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Asilo diplomático de volta às instâncias internacionais

Paula Wojcikiewicz Almeida e Lucas Vollers

Corte Internacional de Justiça (CIJ) rejeita pedido do México por medidas provisórias contra o Equador, evidenciando aumento na busca por cautelares em litígios internacionais.

quinta-feira, 13 de junho de 2024

Atualizado em 14 de junho de 2024 10:58

Recentemente, a CIJ - Corte Internacional de Justiça rejeitou, por unanimidade, o pedido do México para aplicação de medidas provisórias contra o Equador pela invasão da embaixada mexicana em Quito. A Corte concluiu que o México não comprovou que o Equador havia lesado seus direitos de forma irreversível ou que a circunstância exigia a aplicação urgente de medidas cautelares.

A decisão reforça a crescente procura por medidas provisórias nos últimos anos. Entre 2023 e a presente data, o número de solicitações supera a soma dos cinco anos anteriores, evidenciando o renovado interesse dos Estados por este instrumento processual cautelar.

O caso representa o último capítulo da escalada de tensões entre os países latino-americanos. O imbróglio iniciou quando o presidente mexicano, López Obrador, argumentou que o assassinato do candidato presidencial equatoriano Fernando Villavicencio, ocorrido dias antes do primeiro turno eleitoral em 2023, teria influenciado a votação final, vencidas por Daniel Noboa.

A detenção de Jorge Glas, ex-vice-presidente do Equador, em 5/4 na embaixada mexicana em Quito, acirrou a crise política entre os países, apesar de tentativas de conciliação diplomática. Condenado por corrupção e em liberdade provisória, Glas buscava asilo na embaixada mexicana temendo novas medidas por parte das autoridades equatorianas. Essa ação gerou forte reação do México, que, considerando-a violação flagrante de sua soberania, rompeu relações diplomáticas com o Equador e iniciou procedimento contencioso na CIJ dias depois.

Em sede cautelar, o México requereu que o Equador tomasse medidas "apropriadas e imediatas" para garantir a proteção e segurança da embaixada mexicana, incluindo seus arquivos e as residências privadas dos agentes diplomáticos mexicanos. O Estado mexicano também exigiu que o Equador se abstivesse de qualquer ação que possa prejudicar o processo em andamento na CIJ, incluindo a garantia de que não haverá novas medidas contra o México ou seus representantes.

O México, no mérito, solicita à CIJ que reconheça a responsabilidade internacional do Equador por violações à Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, que estabelece os princípios de inviolabilidade e não interferência nas atividades das missões diplomáticas. Além disso, requer a suspensão do Equador como membro da ONU.

Em resposta, o governo do Equador, horas antes do início das audiências públicas do caso na Haia, apresentou sua própria queixa à CIJ, na qual acusa o México de utilizar indevidamente a embaixada mexicana em Quito para abrigar o ex-vice-presidente desde dezembro de 2023. Com base na mesma Convenção de Viena, o Estado equatoriano argumenta que houve violação ao princípio da não interferência em assuntos internos, além de apontar violações às Convenções sobre Asilo Diplomático de 1954 ("Convenção de Caracas") e sobre Asilo Político de 1933, e à Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção.

Os casos demonstram que o tema do asilo diplomático, caro ao contexto latino-americano, retorna às instâncias internacionais. Marcada por turbulenta trajetória política, a região encontrou no asilo diplomático instrumento importante para proteger indivíduos vítimas de perseguição política, uma tendência dos regimes autoritários do século XX.

O instituto do asilo diplomático foi analisado pela CIJ ao julgar os casos Asilo e Haya de la Torre, respectivamente, em 1950 e 1951. No centro do debate estava a prerrogativa da Colômbia, na qualidade de Estado concedente do asilo, em determinar unilateralmente a natureza do crime cometido por Victor Raúl Haya de la Torre, líder político equatoriano. A questão cingia-se a avaliar se o crime em questão era de cunho político, garantindo-lhe o direito ao asilo, ou se se configurava como crime comum, o que o excluiria dessa proteção. A CIJ decidiu por unanimidade que a Colômbia, como Estado concedente, não era competente para qualificar a infração por meio de uma decisão unilateral e definitiva, vinculante ao Peru. Além disso, a Corte não reconheceu a existência de um costume regional nesse sentido, já que o Peru a ele se opunha.

O resgate do caso Asilo na disputa atual entre México e Equador, à primeira vista adequado, pode-se revelar problemático. Afinal, a Convenção de Caracas de 1954 - da qual ambos são parte - estabeleceu, em seu art. 4º, o direito de qualificação do delito pelo Estado asilante. Em seu procedimento, o Equador se absteve de citar o dispositivo, limitando-se a afirmar que o ex-vice-presidente nunca fora objeto de perseguição política. A postura equatoriana destoa, ademais, da decisão de conceder asilo a Julian Assange por sete anos na embaixada equatoriana em Londres, ainda que adotada pelo governo anterior.

