Arcabouço fiscal vs lei de responsabilidade fiscal e aumento da carga tributária
Economia brasileira enfrentará desafios com déficit alto, juros elevados e inflação acima do esperado, impedindo cortes na Selic, segundo especialistas como Alberto Ramos do Goldman Sachs.
segunda-feira, 24 de junho de 2024
Atualizado às 07:34
O Brasil sofrerá, nos próximos anos, uma forte deterioração da economia, com déficit público elevado e, também, juros elevados, o que afetará não só as contas públicas, mas também o equilíbrio do ajuste fiscal - âncora macroeconômica da economia brasileira.
O IPCA - Índice de Preços ao Consumidor Amplo acima do previsto divulgado recentemente, combinado aos riscos fiscais, torna improvável um corte da taxa Selic na próxima reunião do Copom - Comitê de Política Monetária.
O mercado de juros apagou as apostas em corte adicional da Selic e passou a incorporar prêmios inclusive de um aumento da taxa básica para cerca de 11% até o final do ano.
Para Alberto Ramos, economista-chefe para a América Latina no Goldman Sachs, em entrevista à Bloomberg News (LEONEL, 2024)1, "a 'enorme expansão fiscal' de 2023 e 2024 foi injustificada e os custos agora estão se tornando aparentes. (...) Nesta fase, a única âncora macro crível no sistema é o Banco Central".
Ademais, para piorar o cenário econômico, em mensagem contrária às premissas do arcabouço fiscal, a seguir explicado, o Presidente da República argumenta: "Estamos arrumando a casa e colocando as contas públicas em ordem para assegurar o equilíbrio fiscal. O aumento da arrecadação e a queda da taxa de juros permitirão a redução do déficit sem comprometer a capacidade de investimento público" (ISTOÉ DINHEIRO, 2024)2.
O fato de o Presidente vincular a redução do déficit ao aumento da arrecadação - e não a cortes de despesas - confirma a deterioração da economia nos próximos anos.
Vejamos os dados reais da economia brasileira, nas projeções da área econômica da XP, que demonstram a falácia do argumento acima mencionado (MEGALE, 2024)3.
- Dívida pública continua com tendência de alta.
- DBGG - Dívida Bruta do Governo Geral e o PIB devem atingir 77,3% em 2024 e 80,5% em 2025 (contra 77,1% e 79,8% na projeção anterior).
- Revisamos nossa projeção de resultado primário em 2024. O déficit primário estimado para 2024 passou de R$ 67,1 bilhões (0,6% do PIB) para R$ 60,6 bilhões (0,5% do PIB), excluindo as despesas extraordinárias com o auxílio ao Rio Grande do Sul.
- Receitas com concessões, CARF e transações tributárias e despesas com previdência e assistência social continuam como principais riscos.
- Estimamos déficits de R$ 61,3 bilhões em 2024 (0,5% do PIB) e R$ 99,1 bilhões em 2025 (0,8% do PIB) para o setor público consolidado.
- Os números recentes são condizentes com nossa projeção de 3,7% para o IPCA de 2024.
- As expectativas de inflação subiram - afastando-se ainda mais da meta de 3,0% - devido ao cenário global adverso, incertezas fiscais domésticas, mercado de trabalho apertado e questões de credibilidade do Banco Central.
Aliada a esses dados, temos a recente alta do dólar, Gráfico a seguir, que afeta sobremaneira a inflação brasileira e é explicada pelas políticas econômicas decorrentes da gestão fiscal do governo.
No relatório semanal da equipe econômica do Banco Safra4, vemos a confirmação desses impactos na economia brasileira:
As altas recentes e a certa firmeza projetada para os próximos meses sugerem que a inflação acumulada em 12 meses deve subir um pouco. A variação do IPCA acelerou de 3,69% para 3,93% entre abril e maio. Para junho, ela deve chegar perto de 4,40%, mantendo-se próxima a 4,0% por alguns meses, antes de cair para 3,80% ao final do ano. Isso corresponde a uma revisão de 0,2 p.p. na taxa anual de 2024, decorrente em grande parte da recente depreciação do câmbio, que deve impedir o real de passar abaixo de R$5,00/US$ até o final do ano. Caso o câmbio se mantenha próximo ao valor das últimas semanas, a variação do IPCA pode ultrapassar 4,0% em 2024, com implicações para os juros, ainda que o horizonte relevante da autoridade monetária já esteja se deslocando para 2026. (grifo do autor).
Considerando todos os dados econômicos acima, verificamos que, adicionalmente ao que sustenta Alberto Ramos, temos mais duas âncoras macro na econômica brasileira - o arcabouço fiscal e a lei de responsabilidade fiscal -, que servem como escudos e proteção para a economia brasileira. Dessa forma temos três âncoras macroeconômicas: a Política Monetária do Banco Central do Brasil, o Arcabouço Fiscal e a Lei de Responsabilidade Fiscal.
