De geração em geração: O papel da governança familiar nas empresas familiares
A maioria das empresas familiares não sobrevive à segunda geração devido a desafios na transferência de controle e conflitos familiares. A governança familiar eficiente é crucial para preservar o patrimônio e garantir a continuidade dos negócios.
sexta-feira, 28 de junho de 2024
Atualizado às 07:23
Em um cenário no qual as empresas familiares contribuem com até 90% do PIB mundial, é alarmante quando se constata que apenas 30% dessas empresas conseguem sobreviver à transição de controle para a segunda geração. A situação se agrava ainda mais quando se constata que o cenário é ainda mais drástico com o passar do tempo. Somente 9% das empresas chegam à terceira geração, e um ínfimo 3% permanecem ativas até a quarta geração.
De fato, a convivência entre família e negócios pode ser tumultuada, fazendo com que a transferência de patrimônio entre gerações seja o grande desafio das Famílias Empresárias.
E justamente nesse contexto, a implementação de governança familiar de maneira eficiente e objetiva se torna essencial. É através dela que se estabelece mecanismos e instrumentos concretos para a preservação do patrimônio, continuidade do negócio e a manutenção da união familiar que permitiu a evolução do negócio.
Contudo, apesar da sua relevância, tal tema ainda é tratado de maneira precária no Brasil, sendo considerado por muitos como algo dispensável.
O que se passou a observar é que a maioria fundadores das empresas apenas passam a dar atenção ao tema quando já estão prestes a iniciar seu afastamento das operações com continuidade através dos filhos, ou pior, quando estão em face de um conflito familiar com potencial de afetar a empresa e a família.
Por outro lado, parte da responsabilidade pela negligência do assunto no Brasil também recai sobre grande parte dos profissionais que lidam com ele. Estes, muitas vezes, abordam a questão de maneira excessivamente ideológica e teórica, desenvolvendo programas excessivamente burocráticos, que não só representam ineficiência, mas também se afastam do perfil da maioria dos empresários brasileiros, especialmente dos fundadores.
A solução, contudo, é diametralmente oposta a esta conjuntura.
É necessário a instituição de governança familiar de maneira programada, que permita o amadurecimento do programa e dos sucessores de maneira gradual, de forma que se permita continuidade serena do negócio e não mudança radical na conjuntura da empresa e da família, bem como que tal programa seja instituído de maneira clara, objetiva e sem desperdiçar tempo e processos desnecessários em estruturas demasiadamente burocrática.
A instituição de mecanismos e de instrumentos são as ferramentas essenciais para a mitigação de conflitos e a continuidade das empresas. Em que pese variem conforme a complexidade e o perfil da família e de seu patrimônio, alguns dos principais instrumentos incluem:
- Protocolos familiares: Instrumentos pelos quais se formaliza o perfil coletivo da família, através da definição das regras de conduta e comportamento de aspectos familiares ou pessoais que possam afetar o patrimônio e a empresa familiar;
- Acordos sócios: Instrumento que regula as questões societárias e da administração das empresas familiares, estabelecendo critérios claros e objetivos para tomadas de decisões empresariais, bem como mecanismos de efetivação das premissas definidas pelo Protocolo Familiar, como saída e a sucessão de sócios por exemplo;
- Conselho de família: Órgão deliberativo das famílias que, através da realização de reuniões periódica, para discussão e votação de decisões sobre o patrimônio familiar que busca preservar a participação dos membros, preparar e orientar os sucessores, e solucionar conflitos;
A implementação desses mecanismos auxilia a estruturar melhor as relações e responsabilidades dentro das empresas familiares, promovendo uma gestão mais eficaz, bem como o planejamento para uma sucessão pacífica e organizada, mitigando futuros impasses.
Ao contrário, a ausência de governança familiar fomenta que os assuntos familiares e empresariais se misturem de maneira desordenada, levando a conflitos que afetam financeiramente a empresa e que podem implicar na impossibilidade de continuação do negócio.
Conforme a administração passa dos fundadores para as gerações subsequentes, a complexidade e o potencial para desentendimentos aumentam. Isso se deve a fatores como o aumento do número de sócios, diferenças culturais e de formação, e a divergência de objetivos. Planejar a sucessão pode incluir a profissionalização da gestão, o estabelecimento de regras claras para a contratação de familiares, a distribuição de recursos e a tomada de decisão.
O desenvolvimento da governança familiar caminha lentamente no Brasil, mas com maior conscientização e adoção de práticas de governança familiar de maneira objetiva, mais empresas familiares poderão superar os desafios, e construir negócios que perdure por gerações.
Beatriz Silva
Advogada no escritório Silva e Silva Advogados Associados, atuando na área de direito societário.