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As limitações ao direito de resposta: uma breve análise do conflito entre a liberdade de imprensa e a inviolabilidade pessoal

O direito de resposta deve ser exercido com limitações e, sobretudo, proporcionalidade, sob pena de ele próprio ser uma afronta à liberdade de expressão e à inviolabilidade pessoal.

quinta-feira, 6 de junho de 2024

Atualizado às 10:07

Estamos nos aproximando do dia 7 de junho, data em que celebramos o Dia Nacional da Liberdade de Imprensa. Nesse sentido, importante rememorar que a escolha deste específico dia não é fruto de uma aleatoriedade. A data remete ao dia 7 de junho do ano de 1977, no qual cerca de 3 mil jornalistas assinaram um manifesto em que reivindicavam, justamente, a liberdade de imprensa e o fim da censura, enquanto, em nosso país, vivenciávamos o período mais severo da Ditadura Militar, durante a vigência do Ato Institucional nº 5, marcado por forte censura e repressão aos veículos de imprensa, bem como, perseguição, tortura e assassinato de jornalistas.

Hoje sob o manto das garantias e liberdades consagradas pela Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88), que marcou, o fim da Ditadura Militar e a constituição do Estado Democrático de Direito, trazemos para o debate o seguinte caso: um veículo de imprensa divulga matéria jornalística cuja pauta consiste em relatar uma sentença judicial na qual determinada pessoa sofreu uma condenação. Sentindo-se ofendido, a pessoa condenada deseja responder a matéria jornalística, contudo, em sua resposta passa a tecer ofensas ao veículo de imprensa e ao redator, inclusive, imputando práticas delitivas. Tal situação estaria amparada pelo direito de resposta ou há algum abuso em seu exercício? Se fosse proposta a exclusão da matéria jornalística, haveria limitação a direitos?

Como nos ensina Manuel da Costa Andrade (1996, p.29) o Direito, de forma ampla, "emerge, assim, como uma ordenação da convivência e da comunicação intersubjetiva e, por vias disso, como disciplina do "contacto social" e da conflitualidade". No caso acima mencionado nos colocamos na linha de contato entre a liberdade de imprensa e a inviolabilidade pessoal, limite este que não pode ser aduzido em uma relação estática, com fronteiras fixas e pré-determinadas, mas na dinamicidade das relações sociais que são complexas e mutáveis.

De um lado estamos diante dos direitos preconizados pelo art. 5º, X da CRFB/88 que declarou como invioláveis "a intimidade, a vida privada, a honra e imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação". José Afonso da Silva (2005) condensa todas essas manifestações da esfera intima do indivíduo na expressão direito à privacidade, que pode ser definido como "conjunto de informação acerca do indivíduo que ele pode decidir manter sob seu exclusivo controle, ou comunicar, decidindo a quem, quando, onde e em que condições, sem a isso pode ser legalmente sujeito". (MATOS PEREIRA apud SILVA, 2005, p.206).

É certo que na nossa hipótese de análise, a sentença condenatória consistia em informação acerca da vida da pessoa condenada, a qual havia o desejo de que fosse mantido sobre o seu exclusivo controle, comunicando apenas a quem, onde e nas condições em que desejasse e, por óbvio, não havia o desejo de que fosse tornada público, por veículo de imprensa.

Contudo, de outro lado, há o que a Constituição chama de "liberdade de informação jornalística", em seu art. 220, §1º, ao consagrar que "Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística" e proibir expressamente, no §2º do supramencionado dispositivo "toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística".  Segundo José Afonso da Silva (2005), a liberdade de informação jornalística, possui características modernas que superam a liberdade de imprensa, compreensão essa que concordamos, mas, com total respeito ao doutrinador e ao legislador, aqui tratamos como sinônimos por força da densidade histórica da designação "liberdade de imprensa".

Fato é que, com a nova nomenclatura, a Constituição assegura a liberdade a outros veículos de comunicação, além do impresso, de modo a alcançar "toda forma de difusão de notícias, comentários e opiniões por qualquer veículo de comunicação social" (SILVA, 2005, p.246). Consiste, pois, na liberdade "de ser informado, a de ter acesso às fontes de informação, a de obtê-la" (SILVA, 2005, p.247).

A liberdade de imprensa se coloca então como uma "manifestação paradigmática das liberdades de expressão e informação, no contexto das sociedades contemporâneas" (COSTA ANDRADE, 1996, p. 40) e, por ser também uma manifestação desses direitos individuais "emerge, assim, como uma liberdade da pessoa, como dimensão autônoma do livre desenvolvimento da personalidade e, por vias disso, sistematicamente reportada ao homem e ao cidadão" (COSTA ANDRADE, 1996, p.41)

Na nossa hipótese, há também o direito à liberdade de imprensa na veiculação de informações sobre a sentença condenatória, e essa é uma garantia do direito de informação dos cidadãos de forma ampla, que transcendem a esfera da privacidade do indivíduo condenado. Não se exclui da análise que hoje, em tempos de sociedade das redes, a imprensa tem forte poder de formação de opinião e movimentação das massas, e uma publicação, muitas vezes despretensiosa, pode ter graves desdobramentos não previstos, que fogem da esfera de controle do veículo de mídia e, por consequência, de sua responsabilidade.

