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Justiça climática e políticas públicas: Impactos e respostas no semiárido brasileiro

Mudanças climáticas agravam desigualdades, afetando grupos vulneráveis com falta de moradia, alimentos e água, exigindo políticas inclusivas.

quinta-feira, 13 de junho de 2024

Atualizado às 10:50

1. INTRODUÇÃO

As mudanças climáticas estão exacerbando desigualdades sociais ao impactar de forma desproporcional as populações vulneráveis, como os mais pobres, idosos, crianças, pessoas com deficiências ou doenças crônicas, e comunidades marginalizadas. Essas populações, por sua limitada capacidade de adaptação e menor acesso a serviços essenciais, enfrentam dificuldades adicionais como a falta de moradias seguras, escassez de alimentos e água, e acesso restrito a cuidados de saúde.

O semiárido brasileiro, frequentemente afetado por secas prolongadas, exemplifica como esses eventos climáticos intensificam a vulnerabilidade social. As secas reduzem a disponibilidade de água e alimentos, impactando diretamente a segurança alimentar e hídrica das comunidades. Por outro lado, as inundações resultantes de chuvas intensas destroem infraestruturas e forçam o deslocamento de populações, aumentando ainda mais a precariedade das condições de vida.

Responder a esses desafios exige políticas e estratégias que levem em conta a dimensão social das mudanças climáticas. Este texto examina os impactos das secas e inundações nas populações vulneráveis, com um foco particular no semiárido brasileiro. Além disso, avalia as respostas e políticas públicas implementadas por governos e organizações para mitigar esses impactos, buscando entender sua eficácia e explorar áreas para aprimoramento (FREITAS, 2023; SCOTTI; PEREIRA, 2022; ABUD et al., 2023; JACOBI et al., 2024).

2. IMPACTOS DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS NAS POPULAÇÕES EM VULNERABILIDADE

As mudanças climáticas têm impactos significativos nas populações em situação de vulnerabilidade em diversas regiões do mundo (SCOTTI; PEREIRA, 2022). Abaixo estão descritos os impactos das secas e inundações, bem como suas consequências sociais, econômicas e de saúde.

2.1. Secas

As secas prolongadas são caracterizadas pela falta de precipitação por períodos estendidos, o que resulta em escassez de água potável e alimentos, comprometendo diretamente a segurança alimentar e hídrica das comunidades.

Com relação as consequências, destaca-se:

  1. Sociais: A escassez de água pode provocar conflitos por recursos naturais, obrigando populações a se deslocarem em busca de água e alimentos. Comunidades rurais, frequentemente dependentes da agricultura de subsistência, sofrem com a insegurança alimentar e a fragmentação das estruturas sociais, aumentando sua vulnerabilidade (SCOTTI; PEREIRA, 2022).
  2. Econômicas: A redução na produção agrícola devido à falta de água resulta em significativas perdas econômicas para os agricultores. A falta de água afeta as colheitas, reduz a produtividade agrícola, aumenta o desemprego rural e diminui a renda das famílias, aprofundando a pobreza e a desigualdade econômica.
  3. Saúde: A falta de água potável pode levar a problemas de saúde, como desnutrição e doenças transmitidas pela água. Comunidades afetadas por secas enfrentam maior incidência de doenças relacionadas à má nutrição, bem como a disseminação de enfermidades causadas pelo consumo de água contaminada.

2.2. Inundações

As inundações, causadas por chuvas intensas ou pelo transbordamento de corpos d'água, podem destruir infraestruturas, residências e plantações, resultando em significativas perdas materiais e humanas.

Com relação as consequências, destaca-se:

  1. Sociais: As inundações podem deslocar comunidades inteiras, resultando em desalojamento forçado e perda de moradias. A destruição de infraestruturas essenciais, como escolas e hospitais, compromete o acesso a serviços básicos e agrava a situação de vulnerabilidade das populações afetadas. A separação de famílias e a necessidade de realocação temporária podem provocar traumas sociais e psicológicos.
  2. Econômicas: Os danos causados pelas inundações acarretam altos custos de reconstrução, afetando significativamente as economias locais. A destruição de plantações e gado prejudica a agricultura e o comércio, resultando em perda de empregos, redução de receitas locais e impactando negativamente o crescimento econômico das áreas afetadas.
  3. Saúde: As inundações aumentam o risco de doenças transmitidas pela água, como cólera e leptospirose, devido à contaminação das fontes de água potável. Além disso, as águas paradas após inundações podem servir de criadouro para mosquitos, elevando a incidência de doenças como dengue e malária. A falta de saneamento adequado durante e após inundações também contribui para a disseminação de doenças infecciosas (SCOTTI; PEREIRA, 2022).

