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A enigmática reforma tributária no Brasil

Descortinando a extensa EC/132 com o intuito de concluir os benefícios e as sujeições inerentes às mudanças que ocorrerão até o ano de 2032 - data final da transição.

quarta-feira, 26 de junho de 2024

Atualizado às 10:43

Para compreender a reforma tributária no Brasil, faz-se necessário argumentar sobre os diversos sistemas utilizados nos EUA e na Europa, contextualizando com a real necessidade brasileira. Nessa toada, para alguns doutrinadores, a cobrança sobre a renda destaca-se pela efetividade e equidade de tributação em países desenvolvidos como a Escandinávia, Dinamarca e Suécia. Todavia, para países em subdesenvolvimento, tal maneira de tributação encontra entraves, uma vez que a maior parte da população encontra- se abaixo do limite da pobreza. Ou seja, a tributação apenas da renda, não proveria o orçamento necessário à positivação de políticas públicas para os hipossuficientes e vulneráveis.

Nessa toada, especificamente, para os países com dificuldades fornecer o mínimo existencial para com a população, a solução para o impasse foi implantar o sistema de cobrança relacionada ao consumo de determinado produto. Entretanto, tal planejamento orçamentário pode aumentar as desigualdades socioeconômicas, pois irá cobrar igualmente o consumo de uma pessoa rica e pobre. Para exemplificar, utiliza-se o consumo de alimentos da cesta básica de todos os contribuintes, cuja tributação será a mesma sobre arroz, feijão, açúcar, café, dentre outros. Destarte, verifica-se que tanto os ricos como os hipossuficientes consumem tais produtos, pagando os mesmos impostos, apesar da remuneração ser totalmente desigual.

Uma outra questão a ser descortinada é a extensão territorial e sua relação com a maneira de se cobrar os tributos, posto que um país menor ostenta a capacidade de fiscalização e controle efetiva em relação a um com território amplo. Nesse diapasão, pode-se utilizar do exemplo do Brasil, que, antes da reforma tributária de 2023, possuía mais de 100 impostos federais, estaduais e municipais- destacando-se por altos índices de evasão fiscal. Em contrapartida, países como Noruega, utilizam-se do chamado IVA - Imposto de Valor Agregado, com o intuito de celeridade e simplificação tributária, unindo várias formas e competências inerentes a especialidade de cobrança. Nessa linha de discussão, de acordo com o professor Roberto Caparroz, a maior parte dos países do mundo utiliza do IVA, desde 1960, encontrando-se adaptados à unificação tributária e à baixa evasão fiscal.

Entretanto, quando se destaca a extensibilidade como um fator a ser questionado na utilização do IVA, observa-se que a potência dos Estados Unidos da América não utiliza deste tipo de cobrança, mas sim da tributação específica denominada de "sales tax", sendo um dos modelos mais efetivos e eficientes do mundo na tributação. Nessa linha de execução, a peculiaridade não se refere ao tamanho do país, pois este tem 9.833.517 Km2 de extensão e o Brasil 8.515.767 Km2.Ou seja, a questão a ser inferida agora seria a situação política, econômica, social e cultural diferenciada destes países. Nessa linha de discussão, adentra-se na questão mister que é a Reforma Tributária brasileira e suas decorrências constitucionais e infraconstitucionais.

Para contextualizar esta iniciativa do Congresso Nacional brasileiro, é importante descrever que, há mais de trinta anos, espera-se uma medida relevante na unificação de tributos, visando a equidade de tributação, o arrefecimento da evasão fiscal e o incentivo dos setores industriais e importadores. Além disso, desde 1988, com a promulgação da CF/88, a Carta Magna abarcou direitos sociais, conquistas sustentáveis para o meio ambiente, direitos fundamentais erga omnes, dentre outros. Explicando melhor, com a promulgação da CF/88, pode-se compreender a complexidade de cobranças tributárias e os regimes de competência inerentes a cada ente político, pactuando com o CTN - Código Tributário Nacional de 1966. Em consequência disso, a Reforma Tributária, EC/132, tem a prerrogativa de envolver a compreensão constitucional preexistente, a linha seguida pelo CTN e as Leis complementares de cada ente público, coadunando com os princípios da celeridade, unificação e eficiência.

Diante de toda a argumentação e a historicidade supracitada, infere-se que o paradigma idealizado pela EC/132 visa a unificação e a simplificação de um sistema pretérito e complexo, conquanto, a grande questão a ser descoberta é se a grande quantidade de artigos não trará maior complexidade de entendimento para os atuantes, do que benefícios aos contribuintes. Nesse viés, para exemplificar, a Constituição da Espanha de 1978 possui quase o mesmo tamanho da EC/132, sem contar com a produção de leis complementares que virão a ser processadas pelos Estados. Isto é, a transição e a adequação ao sistema deve ser graduais e proporcionais ao desafio em xeque.

Diante de todo o exposto, não se pretende esgotar o tema da Reforma tributária, mas sim, abrir uma discussão a respeito dos próximos passos para definir a positivação de benesses ao coletivo. Destarte, a aceitação da população contribuinte, das autoridades de cada poder e dos juristas será imprescindível para que a eficiência em conjunto com a efetividade se torne um paradigma da tributação do Brasil.

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Joseane de Menezes Condé

VIP Joseane de Menezes Condé

Mestranda em Direito FUNIBER, pós graduação em Direito Constitucional Damásio, pós graduanda em direito tributário Anhanguera, coautora do livro novos temas de direito e pós modernidade (2023).

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