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Lei 14.879/24: A nova era da eleição de foro e o combate ao ajuizamento aleatório

Nova redação do artigo 63 do CPC limita a escolha dos foros judiciais em contrato.

segunda-feira, 1 de julho de 2024

Atualizado às 09:09

A lei 14.879, sancionada em 4/6/24, alteradora do CPC, trouxe significativas mudanças ao ordenamento jurídico brasileiro, especialmente em relação à cláusula de eleição de foro. Essa alteração visa proporcionar maior segurança jurídica e previsibilidade nas relações contratuais, adequando o Brasil às práticas internacionais e aumentando a eficiência do sistema judiciário.

Essa lei altera o art. 63 do CPC.

A eleição de foro em contratos permite às partes escolherem, previamente, o tribunal que julgará possíveis disputas decorrentes do contrato. Tradicionalmente, essa escolha estava sujeita a diversas restrições e interpretações judiciais, o que muitas vezes resultava em insegurança jurídica e litígios prolongados.

A lei 14.879 surge em um cenário de globalização e crescente complexidade das relações contratuais. Seu objetivo é harmonizar o tratamento da cláusula de eleição de foro com as práticas internacionais e fornecer uma base legal mais clara e previsível para as partes contratantes. As mudanças introduzidas pela lei visam, sobretudo, reduzir a litigiosidade e promover a celeridade na resolução de disputas.

Antes da lei 14.879, a validade da cláusula de eleição de foro era frequentemente questionada com base em critérios de competência territorial e em princípios de ordem pública. Com a nova legislação, a cláusula de eleição de foro é presumidamente válida e eficaz, desde que respeite certos requisitos:

  • Acordo expresso: A cláusula deve ser pactuada por escrito, de forma clara e inequívoca.
  • Igualdade entre as partes: Deve haver equilíbrio entre as partes, ou seja, ambas devem ter igual poder de negociação, e a cláusula não deve ser abusiva ou unilateral.
  • Transparência: A cláusula deve estar claramente destacada no contrato, assegurando que as partes tenham plena consciência de sua existência e implicações.
  • Pertinência de domicílio: a eleição do foro deve ter pertinência com a execução da obrigação ou domicílio ou residência de alguma das partes.

Estas disposições visam proteger a parte mais vulnerável da relação contratual, garantindo que a cláusula de eleição de foro não seja utilizada de forma a prejudicar consumidores ou aderentes.

Verifica-se, agora do art. 63, §2º do CPC, que em relação de consumo, somente será válida e produzirá efeitos quando a cláusula for favorável ao consumidor.

Nos casos em que a cláusula for ignorada, a parte prejudicada poderá requerer ao tribunal eleito a competência para julgar o litígio. Esta mudança reforça o respeito ao princípio do pacta sunt servanda, onde os contratos devem ser cumpridos conforme pactuados, fortalecendo a segurança jurídica das partes contratantes.

Uma das inovações mais notáveis introduzidas pela lei 14.879 está no § 5º, que dispõe sobre a prática abusiva do ajuizamento de ações em juízo aleatório. De acordo com o § 5º:

"O ajuizamento de ação em juízo aleatório, entendido como aquele sem vinculação com o domicílio ou a residência das partes ou com o negócio jurídico discutido na demanda, constitui prática abusiva que justifica a declinação de competência de ofício."

O conceito de "juízo aleatório" refere-se ao foro escolhido de maneira aleatória ou desprovida de conexão lógica ou legal com as partes ou o objeto do litígio. Essa prática, muitas vezes adotada com o intuito de obter vantagens processuais, como redução ou aumento de custas processuais ou tempo de duração do processo, é agora considerada abusiva pela nova legislação.

A prática abusiva de ajuizamento em juízo aleatório pode ser ilustrada em casos onde uma parte escolhe um foro distante e inconveniente para a outra parte, sem qualquer justificativa razoável, apenas para dificultar a defesa ou prolongar o processo. Por exemplo, imagine uma empresa sediada em São Paulo celebrando um contrato com outra empresa situada no Rio de Janeiro, mas a cláusula de eleição de foro define um tribunal em Manaus, sem que haja qualquer conexão com o local. Essa situação cria um ônus desnecessário e pode ser considerada uma tática dilatória.

A lei autoriza a declinação de competência de ofício pelo juiz, quando detectada a prática abusiva. Isso significa que, ao identificar que a ação foi ajuizada em um foro aleatório, o juiz pode, sem requerimento das partes, transferir o processo para o foro adequado. Essa medida visa prevenir o abuso processual e assegurar que as disputas sejam resolvidas em jurisdições com legítima conexão com as partes ou com o objeto do contrato.

A lei 14.879, de 4/6/24, ao introduzir o § 5º, fortalece a integridade do processo judicial e assegura que as cláusulas de eleição de foro sejam utilizadas de maneira equitativa e razoável. A prática abusiva de ajuizamento em juízo aleatório é, assim, devidamente coibida, promovendo um sistema judiciário mais justo e eficiente.

Agora, com a nova redação, o art. 63 do CPC representa um avanço significativo na regulamentação da cláusula de eleição de foro no Brasil. Ao alinhar-se com as práticas internacionais e promover maior segurança jurídica, a nova legislação beneficia tanto as partes contratantes quanto o sistema judiciário. As disposições quanto ao ajuizamento em juízo aleatório reforçam a equidade e a eficiência do processo, contribuindo para um ambiente jurídico mais confiável e previsível.

Otavio Coelho

Otavio Coelho

Advogado em São Paulo/SP. Mestre em Processo Civil pela PUC/SP. Especialista em Processo Civil pela USP. Especialista em Direito Civil pela PUC/MG. Bacharel em Direito pelo Mackenzie/SP.

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