3. ESTUDO DE CASO

As mudanças climáticas têm exacerbado as desigualdades sociais, especialmente em regiões onde as populações já enfrentam condições socioeconômicas desafiadoras. Este estudo de caso foca no impacto das secas no semiárido brasileiro, ilustrando como eventos climáticos extremos têm agravado a vulnerabilidade social nesta área (FREITAS, 2023).

3.1. Caso: Impacto das secas no semiárido brasileiro

3.1.1. Contexto

O semiárido brasileiro é uma vasta região que cobre grande parte do Nordeste do Brasil, caracterizada por um clima seco com baixa pluviometria e temperaturas elevadas. A região é frequentemente afetada por secas prolongadas que comprometem a disponibilidade de água e a produtividade agrícola. As comunidades locais dependem em grande parte da agricultura de subsistência e da pecuária para sua sobrevivência. A vulnerabilidade socioeconômica destas populações é exacerbada pela escassez de recursos naturais e pela falta de infraestrutura adequada para lidar com as adversidades climáticas.

3.1.2. Instituições envolvidas

A resposta às secas no semiárido brasileiro envolve uma série de instituições. Órgãos Governamentais incluem o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional e a CODEVASF - Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba, que coordenam políticas e projetos de infraestrutura hídrica, como a construção de açudes e sistemas de abastecimento de água.

ONGs são compostos de diversas ONGs atuam na região, implementando programas de capacitação e fornecendo assistência técnica para práticas agrícolas mais resilientes às condições de seca.

BNB - Banco do Nordeste do Brasil e outras agências financeiras oferecem crédito para pequenos agricultores e empreendedores, ajudando na diversificação das atividades econômicas. As próprias comunidades têm desenvolvido estratégias adaptativas, como o uso de cisternas para captação de água da chuva e técnicas de cultivo resistentes à seca.

3.1.3. Consequências sociais observadas

A intensificação das secas devido às mudanças climáticas tem levado a uma série de consequências sociais significativas na região (FREITAS, 2023):

  1. Insegurança alimentar - A escassez de água afeta diretamente a produção agrícola, resultando em colheitas reduzidas. Famílias enfrentam dificuldades para obter alimentos nutritivos em quantidade suficiente, aumentando a prevalência de desnutrição e insegurança alimentar. A perda de colheitas e a morte de gado forçam muitas famílias a depender de programas de assistência social para suprir suas necessidades alimentares básicas.
  2. Êxodo rural - Com a deterioração das condições de vida no campo, muitas famílias abandonam suas terras e migram para áreas urbanas em busca de melhores oportunidades econômicas. Esse movimento migratório aumenta a pressão sobre os serviços públicos e a infraestrutura das cidades, que muitas vezes já estão sobrecarregadas.
  3. Impactos na saúde - A falta de acesso contínuo a água potável e alimentos adequados eleva a incidência de doenças relacionadas à desnutrição e à falta de higiene. Crianças e idosos são particularmente vulneráveis. A escassez de água também contribui para a propagação de doenças infecciosas, agravada pelas condições sanitárias inadequadas.
  4. Perda de meios de subsistência - A degradação do solo e a morte de animais, consequências diretas da seca, comprometem a capacidade das famílias de gerar renda através da agricultura e da pecuária. A falta de alternativas econômicas e a destruição das principais fontes de subsistência mergulham as famílias em um ciclo de pobreza, limitando suas opções de recuperação e adaptação.

Este estudo de caso sobre o semiárido brasileiro evidencia como as mudanças climáticas, ao aumentar a frequência e a intensidade das secas, ampliam as desigualdades sociais. As comunidades mais pobres e marginalizadas são as mais afetadas, enfrentando insegurança alimentar, migração forçada, problemas de saúde e perda de meios de subsistência. A abordagem desses desafios requer políticas e ações integradas que promovam a resiliência das populações vulneráveis, abordem as desigualdades estruturais e incentivem práticas sustentáveis que possam mitigar os efeitos adversos das mudanças climáticas (FREITAS, 2023).

