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Testamento: O fideicomisso como instrumento de planejamento sucessório

O fideicomisso é um encargo testamentário em que um fiduciário administra bens para transferi-los a um beneficiário segundo condições estabelecidas pelo testador.

sexta-feira, 14 de junho de 2024

Atualizado às 07:41

O fideicomisso pode ser definido como um encargo imposto a uma pessoa (fiduciário), a quem se transmite um patrimônio, para que, após certo tempo ou condição, o transfira a outra pessoa (fideicomissário). É uma disposição presente no testamento, atribuindo a obrigação ao fiduciário de preservar e transferir esses bens após o advento da morte do testador, de forma a observar a vontade do falecido.

O fideicomisso envolve três partes principais:

  • Fideicomitente (testador): É a pessoa que institui o fideicomisso, transferindo os bens ao fiduciário com a obrigação de que este os repasse ao fideicomissário em determinado momento ou sob certas condições. O fideicomitente é quem define as regras e os termos do fideicomisso.
  • Fiduciário (herdeiro fiduciário): É a pessoa que recebe o legado do fideicomitente, mas de forma restrita e resolúvel, com a incumbência de administrá-los e, eventualmente, transferi-los ao fideicomissário. O fiduciário tem a posse dos bens, mas sua propriedade é limitada nos termos impostos pelo fideicomitente.
  • Fideicomissário (beneficiário): É a pessoa que receberá os bens, após o transcurso de determinado prazo ou cumprimento das condições estabelecidas pelo fideicomitente. O fideicomissário é o beneficiário final do fideicomisso, podendo exercer seus direitos de propriedade sobre os bens ao término do encargo fiduciário.

O fideicomisso pode ter como objeto bens móveis (ex: dinheiro, ações, joias, veículos), imóveis (terrenos, imóveis residenciais ou comerciais, propriedades rurais) e direitos e obrigações.

Os termos estabelecidos pelo fideicomitente definem como será a execução do fideicomisso, determinando quando e sob quais circunstâncias o fiduciário deverá transferir os bens ao fideicomissário. Essas diretrizes podem incluir: (1) condições suspensivas, descrevendo situações que devem ocorrer para que o fideicomissário possa receber os bens (por exemplo, alcançar uma certa idade) e (2) condições resolutivas, delineando eventos que extinguem o direito do fiduciário sobre os bens e ativam a transferência ao fideicomissário.

Por outro lado, a legislação brasileira impõe limites às regras estipuladas pelo testador, para evitar situações que violem princípios legais e éticos, sendo vedadas: condições impossíveis (ex: exigência que o fideicomissário realize uma tarefa impossível de cumprir, como voar sem auxílio mecânico); condições ilícitas (ex: cometer um crime ou participar de atividades fraudulentas),  condições de restrições abusivas (ex: condições que restringem a liberdade pessoal do fideicomissário, como "nunca se casar" ou "não ter filhos") e condições discriminatórias, que impliquem discriminação baseada em raça, cor, sexo, nacionalidade, orientação sexual, religião.

Quanto à formalização do fideicomisso, ele deve ser feito através de testamento, o qual deve conter os requisitos formais para sua validade, incluindo a presença de testemunhas e assinatura do testador, sendo recomendável ainda que o testamento seja lavrado por escritura pública, para maior segurança jurídica.

Ademais, o testamento deve ser redigido de forma clara, indicando o fiduciário e o fideicomissário, especificando os bens a serem incluídos e definindo as condições e termos do fideicomisso.

As aplicações práticas do fideicomisso são diversas, abrangendo desde a proteção de herdeiros vulneráveis até a gestão de ativos empresariais. A seguir, exploramos algumas das principais aplicações práticas do fideicomisso e fornecemos exemplos que ilustram sua utilização em diferentes contextos.

1. Proteção de herdeiros menores ou incapazes

O fideicomisso pode ser utilizado para proteger herdeiros menores de idade ou incapazes, garantindo que recebam e administrem os bens herdados somente quando atingirem a maioridade ou condição especificada pelo fideicomitente.

Esta questão é bastante relevante em casais divorciados, quando o cônjuge não deseja que os bens por ele deixados aos seus herdeiros e previstos no testamento sejam administrados e usufruídos pelo outro cônjuge, caso os filhos sejam menores.

Exemplo:

Um pai preocupado com a proteção financeira de seus filhos menores estabelece um fideicomisso em seu testamento. Na situação hipotética, o pai não gostaria que os bens legados a seus filhos fossem administrados por sua ex-esposa, por ele considerada irresponsável financeiramente, incapaz de gerir os bens de forma adequada para os filhos. Nestas circunstâncias, ele nomeia seu irmão como fiduciário e estipula que os bens serão transferidos aos filhos quando eles se tornarem maiores e capazes. Durante esse período, o fiduciário (e não a mãe, ex-cônjuge) administra os bens em benefício dos filhos do testador, utilizando os recursos para despesas educacionais e médicas. Desta forma, ele protege o patrimônio dos filhos até que eles atinjam a maioridade e possam gerir e administrar os aludidos bens.

2. Proteção de direitos de Propriedade Intelectual

O fideicomisso também pode ser utilizado para a sucessão de direitos de propriedade intelectual, direitos autorais e marcas, garantindo que esses direitos sejam geridos e explorados de maneira adequada após a morte do criador.

Exemplo:

Um autor de renome, que possui uma vasta obra literária, deseja garantir que seus direitos autorais sejam geridos de forma eficaz após sua morte e que os rendimentos gerados por suas obras sejam utilizados em benefício de seus herdeiros.

O autor cria um fideicomisso em seu testamento, nomeando um fiduciário especializado em gestão de direitos autorais. O fideicomisso é estabelecido para administrar os direitos autorais sobre suas obras literárias.

O fiduciário é responsável por gerenciar os direitos autorais, incluindo a renovação de registros, a negociação de contratos de licenciamento e a cobrança de royalties - questões que possivelmente não seriam bem geridas por seus herdeiros. Os rendimentos gerados pelos direitos autorais são acumulados no fideicomisso e distribuídos aos herdeiros em conformidade com as condições estabelecidas pelo autor, como pagamento mensal ou anual para despesas educacionais ou de saúde.

Conclusão:

O fideicomisso pode ser uma ferramenta poderosa e versátil para o planejamento sucessório, abrangendo bens móveis, imóveis e até mesmo a proteção de bens imateriais e direitos de propriedade intelectual. Ao permitir uma administração especializada e contínua desses direitos, o fideicomisso assegura que o patrimônio intelectual do fideicomitente seja protegido e explorado de maneira eficiente, beneficiando os herdeiros conforme as condições estabelecidas.

O fideicomisso pode ser adaptado para diferentes demandas específicas, oferecendo flexibilidade e segurança jurídica.

Ricardo Gorgulho

Ricardo Gorgulho

Pós-graduado em Direito de Empresa pelo Instituto de Educação Continuada (IEC/ PUC Minas). Graduado em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Sócio do escritório Moura Tavares Advogados. Membro do IBDFAM.

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