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Licitação: Vedação ao hibridismo entre regimes, disputado e executado, nas obras públicas

Os subscritores debatem sobre a aplicação da lei de licitações atual em comparação à anterior, influenciados por suas experiências como professores universitários.

quinta-feira, 27 de junho de 2024

Atualizado às 14:18

Os subscritores tem o saudável hábito de debater as alterações da lei de licitações em relação à lei anterior. Ambos foram professores universitários por décadas. Uma perguntada formulada ao professor Baroni, inspirou mais um desses debates e o presente texto. A pergunta foi: "Não caracterizado erro de projeto básico, deve ser aditado contrato de obra pública no regime de execução empreitada por preço global, para cobrir variações positivas ou negativas de pequena monta de quantitativos do cronograma físico?"

Princípios licitatórios 

Sempre recorremos ao autor alemão Robert Alexy1 faz referência à superioridade axiológica dos princípios em relação às normas/regras.

Alguns princípios licitatórios precisam ser mencionados para responder à questão antes de indicarmos a regra do art. 46, §9º, da lei federal 14.133/21, de maneira a demonstrar que a mencionada norma está em consonância com o sistema licitatório.

O princípio da competitividade deve ser lembrado no sentido de que haveria uma burla a tal princípio já que, substancialmente, teria ocorrido uma licitação por preço global e, na vida real, o contrato decorrente teria sua execução pelo regime de preço unitário.

A compatibilidade com os preços de mercado, marcado pela presença de risco inerente ou não, também poderia restar maculada, já que o segundo objeto da disputa (contrato por preços global) quando da disputa, teria sua execução sem risco no viés do regime de preços unitários, não sendo possível, a partir daí, afirmar que o certame gerou contratação vantajosa no campo do valor.

Executar o contrato com mudança, de fato, do regime de execução, no decorrer da obra, significa institucionalizar a falta de planejamento, ausência de análise de riscos, bem como a transparência, numa subversão principiológica da lei de licitações.

Não podemos, deixar de pensar, ainda, na hipótese (que não é meramente acadêmica) das dificuldades na gestão contratual por servidores ainda oriundos de uma lei anterior não alertada das sensíveis diferenças entre regimes, ou de conluio do licitante com servidores corruptos que já o avisariam, de antemão, da mudança posterior no regime de execução, fulminando de morte  também os princípios da probidade e da impessoalidade.

O mais óbvio dos princípios licitatórios também restaria vilipendiado com tal procedimento: O princípio da vinculação ao edital.

Aspectos civilistas 

Mesmo sob a ótica estritamente civilista não seria um contrato propriamente dito mas "uma metamorfose ambulante" já que o contrato administrativo de empreitada por preço global é, sob a ótica civilista, um contrato de resultado. Logo é irrelevante que ocorram variações do objeto já que a possível variação faz parte do risco do negócio assumido pelo particular.

A execução do contrato com mudança, de fato, de regime de execução de preço global por preço unitário seria ter o dom da criação, sob a ótica civilista, de um contrato de meio sepultando um contrato devidamente licitado como contrato de resultado, anulando a demonstração de vantajosidade da proposta sagrada vencedora.

Outro ponto que não pode ser deixado de lado e observado em nossa obra2 no capítulo 7 onde menciona a "assimetria de informações" tendo os "players" privados inequívoca superioridade de tais informações.

Risco do negócio

Ora, o princípio constitucional da livre iniciativa tem como função social decorrente a competitividade. Portanto, a metamorfose consistente em transformar um regime de execução por preço global num regime de execução por preço unitário afasta essa função social relevante. Ou seja, socializa todos os riscos e privatiza todos os lucros, sem riscos já precificados na proposta, transformando o Poder Público num mero agente de enriquecimento sem causa de seus licitantes!

O risco e os lucros do licitante são irmãos siameses que andando de mãos dados num equilíbrio permanente de mercado. A mudança de regime coloca o particular na cômoda e ilícita posição de utilizar-se da administração como seguradora dissimulada dos riscos do negócio.

Após toda essa análise principiológica e civilista a transcrição do art. 46, §9º, da lei federal 14.133/21,  encaixa-se como uma luva:

"Art. 46. Na execução indireta de obras e serviços de engenharia, são admitidos os seguintes regimes:

I - empreitada por preço unitário;

II - empreitada por preço global;

III - empreitada integral;

IV - contratação por tarefa;

V - contratação integrada;

VI - contratação semi-integrada;

VII - fornecimento e prestação de serviço associado.

(...)

§ 9º Os regimes de execução a que se referem os incisos II, III, IV, V e VI do caput deste artigo serão licitados por preço global e adotarão sistemática de medição e pagamento associada à execução de etapas do cronograma físico-financeiro vinculadas ao cumprimento de metas de resultado, vedada a adoção de sistemática de remuneração orientada por preços unitários ou referenciada pela execução de quantidades de itens unitários." (grifos nossos).

Conclusão

A execução fática do contrato no regime de execução empreitada por preço global não pode ter alterada para quantitativos unitários, sob pena de subversão dos princípios da vinculação ao edital, competitividade, atraindo  responsabilização. A transferência  do risco  do negócio, precificado pelo proponente ao tempo da disputa, para o Poder Público, encontra expressa vedação no art. 46,§9º da lei de licitações. O comando licitatório veda o hibridismo. O licitado no regime empreitada por preço global, deve ser fielmente o aplicado na execução do contrato.

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1 "Teoria dos Direitos Fundamentais", Ed. Malheiros, tradução de Virgílio Afonso da Silva, abril de 2008, passim

2 "Inovações da Lei de Licitações e Polêmicas Licitatórias", Ed dialética, 2.024, págs. 52 a 59.

Laércio José Loureiro dos Santos

VIP Laércio José Loureiro dos Santos

Mestre em Direito pela PUCSP, Procurador Municipal e autor do Livro, "Inovações da Lei de Licitações e polêmicas licitatórias", 3ª Ed. Dialética, 2.024, versão em português e inglês.

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