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Litispendência entre ação anulatória e impugnação de cumprimento de sentença arbitral

A 3ª Turma do STJ decidiu pela possibilidade de litispendência entre ação anulatória e impugnação de cumprimento de sentença arbitral, reconhecendo equivalência funcional entre os dois meios de impugnação e permitindo a manifestação judicial sobre a validade da sentença arbitral na impugnação.

quarta-feira, 19 de junho de 2024

Atualizado às 10:10

Em 6/2/24, a 3a Turma do STJ analisou a possibilidade de configuração de litispendência entre ação anulatória e impugnação de cumprimento de sentença arbitral. O caso, relatado pela ministra Nancy Andrighi, foi decidido por unanimidade, tendo acompanhado o voto da relatora os srs. ministros Humberto Martins, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro.

A USR - Unitrac Sistema de Rastreamento Ltda. e outros ajuizaram uma ação declaratória de nulidade de sentença arbitral contra a Investhor Consultoria Ltda., alegando violação dos princípios da ampla defesa e do contraditório, aduzindo, ainda, que não haviam sido notificados sobre a instauração do procedimento arbitral. Paralelamente, na mesma data, com a diferença de poucos minutos, apresentaram impugnação ao cumprimento da mesma sentença arbitral, repetindo as mesmas alegações.

Quando o juízo de primeiro grau analisou a questão, acolheu a preliminar de litispendência suscitada, extinguindo a ação anulatória, sem resolução de mérito. Irresignada, a USR Unitrac recorreu daquela decisão e, em grau de apelação, o relator, julgando monocraticamente a questão, deu provimento à apelação "para anular a sentença de primeiro grau e afastar a litispendência reconhecida". A contraparte interpôs agravo interno.

O TJ/RJ manteve a posição do relator, concluindo pela inexistência de litispendência entre os dois procedimentos1, lastreado no argumento de que a impugnação ao cumprimento de sentença arbitral não constitui uma ação de conhecimento, mas mero um meio de defesa, exceção limitada às matérias do art. 525, parágrafo 1º, do CPC.

Em sede de REsp, a Investhor se valeu de dois argumentos principais para tentar reverter a decisão colegiada de segundo grau:

  1. A USR Unitrac não pode utilizar ambos os procedimentos (ação anulatória e impugnação ao cumprimento de sentença) para obter o mesmo provimento jurisdicional, qual seja, o reconhecimento da nulidade da sentença arbitral, sendo necessário haver escolha entre um meio ou outro;
  2. Ambos os procedimentos apresentam o mesmo escopo, não havendo sentido em aceitar a propositura de ambos, tornando o reconhecimento da litispendência necessário - em face da repetição da ação em curso - com a consequente extinção da ação mais recente.

Assim, no aresto sob estudo o STJ decidiu três questões fundamentais e que servirão de valioso guia para a compreensão dos meios de impugnação à sentença arbitral:

  1. A existência de equivalência funcional entre a ação anulatória e a impugnação ao cumprimento de sentença arbitral;
  2. O escopo da cognição judicial no contexto da impugnação ao cumprimento de sentença arbitral
  3. A possibilidade de configurar litispendência entre ambos os processos.

Em relação à equivalência funcional entre a ação anulatória e a impugnação ao cumprimento de sentença arbitral entendeu o STJ que é possível, através de ambos os remédios, obter como provimento jurisdicional a decretação da nulidade da sentença arbitral (art. 33, § 3º, da lei 9.307/96). Em tal hipótese, a impugnação deixa de atacar somente a execução, pois o Poder Judiciário poderá, através dela, também se manifestar sobre a validade da sentença arbitral em si. Assim, é possível haver casos de sobreposição entre ambos os meios de impugnação de sentença arbitral.

Perceba-se uma significativa diferença entre os dois institutos. Enquanto a ação anulatória tem por finalidade atingir, no todo ou em parte, a sentença arbitral, em sua essência, a impugnação mira desconstituir apenas alguns dos seus efeitos, também no todo ou em parte.

Acerca do escopo da cognição judicial no contexto da impugnação ao cumprimento de sentença arbitral, por um lado, este apresenta um escopo mais limitado do que uma ação de conhecimento. No entanto, é importante haver especial desapego em relação ao dogma da separação entre as fases de cognição e de execução, admitindo espaço de conhecimento mais amplo em sede de impugnação de execução de sentença arbitral do que aquele que é tipicamente concedido no contexto de impugnação de outros títulos executivos judiciais.

