O perfil liberal do STF
O liberalismo clássico influenciou revoluções e defendeu direitos individuais, livre mercado e mínimo intervencionismo estatal. O neoliberalismo, surgido nos anos 70, acentua esses princípios com maior ênfase a partir dos anos 90, com políticas de ajuste fiscal, privatizações e fragilização de direitos sociais.
quarta-feira, 12 de junho de 2024
Atualizado às 10:48
Precursor do neoliberalismo, o liberalismo clássico nasceu na era moderna, em especial nos séculos VII e VIII na Europa, tendo como corifeus Adam Smith ( autor da teoria da mão invisível do mercado) e John Looke, filósofo inglês. Ademais, o liberalismo clássico influenciou as revoluções Gloriosa, na Inglaterra (1688), americana de 1776 e francesa de 1789.
Embora a definição de liberalismo seja inçada de ambiguidades e aporias, podemos afirmar que, em linhas gerais, ele, o liberalismo, advogava, e ainda advoga, a tese fundada nas seguintes características: proteção aos direitos civis e humanos, liberdade individual, democracia, legalidade, livre mercado, mínima intervenção do Estado na economia (estado mínimo, expressão tão utilizada hoje em dia), secularismo, dente outras.
A partir dos anos 70 no mundo, eclode o neoliberalismo, que só veio a viger no Brasil a partir do anos 90 do século passado, principiando com ênfase no governo FHC. Ele significa um incremento e uma piora do liberalismo, contendo as seguintes características, dentre outras: Estado com intervenção mínima na economia e no social; fragilização dos direitos trabalhistas e previdenciários; forte ajuste fiscal, sobretudo nos países em desenvolvimento; câmbio flutuante; privatizações dos bens e serviços públicos, enfraquecimento dos sindicatos etc.
De seu turno, a Constituição de 88, prevê , ao lado da propriedade dos meios de produção e da proteção da livre iniciativa, os deveres de prestações públicas do Estado, tais como saúde, educação, moradia, cultura, lazer, meio ambiente etc, possuindo, por isso mesmo, um caráter social - democrata.
A Constituição, como norma situada no topo do ordenamento jurídico, inspira e conforma a sociedade, as demais normas e a estrutura de poder. Assim, ela modela os órgãos dos poderes constituídos, como o Executivo, legislativo e Judiciário.
Destarte, o STF, poder de cúpula do Judiciário, não poderia se mostrar infenso e alheio a essa realidade. Com efeito, dele promanam decisões, nos controles difuso e concentrado, que asseguram o livre mercado, a propriedade dos meios de produção, as liberdades públicas, os direitos fundamentais e a democracia, aliados aos direitos sociais e econômicos, meio ambiente etc.
Ocorre que, principalmente nas últimas décadas, em meio ao regime neoliberal, o STF tem se mostrado um tanto quanto tibio na proteção dos direitos sociais, embora, em alguma medida, pensamos que mínima, também os proteja.
Dessa forma, o STF considerou constitucional a reforma trabalhista de Temer e Bolsonaro na sequência, que tanto debilitou os direitos dos trabalhadores no Brasil. De igual forma, aconteceu com a reforma da previdência, que, de igual forma, malferiu os direitos de pensionistas e aposentados. Nesta última, o ministro Barroso, um liberal por excelência, votou contra pedidos formulados em ADIs contra ela apresentados. O ministro Fachin, de sua vez, votou parcialmente contra tais medidas. Já os ministros Dias Toffoli e Rosa Weber acompanharam Fachin, sendo o julgamento suspenso por pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes. O julgamento está próximo de continuar.
Um outro caso emblemático em que o viés liberal do STF aflorou é o dos motoristas por aplicativos, cujo julgamento ainda não foi concluído. Em julgamentos anteriores e similares a Suprema Corte, não hesitou em considerar inconstitucional julgamentos do TST que assentaram a relação de emprego entre os motoristas de aplicativos e as empresas empregadoras, no capitalismo de plataforma. Foi o que aconteceu, por exemplo, em dezembro do ano passado quando a 1ª turma, no caso Cabfy, não reconheceu a relação de emprego entre a empresa e os motoristas por aplicativo.
Não se pode olvidar que no conceito pleno de democracia estão contidas não só a democracia formal, mas também a substantiva. Ele abarca as liberdades do indivíduos, como a igualdade formal, sem embargo de também proteger os direitos sociais econômicos, dentre eles os dos trabalhadores, inclusive o pleno emprego. De igual forma a democracia não pode ficar alheia aos direitos sociais insculpidos, dentre outros, no art 7º da CF. Como sabido, a democracia está fundada no binômio liberdade e igualdade, só que neste último aspecto não só igualdade formal , mas também a igualdade material, que demanda o cumprimento dos direitos sociais.
Não que se queira minimizar a importância do liberalismo, sobretudo o político, para a humanidade. Ela é indiscutível. O que se objetiva é a construção de sociedades e Estados que colimem não só os ideais do liberalismo político, mas sim também almejem uma democracia social e econômica, nos moldes dos países do primeiro mundo.
Para concluir, espera-se que o STF venha assumir uma posição mais proativa na satisfação dos direitos sócias da população.