Dessa maneira, a análise do caso concreto e a busca por uma possível solução não é simplista: se garantirmos a privacidade, em absoluto, e a noticia for excluída, há violação ao direito de liberdade de imprensa; se garantirmos em absoluto a liberdade de imprensa, publicar na mídia uma sentença condenatória, ainda que apenas se restrinja a narrar os fatos, pode trazer sérios desdobramentos na vida do individuo que fogem ao controle do veículo de imprensa.

Nesse sentido, como bem ressalta Manuel da Costa Andrade, "o conflito entre direitos fundamentais não deverão superar-se pela via de sacrífico total de um deles. Em vez disso, há-de procurar assegurar-se a ambos a mais extensa e consistente protecção em concreto praticável" (COSTA ANDRADE, 1996, p.34). E, é no conflito entre liberdade de imprensa e a inviolabilidade pessoal, que o direito de resposta, também previsto como um direito fundamental, consagrado no art. 5º, V da CRFB/88, se apresenta como um "contrapeso", como ponto de equilíbrio.

Em complemento, a lei 13.188, de 11 de novembro de 2015, disciplinou o direito de resposta ou retificação do ofendido em matéria divulgada, publicada ou transmitida por veículo de comunicação social que assegura ao ofendido o direito de responder, de forma gratuita e proporcional ao agravo sofrido e, considera como matéria, "qualquer reportagem, nota ou notícia divulgada por veículo de comunicação social, independentemente do meio ou da plataforma de distribuição, publicação ou transmissão que utilize, cujo conteúdo atente, ainda que por equívoco de informação, contra a honra, a intimidade, a reputação, o conceito, o nome, a marca ou a imagem de pessoa física ou jurídica identificada ou passível de identificação.".

Em nosso entendimento, respaldado pela norma constitucional, o direito de resposta pode (e deve) ser garantido ainda que a matéria jornalística não atente contra a honra, a intimidade, a reputação, o conceito e outros direitos individuais do atingido, ou seja, deve ser garantido mesmo que a matéria jornalística se limite apenas a fazer uma narrativa dos fatos, ainda mais considerando a dimensão de uma simples reportagem - mesmo àquelas que apenas se limitam a narrar os fatos - podem ganhar nas redes sociais (que está fora do controle e da responsabilidade dos meios de comunicação).

Todavia, não pode o direito de resposta, que se coloca como "ponto de equilíbrio" entre a liberdade de imprensa e a inviolabilidade pessoal ser ele próprio a via responsável por desequilibrar a relação, de sacrificar os demais direitos e se colocar de forma absoluta. Em outras palavras, enfatizamos os dizeres constitucionais e legais, de que o direito de resposta deve respeitar a proporcionalidade.

Novamente nos reportando ao caso em análise, se notícia jornalística apenas informou sobre a prolação de sentença judicial condenatória, se limitando a narrar a sua fundamentação, sem qualquer juízo de valor, ela deve ser mantida no veículo de imprensa. E caberia ao afetado, tão somente, em direito de resposta, apresentar sua versão sobre os fatos narrados.

Nesse caso, as ofensas realizadas ao redator da matéria jornalística e ao veículo, bem como a imputação de práticas delitivas extrapolam o direito de resposta e passam a consistir em afrontas direitas ao direito de liberdade de imprensa e inviolabilidade pessoal dos profissionais da mídia.

Dessa forma, o direito de resposta deve ser exercido com limitações e, sobretudo, proporcionalidade, sob pena de ele próprio ser uma afronta à liberdade de expressão e à inviolabilidade pessoal.

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BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 04 jun. 2024.

BRASIL. Lei nº 13.188, de 11 de novembro de 2015: Dispõe sobre o direito de resposta ou retificação do ofendido em matéria divulgada, publicada ou transmitida por veículo de comunicação social. Disponível em: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13188.htm> Acesso em 05 jun. 2024.

COSTA ANDRADE, Manuel. Liberdade Imprensa e Inviolabilidade Pessoal: uma perspectiva jurídico-criminal. Portugal: Coimbra Editora, 1996.

SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 25. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2005.

Louise Fernanda de Oliveira Dias

Louise Fernanda de Oliveira Dias

Bacharela e Mestra pela Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" - UNESP. Conciliadora certificada pelo CNJ. Advogada Associada ao escritório Mansur Said Advocacia.

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