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A descentralização das redes sociais: O futuro inevitável contra a regulação de direitos fundamentais

A tecnologia blockchain descentraliza redes sociais, enfrentando desafios regulatórios e de privacidade com uma estrutura segura e autônoma para os usuários.

quinta-feira, 27 de junho de 2024

Atualizado às 14:17

Introdução

O debate sobre a regulamentação das redes sociais tem sido um tema recorrente nos corredores legislativos ao redor do mundo. No Brasil, a trajetória regulatória encontra-se marcada por iniciativas como o Marco Civil da Internet de 2014, que, apesar de aparente regulação, ainda deixa lacunas significativas no que diz respeito ao controle e à gestão de dados em plataformas digitais. O futuro inevitável é transformar radicalmente este cenário é a descentralização das redes sociais através da tecnologia blockchain. 

Descentralização via Blockchain

A Tecnologia de Registro Distribuído (DLT - Distributed Ledger Technology) refere-se a um consenso de registros replicados, compartilhados e sincronizados geograficamente dispersos, mantidos por membros distintos de uma rede. Ao contrário dos sistemas de registro tradicionais, centralizados em uma autoridade única (como um banco central, por exemplo), a DLT permite que a informação exista simultaneamente em múltiplos locais, sendo acessível e verificável por todos os participantes da rede sem a necessidade de uma entidade central de controle.

Características Principais:

Descentralização: A DLT opera em uma estrutura descentralizada, o que significa que os registros são mantidos em muitos computadores (nós) em toda a rede, em vez de ser armazenados em um local central. Isso ajuda a eliminar pontos únicos de falha e aumenta a resistência contra ataques cibernéticos através de características fundamentais: Primeiramente, a redundância de dados é garantida, pois cada nó na rede mantém uma cópia completa do registro, assegurando que a integridade do sistema seja preservada mesmo se alguns nós forem comprometidos. Além disso, a segurança dos dados é reforçada pelo uso de hashes criptográficos que interligam os blocos, tornando modificações retroativas computacionalmente inviáveis sem a recalculação de todos os blocos subsequentes. A maioria das redes DLT também exige um consenso para alterações, necessitando que a maioria dos participantes valide qualquer mudança, o que protege contra manipulações unilaterais. A transparência da rede permite uma auditoria constante por todos os usuários, facilitando a rápida detecção e correção de qualquer tentativa de fraude. Por fim, a ausência de um único ponto de controle dificulta enormemente a execução de ataques coordenados, tornando as plataformas baseadas em DLT particularmente seguras em comparação aos sistemas centralizados tradicionais.

  • Transparência e segurança: Cada transação no ledger é verificável por todos os participantes e deve ser confirmada por consenso da rede antes de ser permanentemente adicionada. Além disso, a utilização de criptografia assegura a integridade e a segurança das transações.
  • Imutabilidade: Uma vez que uma transação é registrada no ledger, ela não pode ser alterada ou apagada, garantindo um histórico transparente e auditável de todas as transações.
  • Consensos: A DLT utiliza mecanismos de consenso para validar transações. Estes mecanismos, que podem variar (como Proof of Work, Proof of Stake, entre outros), são fundamentais para manter a integridade e a confiança na rede.

Tipos de DLT:

Embora o blockchain seja o tipo mais conhecido de DLT, existem outras variações que se diferenciam principalmente no modo como os dados são estruturados e no mecanismo de consenso utilizado. Algumas dessas variações incluem:

Blockchain: Um tipo de DLT que organiza os dados em blocos encadeados cronologicamente. Blockchain é um tipo específico de Tecnologia de Registro Distribuído que organiza dados em blocos encadeados cronologicamente e que se tornou famoso principalmente pelo seu uso em criptomoedas como o Bitcoin. No entanto, as aplicações do blockchain vão muito além das criptomoedas.

Exemplo prático: Bitcoin

O Bitcoin, a primeira e mais conhecida criptomoeda, utiliza a tecnologia blockchain para facilitar e registrar transações financeiras de forma segura e descentralizada. Cada transação realizada com Bitcoin é verificada por uma rede de computadores (nodos) e, uma vez confirmada, é adicionada a um bloco de outras transações recentes. Uma vez que um bloco é preenchido, ele é adicionado ao final da cadeia de blocos existente, de maneira sequencial e imutável.