O arcabouço fiscal é um conjunto de medidas, regras e parâmetros para a condução da política fiscal para controle e equilíbrio dos gastos e receitas de um país, a fim de que o governo não gaste mais do que suas receitas e não aumente a dívida pública de forma descontrolada. Tais regras proporcionam previsibilidade e segurança aos credores e permitem que os juros cobrados caiam. "Ele [o arcabouço fiscal] tem como objetivo deixar claro para investidores, sociedade em geral e agentes internacionais como o governo vai equilibrar e manter sob controle as contas públicas, e ainda realizar investimentos nos próximos anos. (...) O principal balizador dessas normas é a fixação de uma trajetória consistente para o resultado primário do Governo Central, que são as receitas menos as despesas deste ente, descontadas as despesas financeiras com a dívida pública (MINISTÉRIO DA FAZENDA, 2023)5.
No caso do Brasil, "o Regime Fiscal Sustentável, conhecido como Novo Arcabouço Fiscal (PLP 93/23), é um mecanismo de controle do endividamento que substitui o Teto de Gastos, atualmente em vigor, por um regime fiscal sustentável focado no equilíbrio entre arrecadação e despesas. Mais do que impedir gastos acima de um limite, o regime condiciona maiores gastos do governo ao cumprimento de metas de resultado primário, buscando conter o endividamento e criando condições para a redução de juros e garantia de crescimento econômico" (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2023)6.
O que tudo isso tem a ver com o aumento da carga tributária?
Insistir nos aumentos significativos dos tributos, como é do conhecimento geral, não está produzindo os efeitos desejados, haja vista que as metas de arrecadação estão muito abaixo do esperado.
Com efeito, na tabela, a seguir, a área econômica da XP compara as projeções medidas de aumento de receitas incluídas - LOA - Lei Orçamentária Anual de 2024 - com as projeções do RARDP - Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias bimestral do 1º e 2º bimestre, projeções e o realizado até maio. Na LOA, documento anual que detalha o orçamento do governo, estão as projeções de arrecadação e gasto do governo, evidenciando que a arrecadação esperada está abaixo daquela projetada para equilibrar o déficit público.
Acreditamos que o "case Brasil 2022/2025" - ancorado no ajuste fiscal, diga-se arcabouço fiscal (regras acima mencionadas), baseado somente na arrecadação sem a contrapartida da redução dos gastos públicos (reforma administrativa) - deverá ser estudado pelos economistas, pois os impactos ainda virão nos próximos anos.
A ideia do estado protetor - grande e gerador do desenvolvimento econômico -, a ideologia progressista, será o ponto dos estudos econômicos no futuro.
Concluindo, o que se espera é mais aumento da carga tributária sobre os agentes econômicos e a população em geral.
1 LEONEL, Josué. Goldman vê risco ainda baixo, mas crescente, de alta as Selic. Bloomberg. 11 jun. 2024. Disponível em: https://www.bloomberg.com/news/articles/2024-06-11/goldman-ve-risco-ainda-baixo-mas-crescente-de-alta-da-selic?embedded-checkout=true
2 ISTOÉ DINHEIRO. Lula afirma que aumento da arrecadação e queda de juros permitirão reduzir déficit. 12 jun. 2024. Disponível em: https://istoedinheiro.com.br/lula-afirma-que-aumento-da-arrecadacao-e-queda-de-juros-permitirao-reduzir-deficit/
3 MEGALE, Caio. Confira nossas projeções para as principais variáveis macroeconômicas. EXPERT (XP). 07 jun. 2024. Disponível em: https://conteudos.xpi.com.br/economia/projecoes-xp/
4 SAFRA SEMANAL. Análise macroeconômica. 14 jun. 2024.
5 MINISTÉRIO DA FAZENDA. Confira o Perguntas e Respostas sobre o Novo Arcabouço Fiscal. 18 abril 2023. Disponível em: https://www.gov.br/fazenda/pt-br/assuntos/notícias/2023/abril/confira-o-perguntas-e-respostas-sobre-o-novo-arcabouco-fiscal
6 CÂMARA DOS DEPUTADOS. Novo arcabouço fiscal. 18 abril 2023. Disponível em: https://www.camara.leg.br/internet/agencia/infograficos-html5/novo-arcabouco-fiscal/index.html#:~:text=O%20Regime%20Fiscal%20Sustent%C3%A1vel%2C%20conhecido,equil%C3%ADbrio%20entre%20arrecada%C3%A7%C3%A3o%20e%20despesas.
Ronaldo Corrêa Martins
Fundador e CEO do Escritório RONALDO MARTINS & Advogados, fundado em 22/03/1990. Formado em: Ciências Econômicas, Ciências Contábeis e Direito.