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A ilegalidade do cancelamento do plano de saúde durante tratamento médico

O objetivo desse artigo se concentra em analisar as regras para rescisão unilateral dos planos de saúde e a ilegalidade do cancelamento do contrato durante a realização de tratamentos médicos.

quinta-feira, 20 de junho de 2024

Atualizado em 21 de junho de 2024 14:31

Antes de passar a analisar as possibilidades de rescisão dos contratos de assistência à saúde, importante contextualizar que existem três modalidades de planos de saúde previstos pela lei 9.656/98, são eles:

  1. Individual ou familiar;
  2. Coletivo empresarial;
  3. Coletivo por adesão.

A modalidade do plano contratado influencia designadamente nas hipóteses e regras legais para o cancelamento do contrato.

Assim, no caso de planos individuais ou familiares, as operadoras não estão autorizadas a fazer o cancelamento de forma imotivada, exceto em casos fundamentados na ocorrência de inadimplência por período superior a 60 dias, nos últimos 12 meses de vigência do contrato, ou se houver fraude.

Merece destaque o entendimento dos tribunais de que os pseudos contratos coletivos com menos de 30 vidas devem respeitar as regras de rescisão dos planos individuais ou familiares. O STJ já reconheceu que nesses contratos há maior vulnerabilidade do consumidor e as bases atuariais são semelhantes às das modalidades individual ou familiar.

No tocante aos planos coletivos, mais comuns entre os beneficiários, embora a lei não seja expressa acerca dos termos para a rescisão contratual, é pacificada em compreensão conjunta ao posicionamento da ANS e do Judiciário, a possibilidade de cancelamento imotivado do plano coletivo desde que respeitados requisitos mínimos, quais sejam:

  • Existência de clara previsão contratual;
  • Observância de prazo mínimo de vigência contratual de 12 meses;
  • Notificação ao beneficiário com antecedência mínima de 60 dias.

Vale lembrar que a possibilidade de rescisão do contrato não deve implicar na total desoneração do convênio às obrigações entabuladas, resultando no abandono do consumidor, de modo que é obrigação do plano de saúde ofertar ao beneficiário a possibilidade de aderir a plano individual ou familiar em condições similares ao produto cancelado e com portabilidade de carência.

Outro ponto importante é que embora a ANS tente incutir a prevalência da notificação prévia no prazo estipulado em contrato, já restou pacificado pelo STJ que a rescisão imotivada deve necessariamente respeitar a antecedência mínima de 60 dias.

Contextualizados tais pontos, fica tranquilo perceber que existem requisitos definidos para a rescisão unilateral do plano de saúde, e que o desrespeito a tais medidas configura prática de ato ilícito, passível de indenização ao beneficiário lesado e aplicação de penalidade à operadora de plano de saúde.

IMPOSSIBILIDADE DO CANCELAMENTO DURANTE TRATAMENTO MÉDICO

A responsabilidade das prestadoras de assistência à saúde frente aos beneficiários em tratamento médico não se encerra com o cumprimento dos requisitos previstos para rescisão contratual, ou seja, ainda que precedida a notificação da rescisão do contrato com antecedência de 60 dias e ofertado novo plano, a operadora deverá manter a assistência prestada nas mesmas condições enquanto perdurar o tratamento do paciente.

Isso porque, o consumidor que contribuiu de boa-fé e contou com o respaldo do plano de saúde não pode simplesmente ser desamparado durante o tratamento médico garantidor de sua sobrevivência e/ou essencial à manutenção de sua incolumidade física.

Nesse compasso, o STJ mais uma vez privilegiou o direito do consumidor e a segurança jurídica ao fixar tese no Tema Repetitivo 1.082:

"A operadora, mesmo após o exercício regular do direito à rescisão unilateral de plano coletivo, deverá assegurar a continuidade dos cuidados assistenciais prescritos a usuário internado ou em pleno tratamento médico garantidor de sua sobrevivência, ou de sua incolumidade física, até a efetiva alta, desde que o titular arque integralmente com a contraprestação devida." (REsp 1.846.123-SP, rel. min. Luis Felipe Salomão, 2ª seção, unanimidade, j. 22/6/22, DJe 1/8/22 - Tema Repetitivo 1.082).

Deste modo, ainda que aplicadas as regras previstas para a rescisão do contrato de plano de saúde, é imprescindível que os convênios sigam prestando assistência aos beneficiários nas mesmas condições anteriormente ofertadas até efetiva alta médica, com base na interpretação dos arts. 8º, § 3º, alínea b, e 35-C, incisos I e II, da lei 9.656/98, bem como do art. 16 da Resolução Normativa DC/ANS 465/21.

CANCELAMENTO DO PLANO DURANTE O TRATAMENTO DO TEA - TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA

Ao longo dos anos, com o aprimoramento da medicina e do diagnóstico, foi constatado um aumento relevante dos casos de TEA. Tal avanço não ocorreu somente na possibilidade de diagnóstico, mas especialmente nas alternativas para tratamento.

É de amplo conhecimento que o tratamento do transtorno do espectro autista passa por acompanhamento multidisciplinar e possui caráter contínuo e vital para manter as melhores condições físicas e psíquicas dos pacientes.

A jurisprudência é unânime acerca da proibição da descontinuidade do tratamento TEA em virtude do cancelamento do plano de saúde, observando o Tema 1.082 do STJ.

O entendimento sedimentado pelos tribunais, considera ainda que, mesmo havendo motivo para o cancelamento, a rescisão ou a suspensão de plano de saúde não pode resultar em risco à preservação da saúde e da vida do paciente que se encontra em tratamento, sendo obrigação da operadora assegurar a continuidade dos cuidados assistenciais.

CONCLUSÃO

Conclui-se que o judiciário, de forma acertada, não deixa margem de dúvidas acerca dos direitos bem sedimentados concernentes aos beneficiários de planos de saúde, oferecendo respostas rápidas aos conflitos cotidianamente gerados, privilegiando o direito fundamental à saúde, à vida e aos ditames do CDC.

Apesar de comumente nos depararmos com flagrantes abusividades praticadas pelos planos de saúde, o presente artigo focou em demonstrar que existem regras previamente estabelecidas para a rescisão dos contratos de assistência à saúde, e, especialmente esclarecer sobre a proibição e ilicitude da rescisão unilateral do contrato por iniciativa da operadora durante a realização de tratamento médico, incluindo-se o tratamento do TEA.

Maria Fernanda Geiger Alonso

Maria Fernanda Geiger Alonso

Advogada. Especialista em Direito Civil pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pós-graduanda em Direito Médico e Bioética pela PUC Minas.

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