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Desafios do federalismo fiscal na reforma tributária

A EC 132/23 introduziu a reforma tributária com o IBS, unificando ICMS e ISS sob o Comitê Gestor, afetando a autonomia financeira de estados e municípios e desafiando o federalismo fiscal.

quinta-feira, 27 de junho de 2024

Atualizado às 14:17

A despeito de seu pouco tempo de vida, a tão aguardada reforma tributária, veiculada pela EC 132, de 20/12/23, já suscita debates no meio jurídico. Ao longo dos anos, e considerando a farta regulamentação que esta por vir, são esperadas controvérsias das mais diversas naturezas, mas um dos personagens mais relevantes da reforma já pede atenção de advogados e contribuintes desde agora: o Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços instituído pelo art. 156-B, inserido na Constituição Federal.

A reforma tributária cria um Imposto sobre Bens e Serviços nacional com natureza dual, caracterizado pelo compartilhamento de competências e atribuições entre a CBS -Contribuição sobre Bens e Serviços, federal, em substituição a PIS e a COFINS, e um IBS - Imposto sobre Bens e Serviços, que agrega as competências estaduais do ICMS - Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços e dos municípios do ISS - Imposto sobre Serviços.

Assim, o referido Comitê Gestor possui a responsabilidade de regulamentar, interpretar e aplicar a legislação do IBS nacional, permitindo que estados e municípios definam suas próprias alíquotas. Tal organização busca evitar que a multiplicidade de regulamentos comprometa o caráter de unicidade e amplitude nacional do tributo, mas alguns pontos pedem uma análise mais acurada.

Afirmar que o Brasil se encontra organizado em uma república federativa não implica somente em sua organização política-geográfica em estados, municípios, distrito federal e territórios, conforme previsto nos artigos 1º e 2º da Constituição Federal. O federalismo, em especial o federalismo fiscal, pede um diálogo com todo o universo de contribuintes e o poder público tendo como base os princípios e valores maiores da república.

No federalismo temos as competências administrativas e políticas compartilhadas entre os estados membros federados, cabendo a cada uma dessas entidades um certo grau de autonomia e competência previamente delimitadas. O pacto federativo, desta maneira, é a resultante da negociação entre os membros da federação, e onde é concretizada a divisão das atribuições governamentais e a distribuição dos recursos necessários ao desempenho destas funções. O federalismo, nesta toada, pode ser compreendido como a forma de organização do estado na qual as entidades federadas são dotadas de autonomia política, administrativa, tributária e financeira, organizadas em um governo central por meio de um pacto federativo. 

Já o federalismo fiscal, como corolário da forma de estruturação e organização do estado federal, possui relação direta com a repartição fiscal e de competências entre o poder central e as entidades federadas subnacionais, com vistas a vencer o desafio de maximizar a alocação de recursos e a eficiência na arrecadação. O sentido desta organização é a disponibilização de serviços e utilidades a população em geral sem descumprir os direitos dos contribuintes. 

Em resumo, o federalismo fiscal no sistema tributário nacional brasileiro, dentre muitas funções e atribuições, se relaciona estreitamente com a distribuição das competências constitucionais fiscais entre os diferentes níveis de governo, para que cada um deles, coordenadamente e de forma autônoma, possa administrar suas receitas e despesas de acordo com suas necessidades e planos de governo. 

Vejamos agora como a matéria é tratada na reforma tributária.

Ao unificar os tributos estaduais (ICMS) e municipais (ISS) sob a tutela do Comitê Gestor do IBS, conferindo às entidades subnacionais a prerrogativa somente de instituir suas alíquotas, ficam os Estados e municípios alijados de suas mais relevantes fontes arrecadação. Com isso, a autonomia política, administrativa e financeira da própria república fica sensivelmente prejudicada, em afronta direta ao princípio da separação constitucional de competências e poderes prevista expressamente no art. 18 da Constituição Federal.

A perda da autonomia arrecadatória de estados e municípios priva tais entes de suas receitas recorrentes mais relevantes, podendo ser apontada como fator de enfraquecimento do pacto federativo, potencialmente levando a precarização dos serviços públicos com prejuízos ao desenvolvimento econômico e social regionais. Essas não são a únicas dificuldades a serem apontadas na nova comissão criada pela reforma tributária.

Em relação ao IBS nacional com natureza dual, teremos diversos processos intrincados com intercessão de entidades administrativas com competências próprias, o que pode tornar a atividade confusa. No novo regime legal, a União Federal detém a competência para criar o tributo, mas estados e municípios podem instituir as alíquotas e fiscalizar, e somente o comitê, dotado de autonomia administrativa, arrecada os recursos e faz sua distribuição. 

Levando-se em conta que um dos objetivos da reforma tributária  é simplificar o complexo sistema tributário nacional, tal fragmentação de atribuições pode levar a emaranhados jurídicos similares aos construídos nas últimas décadas.

Nos próximos anos viveremos um período de adaptação as novas normas trazidas pela reforma tributária, e muitas controvérsias desafiarão os contribuintes e os advogados, cabendo aos operadores do direito em especial, a missão de defender seus clientes e a ordem jurídica.

Paulo Roberto Vigna

VIP Paulo Roberto Vigna

Advogado, sócio do escritório Vigna Advogados Associados e da VignaTax Consultoria Fiscal e Tributária, Mestre em Relações Sociais do Direito, com MBA em Gestão de Empresas pela FGV.

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