4. RESPOSTAS E POLÍTICAS PÚBLICAS

As mudanças climáticas impõem desafios sem precedentes, especialmente para as populações em situação de vulnerabilidade. Governos e organizações ao redor do mundo têm desenvolvido diversas políticas e estratégias para mitigar esses impactos e promover a adaptação. A eficácia dessas respostas é fundamental para assegurar a proteção e o bem-estar das comunidades mais afetadas, como exemplificado pelas secas no semiárido brasileiro e pelas inundações em diversas regiões. Este capítulo discute como diferentes atores estão respondendo aos desafios climáticos e avalia a eficácia dessas respostas na mitigação dos impactos (ABUD et al., 2023; JACOBI et al., 2024).

Os governos e organizações têm adotado uma série de abordagens para enfrentar os efeitos das mudanças climáticas. Entre as principais medidas estão as políticas de redução de emissões, o incentivo a energias renováveis, a proteção de ecossistemas e a implementação de medidas de adaptação. As políticas de redução de emissões incluem a adesão a acordos internacionais, como o Acordo de Paris, e a implementação de regulamentações que visam diminuir a emissão de gases de efeito estufa. Essas medidas são complementadas por incentivos financeiros e subsídios destinados à promoção de tecnologias de energia renovável, como solar e eólica, que ajudam a reduzir a dependência de combustíveis fósseis e a emissão de CO2 (JACOBI et al., 2024). Por exemplo, a União Europeia tem investido substancialmente em energia limpa e em políticas de eficiência energética, demonstrando como uma abordagem integrada pode gerar resultados positivos em termos de redução de emissões e promoção da sustentabilidade (ABUD et al., 2023).

A proteção de ecossistemas também desempenha um papel crucial na mitigação das mudanças climáticas. Iniciativas de conservação e reflorestamento são essenciais para a manutenção de sumidouros de carbono naturais e para a criação de barreiras contra eventos climáticos extremos. No Brasil, projetos de reflorestamento na Amazônia têm visado recuperar áreas desmatadas, contribuindo para a absorção de CO2 e para a proteção da biodiversidade (ABUD et al., 2023). Essas ações são fundamentais não apenas para a mitigação das mudanças climáticas, mas também para a proteção das comunidades locais que dependem desses ecossistemas para sua subsistência e bem-estar.

As medidas de adaptação são igualmente importantes, especialmente em regiões vulneráveis como o semiárido brasileiro, onde a construção de infraestrutura resiliente e o desenvolvimento de sistemas de alerta precoce têm demonstrado eficácia em reduzir os impactos das secas e inundações. A construção de cisternas para a captação de água da chuva, por exemplo, tem sido uma solução eficaz para garantir o abastecimento de água durante os períodos de seca, permitindo que as comunidades locais mantenham sua segurança hídrica e alimentar mesmo em condições adversas (FREITAS, 2023). Essas medidas de adaptação são particularmente eficazes quando desenvolvidas em parceria com as comunidades afetadas, garantindo que as soluções sejam adequadas às suas necessidades e contextos específicos (SCOTTI; PEREIRA, 2022).

Apesar dos avanços, a eficácia dessas respostas varia consideravelmente. A implementação de políticas de redução de emissões, por exemplo, tem mostrado resultados positivos, mas sua eficácia depende da continuidade e escalabilidade das ações. Metas de redução são mais efetivas quando combinadas com incentivos à inovação tecnológica e com a participação ativa das comunidades. Da mesma forma, os investimentos em energias renováveis têm contribuído para a redução das emissões, mas a adoção dessas tecnologias ainda é desigual entre diferentes países e regiões, muitas vezes limitada por questões econômicas e políticas (JACOBI et al., 2024).

A proteção de ecossistemas, enquanto eficaz em criar barreiras naturais contra eventos extremos e promover a biodiversidade, enfrenta desafios relacionados à fiscalização e ao apoio contínuo. Projetos de conservação têm maior impacto quando integrados a políticas de desenvolvimento sustentável que beneficiam diretamente as comunidades locais, como mostrado pelas iniciativas de reflorestamento na Amazônia (ABUD et al., 2023).

A avaliação contínua da eficácia das políticas públicas é essencial para garantir que as respostas às mudanças climáticas realmente protejam as populações vulneráveis. O monitoramento rigoroso das políticas adotadas permite identificar falhas e ajustar as estratégias conforme necessário, promovendo uma melhoria contínua. Envolver as comunidades no processo de avaliação assegura que as soluções sejam responsivas às necessidades locais e contribui para a equidade e inclusão social. Políticas que são adaptáveis e flexíveis têm maior probabilidade de sucesso a longo prazo, ajustando-se às mudanças nas condições climáticas e socioeconômicas (JACOBI et al., 2024).

