Órgãos da administração em diferentes estruturas societárias
Sociedades personificadas se distinguem de seus sócios, sendo administradas por estes, por terceiros ou por diretoria e conselho de administração, conforme complexidade e porte.
sábado, 22 de junho de 2024
Atualizado em 21 de junho de 2024 13:07
As sociedades personificadas são aquelas que apresentam personalidade jurídica própria, isto é, em razão de uma ficção legal, tais sociedades são sujeitas a direitos e deveres de forma autônoma aos seus sócios. Neste contexto de distinção entre sociedade e sócios, a atuação da empresa é realizada pelo órgão societário denominado "administração", a quem cabe exercer os atos de gestão e representação da sociedade1.
Diferentemente dos gerentes administrativos, que na condição de empregados, atuam como meros mandatários da empresa, a administração é parte estrutural das sociedades, sendo responsável pela própria formação da vontade social da organização, ou seja, a administração não transmite os interesses da sociedade, ela é a própria "força ordenadora dos interesses que manifesta"2.
As estruturas administrativas, contudo, variam de acordo com tamanho, complexidade e especificidades de cada empresa, distinguindo-se, por exemplo, entre sociedades pequenas, familiares, start ups e grandes corporações.
A forma mais básica de administração pode ser observada nas sociedades simples, nas quais, caso nada conste no contrato social, tal função será desempenhada por cada um dos sócios individualmente, aos quais competirão praticar todos os atos de gestão da empresa (art. 1.013 e 1.015, CC). Todavia, não há impeditivo para que o contrato social estabeleça a distinção entre sócios e administração, a qual pode ser exercida apenas por parte daqueles ou até mesmo por terceiros (art. 1.101, §1°, CC).
De modo semelhante, as sociedades limitadas podem ser administradas por todos os sócios, parte deles ou por terceiros, sendo necessário, entretanto, que tais administradores constem expressamente no contrato social ou em ato separado (art. 1.060, CC).
Estruturas mais complexas apresentam-se nas sociedades anônimas, em que a administração se divide em conselho de administração e diretoria (art. 138, caput e §1°, LSA). O conselho de administração é um órgão colegiado e deliberativo, cujo objetivo é a "definição da estratégia corporativa, do acompanhamento de seu cumprimento pela diretoria, e da conexão entre a gestão executiva e os sócios em defesa dos interesses da organização"3. A diretoria, por sua vez, é responsável pela efetiva representação da sociedade no dia a dia, competindo a ela a "gestão e condução da organização e tem como responsabilidade executar, apoiada pelos princípios da governança corporativa, a estratégia aprovada pelo conselho de administração"4.
Divergindo do modelo adotado por países do Common Law, a S.A. brasileira tem o chamado modelo de administração dual, no qual ambos, Conselho de Administração e Diretoria, são órgão com competência prevista em lei, somente sendo obrigatória, todavia, a instauração da Diretoria. O modelo do Common Law, chamado unitarista, tem somente o Conselho de Administração (Board of Directors) como órgão obrigatório, sendo a diretoria (Management) mandatários do Conselho para temas específicos, com competência determinada e derivada deste.
A estrutura dual se deve em razão do grande porte das sociedades anônimas, que não podem relegar a responsabilidade de administração aos numerosos e mutáveis acionistas, sob pena de altos custos de informação e coordenação. Assim, os diretores, a quem cabe executar diretamente as decisões empresariais, são contratados e fiscalizados pelo conselho de administração, os quais são eleitos pelos próprios acionistas e responsáveis por deliberar colegiadamente sobre os principais assuntos da organização - salvo aqueles de competência exclusiva da assembleia de sócios. Esse arranjo administrativo cria um sistema de freio e contrapesos capaz de proteger os interesses dos acionistas e a efetividade na tomada de decisão empresarial5.
Em arranjos mais complexos e robustos, o conselho de administração pode contar ainda com órgãos auxiliares, tais como comitês de assessoramento, grupos de trabalho ou comissões, quem têm como objetivo estudar, discutir e realizar recomendações não vinculativas ao conselho6. A título de exemplo, o Regulamento do Novo Mercado - o mais alto nível de governança corporativa do mercado de capitais brasileiro - estabelece que a empresa aderente deve instalar um comitê de auditoria, com competência de assessorar o conselho de administração na fiscalização e controle da companhia.
Em resumo, uma estrutura administrativa completa e aderente aos mais altos níveis de governança corporativa, divide-se em: (i) assembleia geral, enquanto órgão máximo de deliberação da organização; (ii) conselho de administração e órgãos auxiliares, com competência de decisão sobre assuntos estratégicos; e (iii) diretoria, cujo objetivo é de execução das diretrizes delineadas pelos demais órgãos. Esse modo de administração, inclusive, pode ser replicado para sociedades limitadas mais organizadas e estruturadas7.
Ressalta-se, entretanto, que apesar do modelo administrativo acima ser considerado um standard de qualidade, ele não é necessariamente aplicável a todas as estruturas societárias, seja pelos custos atrelados, maturidade, porte da empresa ou especificidades históricas. Neste contexto, empresas que visem um regime transitório de aprimoramento da estrutura administrativa podem instituir um conselho consultivo, sem poderes decisórios, mas apenas opinativo8.
Por exemplo, uma startup em expansão, frequentemente liderada por seus próprios fundadores, pode não ter os recursos e a maturidade necessários para sustentar e ser gerida por um conselho de administração e diretoria. No entanto, ela pode possibilitar a participação de seus sócios investidores através de um conselho consultivo, com o objetivo de envolvê-los nos interesses da organização.
Portanto, é importante observar que não existe um modelo de administração superior em termos abstratos. Em vez disso, existe uma estrutura adequada para cada realidade empresarial, sendo mais simples em sociedades menores e mais complexa em organizações desenvolvidas. Assim, vale a máxima: "one size doesn't fit all".
1 BORBA, José Edwaldo T. Direito Societário. Barueri: Grupo GEN, 2022. E-book.
2 BORBA, op. cit., p. 67.
3 INSTITUTO BRASILEIRO DE GOVERNANÇA CORPORATIVA - IBGC. Código de Melhores Práticas de Governança Corporativa. 6ª ed. São Paulo: IBGC, 2023, p. 31.
4 IBGC, op. cit., p. 53
5 KRAAKMAN, Reinier et al. A anatomia do direito societário: uma abordagem comparada e funcional. Tradução Mariana Pargendler. São Paulo: Editora Singular, 2018.
6 IBGC, op. cit.
7 IBGC, op. cit.
8 IBGC, op. cit.
João Vitor Calabuig Chapina Ohara
Estagiário do Thielmann Nogueira Advogados, acadêmico da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo e membro do Núcleo de Arbitragem e Mediação da USP-Ribeirão Preto