IBS, um imposto para sustentar a oligarquia
A EC 132/23 foca em tributos sobre consumo, mas é criticada como manobra para perpetuar poder da oligarquia, que concentra riqueza enquanto a maioria vive na pobreza, sem mudança efetiva do sistema tributário.
quarta-feira, 19 de junho de 2024
Atualizado às 08:27
A EC 132/23 que aprovou a reforma tributária parcial, centrada nos tributos sobre o consumo (IPI, contribuições sociais do PIS/Cofins, ICMS e ISS), nada tem de reforma do sistema tributário vigente.
Trata-se de projeto de poder para perpetuação no poder dos atuais integrantes da oligarquia que tomou de assalto o aparelhamento do Estado.
Essa oligarquia, composta de membros de poder e burocratas que habitam o andar de cima da sociedade brasileira e escraviza o resto da sociedade que habita o andar de baixo, transformando seus membros em meros objetos de direito, identificados com o carimbo de CPF nas costas, destinados a produzir riquezas que são avidamente consumidas pelos oligarcas que habitam o andar de cima e vivem como nababos, enquanto 30 milhões, dentre os que habitam o andar de baixo, não têm o mínimo do mínimo indispensável para viverem com dignidade, segundo a proclamação do poético art. 170 da Constituição Cidadã.
Os que habitam o andar de baixo só adquirem a cidadania voltando a ser sujeitos de direitos nas vésperas eleitorais para cumprirem o sagrado dever de eleger, por meio de voto de cabresto, os mesmos oligarcas aboletados no poder.
Se no passado remoto o voto de cabresto era representado pelo coronelismo, hoje, ele é representado pela multidão de miseráveis cuidadosa e pacientemente cultivados pelo oligarcas que os alimentam com o dinheiro tomado da população em geral. Nada mudou!
A EC 132/23 representou o embrião do inferno fiscal que foi crescendo com o passar do tempo. Ela contém 23 artigos e nada menos que 491 normas constitucionais.
O PLP 68/24, que institui o IBS, a CBS e o IS, decuplicou o inferno fiscal por meio de 499 artigos e 5.000 normas.
Agora veio a grande pérola da reforma tributária, o projeto legislativo 61/24, que institui o Comitê Gestor, espécie de leão com cabeça de avestruz, e incursiona na área do CTN editando 197 artigos e despejando cerca de 2.000 normas para aperfeiçoar o inferno fiscal somando, até agora, cerca de 7.500 normas para regular o novo imposto copiado do IVA europeu. Esse último projeto não acertou sequer na numeração do projeto legislativo que retrocedeu para o 61/24.
Copiar, por si só, não é um mal, afinal no mundo nada se cria, tudo se copia. O que não entra na cabeça do cidadão comum é que os copistas não tiveram o mínimo de inteligência para, no momento de lucidez, fazer a adaptação daquele IVA importado para a realidade da Federação Brasileira. Era só instituir um IBS para cada ente político componente da Federação como cansamos de preconizar. Os estados só precisariam mudar o ICMS para IBS e os município mudar o ISS para IBS. Nada mais. A figura mitológica do Comitê Gestor que devora mais da metade da arrecadação do novo imposto seria dispensável. Esse Comitê Gestor compõe-se de centenas de órgãos se ser viços espalhados pelo território nacional, desde Secretaria Geral, Diretoria Executiva, Corregedoria Geral que se subdividem em departamentos, divisões e seções. É presido por um Presidente de notório conhecimento em finanças públicas.
Esse Comitê Gestor inventado para alimentar os milhares de integrantes da oligarquia, abocanha 60% do IBS a ser arrecadado em 2026; 50% do imposto a ser arrecadado nos exercícios de 2027 a 2028; e 2% do IBS a ser arrecadado em 2029 para cumprir a sua missão de destruir a autonomia dos estados e dos municípios e ao mesmo tempo infernizar a vida do contribuinte que, até agora, apesar das 7.500 normas editadas, não sabe ao certo em que hipóteses deve-se pagar o IBS, porque os burocratas não souberam definir com precisão o fato gerador desse imposto.
Vejam os arts. 5º e 6º do PLP 68/24 que versam sobre a matéria que deixam em aberto as hipóteses de incidência tributária. É simplesmente espantosa a burrice que norteou a ação desses burocratas que vivem de "sombra e água fresca" e fazem estragos nas horas vagas.
Como costuma dizer o meu amigo tributarista, o IBS é um "i" de imbecil.
Falta mais uma regulamentação da EC 132/23 para o Satanás completar a sua obra para extorquir o dinheiro do contribuinte na base da confusão.
Temos um imposto único no mundo, onde três entidades políticas e um órgão federal se revezam na instituição e cobrança do IBS: a União institui o imposto, mas não pode instituir alíquotas, nem fiscalizar e arrecadar; os estados e municípios criam as alíquotas e fiscalizam, mas não podem arrecadar, nem julgar os processos administrativos tributários resultantes de autos de infração lavrados; finalmente o Comitê Gestor promove a arrecadação, a partilha do produto arrecadado e julga os processos administrativos oriundos de autos de infração lavrados por estados e municípios.
Há uma sucessão contínua de entes políticos e órgão federal se revezando no curso das etapas de instituição, fiscalização e arrecadação. Os burocratas, com toda certeza, se inspiraram no revezamento da tocha olímpica! É a única explicação plausível.
Esse Comitê Gestor é um órgão camaleão. Quando no exercício da representação extrajudicial tem na sua composição os integrantes da administração tributária dos estados e dos municípios. Quando no exercício da representação judicial conta com os integrantes da procuradoria fiscal dos estados e municípios.
O Comitê Gestor arrecada pela soma das alíquotas dos estados e dos municípios, porém cinde o processo administrativo tributário em processo estadual e processo municipal com composições diferentes como retromencionado.
Ante tamanha violação da ordem constitucional não se sabe porque a OAB se mantém silente até agora. Está de olho no quinto constitucional considerando que o STJ deverá sofrer ampliação em função desse IBS tresloucado? Não sabemos.
Admirável a paciência e tolerância do pacato povo brasileiro que aceita passivamente o entulho autoritário dos formuladores da reforma tributária que, até hoje, não se dignaram em ouvir os especialistas e as pessoas ligadas ao mundo acadêmico, todos eles alijados da discussão travada intramuros.
Kiyoshi Harada
Sócio do escritório Harada Advogados Associados. Especialista em Direito Tributário pela USP. Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário - IBEDAFT.