A peculiaridade da arbitragem de permitir, como regra geral, somente o controle ex post pelo Poder Judiciário demanda maior flexibilidade na interpretação das regras do CPC. Igualmente, é necessário ter em conta que as hipóteses de cabimento são distintas. Por um lado, o art. 32 da lei de arbitragem regulamenta, em numerus clausus, as hipóteses de cabimento de ação anulatória. Dentre essas, não está a inexequibilidade do título, a inexigibilidade da obrigação ou discussões sobre o valor executado, hipóteses típicas de cabimento de impugnação ao cumprimento de sentença arbitral.

Não há, portanto, equivalência estrutural em relação às fattispecies de cabimento de ambos os meios de impugnação à decisão arbitral. O que não é contraditório com a possibilidade de, em certos casos, restar configurada a equivalência funcional entre tais instrumentos de controle - especialmente quando os fatos que ensejam a ação anulatória também preencham o suporte fático das hipóteses de impugnação arroladas no art. 525 do CPC.2 A lei de arbitragem é inequívoca ao atribuir o efeito nulificante à impugnação de cumprimento de sentença arbitral somente nos casos em que estiverem também caracterizadas as hipóteses do art. 32 da lei de arbitragem (lei de arbitragem, art. 33, §2º).3

Registre-se, pois, que nem sempre haverá redundância - rectius, litispendência - cuja configuração depende - necessariamente - da formulação de pedido nulificante acerca da decisão proferida pelos árbitros4 e de haver equivalência funcional entre os meios de controle utilizados. Em outros casos, como já se afirmou, como na impugnação lastreada na ilegitimidade da parte ou em excesso de execução, será plenamente possível a convivência com ação anulatória que tramitar em paralelo.

Por fim, ao tratar da questão da possibilidade de configuração de litispendência, apontou a min. Nancy Andrighi haver divergência doutrinária. De um lado, há a corrente que considera que a impugnação, por estar restrita à execução (e não ao título subjacente), não se confunde com a ação anulatória. Em tais casos, o mecanismo cabível seria a reunião para julgamento conjunto, se a ação anulatória precedesse a impugnação, pois, se fosse ajuizada depois, deveria ser extinta por falta de interesse processual.5

De outro lado, a segunda corrente exposta pela min. Nancy Andrighi entende que a continência estará configurada se o objeto de uma ação for mais abrangente do que o da outra6, e que a litispendência será caracterizada se verificada a tríplice identidade (partes, causa de pedir e pedido).7 Foi este o entendimento que ao qual o STJ se filiou, ao decidir a questão, como restou claro do voto da eminente relatora: "Há litispendência entre a ação declaratória de nulidade de sentença arbitral e a impugnação ao cumprimento de sentença arbitral entre as mesmas partes, se nesta tiver sido formulado o mesmo pedido de nulidade, sob a mesma causa de pedir. Nessa hipótese, aquela que tiver sido instaurada por último será extinta sem resolução de mérito, ao menos na parte idêntica, na forma do art. 485, V, do CPC".

Importa destacar que a litispendência apenas não se configura se a impugnação trouxesse outros elementos, não presentes na ação anulatória.8 Porém, se configurada, o remédio processual cabível será a extinção sem resolução de mérito do segundo processo, ao menos na parte idêntica ao primeiro já instaurado , nos termos do art. 485, V, do CPC.

Em síntese, o julgado entendeu - corretamente - que é possível haver litispendência entre a ação anulatória e impugnação ao cumprimento de sentença arbitral, quando configurada a tríplice identidade que caracteriza a igualdade entre dois processos que tramitam de modo formalmente distinto.

Em todo caso, ressalvou-se a possibilidade de haver tramitação simultânea, especialmente nos casos em que a impugnação ao cumprimento de sentença arbitral não tem efeito nulificante sobre a decisão dos árbitros. Trata-se de exceção de primordial importância, dadas as diferentes fattispecies que autorizam cada um desses remédios processuais, bem como do caráter mais amplo das hipóteses de cabimento da impugnação ao cumprimento de sentença arbitral. Assim, permite-se que, em tais casos, haja convivência harmônica entre a tramitação de ambos os meios de impugnação à sentença arbitral.