É de se notar, ainda, a argumentação no sentido de que a concessão de asilo pelo México viola o princípio de não interferência em assuntos internos, em razão da utilização da missão diplomática mexicana para fins supostamente incompatíveis com o exercício de suas funções diplomáticas, conforme dispõe o art. 41 da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas. No entanto, desde o caso Nicarágua, a apuração de eventual violação ao princípio da não intervenção exige que se avalie se o ato em questão - a concessão de asilo - constitui ingerência coercitiva no contexto político-eleitoral equatoriano.

Além disso, a decisão é notável por sua concisão, o que revela tendência preocupante para a atuação da Corte em matéria processual. A Corte, desde sua primeira decisão sobre aplicação de medidas provisórias no caso Anglo-Iranian Oil, de 1951, gradualmente identificou condições cumulativas para o exercício da prerrogativa estabelecida pelo art. 41 do Estatuto da CIJ, quais sejam: (i) existência de jurisdição prima facie; (ii) plausibilidade dos direitos pleiteados; (iii) conexão dos direitos pleiteados com as medidas requeridas; (iv) o risco de dano irreparável; e (v) urgência.

A Corte tem mantido a tradição de abordar a existência de jurisdição prima facie como requisito, mesmo quando, em seguida, venha a negar a concessão de medida cautelar por falta de urgência, como ocorreu no caso Bélgica v. Senegal. E não é só: desde os casos Fisheries Jurisdiction e Nuclear Tests, ambos da década de 1970, a existência de jurisdição prima facie tem sido abordada pela Corte como elemento prejudicial à análise dos demais requisitos para concessão de medida provisória.

Uma das raras exceções à jurisprudence constante da Corte ocorreu no recente caso Nicarágua v. Alemanha. Ao indeferir o pedido cautelar, a Corte se absteve de enfrentar aspectos substantivos relevantes - tais como a jurisdição prima facie -, limitando-se a relatar os fatos e argumentos das partes para concluir que "as circunstâncias não exigiam a aplicação de medidas provisórias" (tradução livre).

A primazia da economia processual parece ter influenciado a Corte ao, novamente, indeferir medida cautelar sem abordar a jurisdição prima facie na ordem de 23/5. Diferentemente do caso Nicarágua v. Alemanha, a Corte amparou-se no caráter vinculante de declarações públicas do Estado equatoriano, dirigidas tanto à Corte quanto ao México, que asseguravam o compromisso equatoriano de respeitar a integridade da missão diplomática mexicana e de seus agentes. Reconhecendo que o ato unilateral cria obrigação jurídica para o Estado emissor, a Corte rapidamente concluiu que não havia urgência na aplicação de medida cautelar.

Embora proferida de forma unânime, a decisão foi acompanhada por cinco declarações apartadas emitidas por juízes que compõem a Corte. Tais pronunciamentos individuais podem indicar pontos de divergência que, se não são suficientes para inaugurar divergência, podem revelar fissuras na posição unânime da Corte. É o que se percebe da declaração do juiz alemão Georg Nolte, que criticou a tendência econômica da Corte. Para Nolte, o aumento de pedidos de medidas cautelares pode justificar maior concisão nas decisões, mas não deve permitir a desconsideração de condições que assumem prioridade lógica e substantiva.

A recepção favorável à decisão da CIJ pelas autoridades mexicanas e equatorianas é digna de nota. O governo equatoriano, por meio de comunicado oficial, se mostrou satisfeito com o resultado, afirmando que a decisão confirma a natureza desnecessária do pedido apresentado pelo México. Já a chancelaria mexicana considerou a decisão da Corte como um "avanço na proteção dos interesses do país". Com essa postura, ambos os governos demonstram confiança na resolução do caso no mérito.

O caso Glas expõe as fragilidades da diplomacia regional e acendem preocupações com a escalada de conflitos entre nações latino-americanas. Para o direito internacional, permanece a questão de saber se a Corte, no mérito, revisitará o instituto do asilo diplomático, a fim de esclarecer aspectos obscuros sobre o estado atual do princípio e sua aplicação nos crescentes pedidos de asilo diplomático.

Paula Wojcikiewicz Almeida

Paula Wojcikiewicz Almeida

Professora da FGV Direito Rio e coordenadora do Centro de Pesquisa em Direito Global (CPDG) e do Centro de Excelência Jean Monnet EU-South-America Global Challenges, co-financiado pela Comissão Europeia. Doutora summa cum laude em Direito Internacional e Europeu pela École de droit de l'Université Paris 1 Panthéon-Sorbonne.

Lucas Vollers

Lucas Vollers

Pesquisador do Centro de Pesquisa em Direito Global (CPDG) da FGV Direito Rio e mestrando em Direito Internacional pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

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