As respostas às mudanças climáticas têm demonstrado potencial para mitigar os impactos nas populações vulneráveis, mas sua eficácia depende de uma implementação integrada e de uma avaliação contínua. As políticas de redução de emissões, promoção de energias renováveis, proteção de ecossistemas e medidas de adaptação, quando bem executadas, podem contribuir significativamente para a resiliência das comunidades. No entanto, é crucial que essas políticas sejam continuamente monitoradas e ajustadas para assegurar que beneficiem efetivamente aqueles que são mais afetados pelas mudanças climáticas, promovendo justiça climática e um futuro mais sustentável para todos (ABUD et al., 2023; JACOBI et al., 2024; FREITAS, 2023).

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho analisou como as mudanças climáticas exacerbam as desigualdades sociais, focando nas consequências das secas e inundações no semiárido brasileiro. Observou-se que as secas prolongadas reduzem drasticamente a disponibilidade de água e alimentos, comprometendo a segurança hídrica e alimentar das comunidades locais. Por outro lado, as inundações causam destruição de infraestruturas, deslocamento forçado de populações e agravam problemas de saúde. Esses eventos climáticos intensificam a vulnerabilidade das populações mais pobres e marginalizadas, que possuem recursos limitados para se adaptar e responder eficazmente às adversidades.

A resposta a esses desafios por meio de políticas públicas e estratégias de mitigação foi avaliada, revelando que, embora existam esforços para promover a resiliência climática, a eficácia dessas ações varia. Investimentos em energias renováveis, proteção de ecossistemas e desenvolvimento de infraestrutura resiliente são passos importantes, mas sua implementação precisa ser reforçada por monitoramento contínuo e maior engajamento das comunidades afetadas. A participação ativa das populações vulneráveis na elaboração e avaliação dessas políticas é crucial para garantir que as medidas adotadas sejam realmente eficazes e adequadas às suas necessidades específicas.

Para o futuro, é essencial que políticas públicas e ações comunitárias evoluam para incorporar uma abordagem mais holística e inclusiva. As políticas devem ser adaptáveis e baseadas em avaliações contínuas das condições locais, promovendo práticas sustentáveis e equitativas que aumentem a resiliência das comunidades frente aos desafios climáticos. A promoção da justiça climática deve estar no centro das estratégias de mitigação, garantindo que as soluções beneficiem diretamente as populações mais vulneráveis, e contribuam para um desenvolvimento sustentável e justo.

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ABUD, Carol de O.; SOUZA, Luciano P.; GORISCH, Patricia C.V.S. Mudança climática: uma crise previsível. UNISANTA Law and Social Science, Vol. 12, N.1 (2023) - ISSN 2317-1308. P.191-209. Disponível em: https://periodicos.unisanta.br/index.php/lss/article/view/3550/2374. Acesso em: 11 jun. 2024.

FREITAS, Carlos M. Desastres e icebergs: precisamos ir além. Cadernos de Saúde Pública, 2023, 39(4)): e00052523. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csp/a/49FV6WpmBkpCbmVTSXKTYGv/. Acesso em: 11 jun. 2024.

JACOBI, Pedro Roberto; ARRUDA FILHO, MarcosTavares de; PIERRO, Bruno de. Ambiente e Sociedade em Tempos de Emergência Climática: Do Resgate Histórico ao Momento Atual. Fronteira: Journal of Social, Technological and Environmental Science, [S. l.], v. 11, n. 3, p. 35-46, 2022. DOI: 10.21664/2238-8869.2022v11i3.p35-46. Disponível em: https://revistas.unievangelica.edu.br/index.php/fronteiras/article/view/6518. Acesso em: 11 jun. 2024.

SCOTTI, Guilherme; PEREIRA, Diego. Injustiça Climática: A desigualdade social como violação à garantia de direitos. RDP, Brasília, Volume 19, n. 104, out/dez.2022, ISSN: 2236-1766, Disponível em: https://www.portaldeperiodicos.idp.edu.br/direitopublico/article/download/6728/2899/23294. Acesso em: 11 jun. 2024.

Thiago Ferrarezi

VIP Thiago Ferrarezi

Advogado, Engenheiro, Contador e Administrador Público. Especialista em Direito do Estado pela UFRGS. Mestre em Administração Pública pela FGV. Doutorando em Inteligência Artificial na PUC-SP.

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