Esse processo não apenas garante a segurança das transações, impedindo fraudes e duplicidades (como o problema do gasto duplo), mas também elimina a necessidade de intermediários, como bancos ou governos, para validar ou facilitar as transações. O blockchain do Bitcoin é público, o que significa que qualquer pessoa na rede pode ver todas as transações que já foram feitas, garantindo transparência total, embora as identidades dos usuários permaneçam protegidas por meio de pseudônimos.

Através do Bitcoin, a tecnologia blockchain demonstrou a viabilidade de sistemas financeiros alternativos que são globais, acessíveis e significativamente menos suscetíveis à interferência externa ou à corrupção. Este exemplo pioneiro tem inspirado inúmeras outras aplicações em diversos setores, desde a logística até o registro de propriedades, destacando o potencial transformador do blockchain.

  • Tangle: Utilizado pelo IOTA, organiza as transações em uma rede de nós interconectados, não necessariamente formando uma cadeia linear ou blocos. O Tangle, utilizado pela IOTA, representa uma abordagem inovadora ao descentralizar transações através de uma estrutura conhecida como DAG - Directed Acyclic Graph, divergindo do tradicional blockchain que organiza transações em blocos lineares. No Tangle, cada transação é conectada individualmente a duas outras anteriores, não formando blocos ou cadeias lineares, mas uma rede interconectada. Este método de validação descentralizada requer que cada nova transação valide duas transações prévias, contribuindo para a segurança e reduzindo a possibilidade de spam e ataques. Essa estrutura promove maior velocidade e eficiência, escalando positivamente à medida que o volume de transações aumenta, o que contrasta com os blockchains tradicionais que podem sofrer com lentidão e congestionamento. Além disso, o Tangle elimina a necessidade de mineradores, reduzindo significativamente o consumo de energia e os custos de transação, tornando-o ideal para microtransações e aplicações em IoT - Internet das Coisas, onde pequenos dispositivos realizam frequentes transações de dados ou micro-pagamentos. A robustez, a segurança e a escalabilidade sem taxas fazem do Tangle uma solução atraente para a crescente demanda por eficiência em transações digitais descentralizadas.
  • Hashgraph: Usa uma estrutura de grafos acíclicos dirigidos para alcançar consenso, prometendo ser mais rápido e eficiente em termos de energia do que as blockchains tradicionais. Hashgraph se destaca como uma tecnologia de consenso baseada em uma estrutura de grafos acíclicos dirigidos (DAG), prometendo superar as blockchains tradicionais em termos de velocidade e eficiência energética. Diferente do blockchain, que organiza dados em blocos sequenciais, o Hashgraph permite que múltiplas transações ocorram simultaneamente, sem necessidade de formação de blocos ou mineração. Esta característica resulta em um processo de consenso muito mais rápido e com menor consumo de energia, tornando-o ideal para aplicações que exigem grande volume de transações em alta velocidade. Além disso, o Hashgraph é projetado para fornecer um alto grau de segurança e justiça, assegurando que todas as transações sejam tratadas na mesma sequência em que foram recebidas, evitando manipulações e garantindo a integridade dos dados. Por essas razões, Hashgraph é visto como uma alternativa promissora às tecnologias de registro distribuído convencionais, oferecendo uma solução escalável e eficiente para o crescente universo das transações digitais.

A tecnologia blockchain é fundamentalmente uma base de dados distribuída, caracterizada pela sua robustez e transparência. Cada "bloco" na "cadeia" contém um número de transações, e uma vez que um bloco é completado, ele se junta à cadeia de forma permanente e inalterável. Na prática, isto significa que a tecnologia não é controlada por uma única entidade, mas sim distribuída entre todos os participantes da rede.

Aplicado às redes sociais, o blockchain permitiria que cada postagem, comentário ou curtida fosse registrado em um bloco, eliminando a necessidade de servidores centralizados controlados por uma empresa específica. Isso não apenas aumenta a segurança contra ataques cibernéticos, mas também promove uma maior privacidade do usuário, visto que seus dados não estariam armazenados em um servidor central susceptível a exploração comercial ou vigilância governamental.