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1 A decisão do TJRJ conta com a seguinte ementa: "Agravo interno na apelação cível. Ação de nulidade de sentença arbitral. Extinção do processo com base no artigo 485, V do CPC, diante do oferecimento de impugnação ao cumprimento da sentença arbitral (artigo 515, VII do CPC). Decisão monocrática que deu provimento ao recurso autoral, para anular a sentença de primeiro grau e afastar a litispendência reconhecida. Agravo interno interposto pela parte ré, pugnando pela reconsideração da decisão agravada Pleito recursal que não merece prosperar. Litispendência não caracterizada. Aplicação do disposto nos §§1º, 2º e3º do artigo 337 do CPC. Há litispendência quando a ação posterior é idêntica à que está em curso, ou seja, quando ambas possuírem as mesmas partes, o mesmo objeto e a mesma causa de pedir. Impugnação que não se apresenta como nova ação de conhecimento, tratando-se de mero meio de defesa, cujos pontos possíveis de serem abordados restringem-se ao disposto no §1º do artigo 525 do CPC (correspondente ao artigo 475-L do CPC/73). Recorrente que não traz argumentos suficientes para alterar a decisão agravada. Improvimento do agravo interno."

2 Destacou a eminente relatora: "Assim, a impugnação ao cumprimento de sentença arbitral não se restringe às matérias previstas no art. 525, § 1o, do CPC, podendo nela ser requerida a declaração de nulidade do título arbitral, por expressa autorização legal, sendo, por consequência, possível que o mesmo pedido, sob a mesma causa de pedir, seja formulado tanto na ação autônoma quanto na impugnação."

3 Lei de Arbitragem, art. 33 § 2o:: "A sentença que julgar procedente o pedido declarará a nulidade da sentença arbitral, nos casos do art. 32, e determinará, se for o caso, que o árbitro ou o tribunal profira nova sentença arbitral". 

4 Destacou a Ministra Nancy Andrighi no inteiro teor: "É fundamental ressaltar que, nessa específica hipótese, ambos os instrumentos terão exatamente o mesmo efeito de, em eventual procedência, obter decisão judicial de mérito declarando a nulidade da sentença arbitral, produzindo coisa julgada material quanto a essa questão" [...] Registra-se que o fato de a impugnação não consistir em uma ação de conhecimento propriamente dita não impede, por si só, a ocorrência de litispendência, pois basta que seja um meio processual apto a obter idêntico resultado ao outro processo já instaurado.

5 Nesse sentido: FIGUEIRA JR., Joel Dias. "Ação anulatória" (desconstitutiva) de sentença arbitral. In: MARINONI, Luiz Guilherme; et al. [coords.]. Arbitragem e direito processual. 1. ed. São Paulo: RT, 2021, p. RB-23.6; SCAVONE JR., Luiz Antonio. Manual de arbitragem, mediação e conciliação. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 246; SILVA FILHO, Euclides de Almeida; FERREIRA, Daniel Brantes. Ação anulatória de sentença arbitral. RBADR, a. 2, n. 3, p. 195-215, jan./jun. 2020, p. 200-201.

6 CAHALI, Francisco José. Curso de arbitragem. 8. ed. São Paulo: RT, 2022, p. RB-12.7.

7 CORRÊA NETO, Oscavo Cordeiro. A relação entre a execução da sentença arbitral, os embargos ou impugnação e a ação de anulação de sentença arbitral. RIASP, v. 12, n. 23, jan./jun. 2009, p. 264 e 267.

8 YARSHELL,  Flávio  Luiz.  In:  LEVY,  Daniel;  et  al.  [cords.].  Curso  de arbitragem. 2. ed. São Paulo: RT, 2021, p. RB-12.4.

José Antonio Fichtner

VIP José Antonio Fichtner

José Antonio Fichtner se destaca como advogado, escritor, mediador, árbitro e professor, sendo reconhecido e listado nas principais instituições jurídicas arbitrais brasileiras.

Rodrigo Salton

Rodrigo Salton

Bacharel em direito pela UFRGS. Especialização em Direito Civil e Processo Civil na FMP. LLM em Advocacia Corporativa na FMP. Advogado. Sócio de Fichtner Advogados.

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