória e não ao pedido principal.

Uma infinidade de hipóteses podem surgir no procedimento de requerimento antecedente da tutela, que acontece inteiramente antes da conversão do rito em definitivo, dito principal, com os sucessivos atos processuais regularmente estabelecidos.

A situação não apresenta grandes problemas quando se trata de tutela satisfativa, onde há a coincidência entre o pedido provisório e o principal. Porém, quando se trata de tutela provisória de urgência cautelar requerida em caráter antecedente, o quadro muda.

A modalidade cautelar das tutelas atuais busca garantir, atribuindo eficiência ao ato processual ou a decisão futura. A distância entre o juízo competente para conhecer, processar e julgar o pedido principal e aquele onde se situa o objeto ao qual se pretende resguardar para atribuir utilidade ao pronunciamento de mérito futuro, pode revelar-se altamente prejudicial e contrário aos próprios fins do processo.

Imaginemos o seguinte exemplo: compra e venda de um rebanho entre sujeitos situados em diferentes e distantes municípios. Se aquele que requer a concessão de uma tutela provisória de urgência cautelar fosse obrigado a respeitar o preceito normativo em questão, no caso de obtenção da liminar e da consequente carta rogatória, correria o risco de todo e qualquer infortúnio ocorrer com o rebanho, sendo plausível que pudesse fazer o pedido diretamente ao juízo mais próximo do objeto do contrato.

Não há qualquer problema em se atribuir competência, ainda que momentânea, a juízo que esteja próximo do fato ou em melhores condições de resguardar objeto necessário ao regular provimento final, aliás esse é o espírito do Código de Processo Civil de 2015 que, longe de desrespeitar o princípio da legalidade e do respeito aos ritos e atos processuais, prioriza, na medida do possível, o julgamento do mérito.

O próprio Superior Tribunal de Justiça, ainda no império do CPC/73, decidiu que mesmo em hipótese de incompetência absoluta o juízo poderia determinar medidas urgentes, no intuito de se evitar lesão grave ou de difícil reparação bem como o perecimento do direito.3

A doutrina vem afirmando que a competência para a ação acessória é funcional, tratando-se de competência absoluta improrrogável de ofício ou pela vontade das partes. Porém, a mesma doutrina faz a ressalva de que em casos de urgência, revela-se viável a apreciação de medida cautelar por qualquer juízo, não devendo ser observada, neste caso, a regra da prevenção.4

Vejamos:

Ajuizada a medida cautelar, fica preventa a competência do juiz que dela conheceu para o posterior ajuizamento da ação principal. A regra da prevenção, todavia, não é de se seguir, quando a medida cautelar for ajuizada, declaradamente, perante juiz incompetente para a ação principal nos casos emergenciais em que se prefere o local dos bens ou do fato para a excepcional realização da providência cautelar, o que é comum acontecer com o arresto, o seqüestro e as antecipações de prova. Em tais hipóteses ao postular a medida preventiva em juízo diverso, a parte deverá fazer constar de seu pedido o protesto pelo ajuizamento da ação principal no foro adequado, para evitar controvérsia a respeito da prorrogação de competência do primeiro juízo. (HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, Processo Cautelar, Leud, 21ª ed., p. 143)

Destarte, há de se respeitar os dizeres do art. 299, do CPC/15, mas sem deixar de observar a urgência do caso concreto, a qual autoriza e viabiliza uma decisão necessária a título precário, a ser valorada posteriormente pelo juízo competente, tudo no intuito de se resguardar o direito e a utilidade do processo.

Interessante ponto diz respeito à competência para o ajuizamento do procedimento de produção antecipada da prova.

O CPC/15 nos afirma, no parágrafo 2° do art. 381, que é competente o juízo do foro de onde a prova deva ser produzida ou o domicílio do réu. O parágrafo imediatamente subsequente do mesmo artigo atesta que a produção antecipada da prova não previne o juízo da ação que venha a ser proposta.

Veja-se que esse procedimento não necessariamente deve vir acompanhado da urgência para a produção da prova e revela-se, via de regra, em um procedimento de jurisdição voluntária, em que pese ser descabido falar em uma completa ausência de litigiosidade que possibilite apresentação de defesa.5

Mas há a possibilidade de que exista urgência, e, nesse sentido, seria adequado falar-se em uma aproximação com o procedimento das tutelas provisórias de urgência requeridas em caráter antecedente.