Implicações Regulatórias

No Brasil, o contexto regulatório é particularmente complexo. Embora o Marco Civil da Internet de 2014 tenha sido um marco na definição de direitos e deveres para usuários e provedores de internet, ele não conseguiu antecipar o surgimento e as implicações de redes sociais descentralizadas. Durante a elaboração desta legislação, observou-se um intenso lobby por parte das grandes empresas de tecnologia, que influenciou significativamente o texto final da lei. Essa interferência levanta preocupações legítimas sobre a possibilidade de um cenário semelhante ocorrer em futuras tentativas de regulamentação das plataformas digitais.

Além disso, o crescente debate sobre a regulamentação das redes sociais frequentemente parece menos sobre a proteção dos usuários e mais sobre a tentativa de controlar o discurso público. As redes sociais, ao democratizar a produção e distribuição de informação, reduziram significativamente o monopólio tradicionalmente detido pelos grandes veículos de mídia. Isso elevou a liberdade de expressão do cidadão comum, que agora pode expressar, debater e disseminar ideias sem os filtros editoriais das mídias tradicionais. Neste contexto, é essencial questionar se a regulamentação proposta busca genuinamente proteger os direitos dos usuários ou se, por outro lado, reflete uma tentativa de reconquistar o controle sobre o fluxo de informações e, consequentemente, sobre a opinião pública.

Exemplos Internacionais

Olhando para as iniciativas internacionais, como a União Europeia com o GDPR - Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados, vemos uma clara demanda por transparência e consentimento no tratamento de dados pessoais, princípios que poderiam ser naturalmente assegurados pelo uso de blockchain em redes sociais. Esta tecnologia garante que as transações de dados sejam rastreáveis e inalteráveis, oferecendo uma nova camada de segurança e privacidade que está em total alinhamento com as diretrizes do GDPR.

Em contraste, regimes autoritários como o da China apresentariam um cenário completamente diferente. Dada a natureza centralizada e controladora do governo chinês sobre a informação e a comunicação, é altamente improvável que uma tecnologia que promove a descentralização, como o blockchain, seja permitida para redes sociais dentro de suas fronteiras. O regime comunista da China depende de um controle rigoroso sobre a mídia e a expressão pública para manter a ordem e a conformidade, e uma rede social descentralizada seria inerentemente subversiva a esse controle, oferecendo aos cidadãos uma plataforma incontrolável e livre de censura estatal. Portanto, é de se esperar que tais tecnologias sejam categoricamente rejeitadas ou severamente limitadas pelo governo chinês.

Conclusão

A descentralização das redes sociais não só oferece novas perspectivas em termos de privacidade e segurança dos dados, como também redefine o papel dos governos na regulamentação desses ambientes digitais. Esta tecnologia traz consigo múltiplas vantagens, mas também desafios significativos, especialmente no campo da regulamentação. A descentralização de qualquer grande rede social usando DLT não seria apenas uma mudança técnica, mas também uma transformação cultural e estrutural significativa tanto para a empresa quanto para os usuários. Envolveria superar desafios técnicos, legais e de usabilidade, mas poderia potencialmente levar a uma internet mais segura, privada e democrática, onde os usuários têm controle real sobre seus dados e interações. 

Antes mesmo de considerar a implementação de qualquer tipo de regulamentação, os governos enfrentariam um obstáculo formidável: o poderoso lobby das grandes corporações tecnológicas, que historicamente têm exercido uma influência substancial sobre as políticas e legislações. Mesmo superando essa barreira, os governos se deparariam com a robustez da DLT. A natureza intrinsecamente resistente e autônoma da DLT desafia qualquer tentativa de imposição autoritária, pois não está à mercê de sistemas obsoletos ou controles centralizados. O caminho à frente exige um diálogo aberto e contínuo entre tecnólogos, legisladores e a sociedade civil para abordar completamente as implicações desta evolução tecnológica inevitável, afinal a tecnologia não perdoa.

Jorge Alexandre Fagundes

VIP Jorge Alexandre Fagundes

Advogado Empresarial e Digital. Mestre em Ciência e Tecnologia Miami, EUA. DPO pela EXIN, Especialista LGPD/GDPR/ISO 27001/27002 .Presidente da Comissão de proteção de dados OAB/ES.

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