Ora, se em um procedimento antecipado, de produção de provas, a lei processual afirma que o juízo que produziu a prova não está prevento, qual seria então o sentido de atribuir competência absoluta apenas ao juízo competente para o pedido principal em requerimento de qualquer espécie de tutela pretendida em caráter antecedente?

Nas hipóteses em que o objeto da demanda se encontrar em local distante do juízo competente para o pedido principal, deve-se seguir a lógica do art. 381 e seguintes, no sentido de não determinar-se a unificação da competência para procedimentos antecedentes e principais.

Nesse sentido, recente precedente do STJ (REsp 2.136.190/RS, de relatoria da ministra Nancy Andrighi):

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVA. PREQUESTIONAMENTO. NÃO OCORRÊNCIA. SÚMULA 211/STJ. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AUSÊNCIA. JULGAMENTO MONOCRÁTICO DO RECURSO PELO RELATOR. AGRAVO INTERNO. MANIFESTAÇÃO DO COLEGIADO. VIOLAÇÃO AO ART. 932 DO CPC/2015. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA TERRITORIAL. REJEIÇÃO. LOCAL DA REALIZAÇÃO DA PERÍCIA DIVERSO DO LOCAL DE SEDE DA EMPRESA RÉ E DE ELEIÇÃO. QUESTÃO DE PRATICIDADE DA INSTRUÇÃO. INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO.

(...)

5. Antes mesmo do advento da norma expressa do art. 381, § 2º, do CPC/15, o STJ já permitia a relativização da competência do juízo da ação principal em relação aos procedimentos cautelares ao interpretar a aplicabilidade do art. 800 do CPC/73 à produção de provas na forma antecipada, levando em consideração questões práticas de instrução processual, além de a necessidade de se conferir maior celeridade. Precedentes.

Por fim, e calcado nos fundamentos acima expostos, deve-se permitir em casos de urgência a fim de evitar prejuízos e imprimir celeridade, além de quando o objeto (fato ou o próprio direito material) encontrar-se distante do juízo competente para conhecer do pedido principal, a flexibilização da regra insculpida no caput do art. 299, no sentido da atribuição de competência a juízo diverso do da demanda principal para providencias precárias e urgentes.

Tudo isso com vistas a atribuir a maior efetividade possível ao processo, nunca se descurando do princípio da legalidade e da observação das necessárias formalidades processuais, mas com o desiderato de se obstar o perecimento do direito ante as peculiaridades do caso concreto.

------------------------

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, Vol. I, 56ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 608, sem destaque no original

2 Disponível em: https://www.academia.edu/114568017/Da_necess%C3%A1ria_distin%C3%A7%C3%A3o_entre_dois_termos_processuais_afinal_liminar_e_tutela_antecipada_ostentam_o_mesmo_significado; https://www.academia.edu/89339502/DA_TUTELA_PROVIS%C3%93RIA_NO_%C3%82MBITO_RECURSAL; https://www.academia.edu/89697051/Notas_sobre_a_tutela_provis%C3%B3ria_de_urg%C3%AAncia_antecipada_e_cautelar_requeridas_em_car%C3%A1ter_antecedente; https://www.academia.edu/91853185/Aspectos_da_estabilizacao_da_tutela_antecipada_requerida_em_carater_antecedente; https://www.academia.edu/100686212/Da_tutela_provisoria_da_evidencia_requerida_em_car%C3%A1ter_antecedente;

3 REsp 1.038.199/ES, Relator Castro Meira, 2° Turma, julgado em: 7/5/ 2013

4 FILHO, Milton Paulo de Carvalho, Processo Cautelar, 2ª ed., Atlas, p. 16

5 REsp 2.037.088/SP, Relator Marco Aurélio Belizze, 3° Turma, julgado em 10/08/2023

Luís Eduardo de Resende Moraes Oliveira

VIP Luís Eduardo de Resende Moraes Oliveira

Advogado e especialista em direito processual civil.Membro da Associação Brasiliense de Direito Processual Civil. Membro da Comissão de Processo Civil OAB/DF.

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca