Falha nos produtos ou serviços adquiridos por meio de terceiros: A responsabilidade civil se estende ao marketplace?
Os marketplaces revolucionaram o comércio online, reunindo vendedores e compradores globalmente, oferecendo uma ampla gama de produtos e serviços em um só lugar. Facilitam a vida dos consumidores pela conveniência e variedade, enquanto ajudam vendedores a alcançar um público maior sem altos custos.
quinta-feira, 6 de junho de 2024
Atualizado às 08:06
Recentemente, os marketplaces têm sido protagonistas de uma revolução marcante no comércio online, reunindo vendedores e compradores em um ambiente único e oferecendo uma vasta gama de produtos e serviços, muitas vezes de alcance global. Essa abordagem inovadora tem ganhado popularidade crescente e influenciado os padrões das transações online.
Essa ascensão dos marketplaces é impulsionada por diversos fatores. Eles proporcionam aos consumidores uma conveniência e variedade excepcionais, permitindo a exploração de uma ampla variedade de produtos, comparação de preços e avaliações, tudo em um único local, economizando tempo e esforço na experiência de compra.
Para os vendedores, os marketplaces oferecem uma vitrine virtual pronta, possibilitando o alcance de um público global sem os custos e desafios associados à criação de uma loja online independente. Isso tem democratizado o comércio eletrônico, facilitando o acesso a uma maior variedade de produtos e serviços pelos consumidores.
Apesar das vantagens proporcionadas por esse modelo de negócio, surge uma questão conturbada quando ocorre algum defeito ou falha nos produtos ou serviços adquiridos por meio desses fornecedores. Afinal, quem assume a responsabilidade nessas circunstâncias?
Para compreender o assunto, é necessário examinar o conceito de provedor e suas diversas modalidades. A primeira legislação a tratar da atuação dos provedores online foi a lei Federal 12.965/14 (Marco Civil da Internet). Ao abordar esse tema, o Marco Civil definiu duas categorias: o provedor de conexão ou acesso à internet e o provedor de aplicações na internet.
Apesar da simplicidade da lei, ao longo dos anos, a doutrina e os tribunais brasileiros introduziram diferentes tipos de provedores, dentro das categorias estabelecidas pela legislação, quais sejam: provedor de backbone, provedor de acesso, provedor de correio eletrônico, provedor de hospedagem e provedor de conteúdo.
Os provedores de conteúdo são indivíduos ou entidades jurídicas que disponibilizam informações na internet, criadas pelos provedores de informação, utilizando seus próprios servidores ou os serviços de um provedor de hospedagem.
Logicamente, como em todo debate jurídico de importância, os assuntos foram levados aos tribunais superiores. No julgamento do REsp 1.316.921/RJ, a ministra Maria Isabel Gallotti confirmou a abordagem doutrinária, ao afirmar que, na internet, existe uma diversidade de agentes fornecendo uma variedade de serviços e recursos aos usuários. Nas palavras da julgadora:
Os provedores de serviços de Internet são aqueles que fornecem serviços ligados ao funcionamento dessa rede mundial de computadores, ou por meio dela. Trata-se de gênero do qual são espécies as demais categorias, como: 1) provedores de backbone (espinha dorsal), que detêm estrutura de rede capaz de processar grandes volumes de informação. São os responsáveis pela conectividade da Internet, oferecendo sua infraestrutura a terceiros, que repassam aos usuários finais acesso à rede; 2) provedores de acesso, que adquirem a infraestrutura dos provedores backbone e revendem aos usuários finais, possibilitando a estes conexão com a Internet; 3) provedores de hospedagem, que armazenam dados de terceiros, conferindo-lhes acesso remoto; 4) provedores de informação, que produzem as informações divulgadas na Internet; e 5) provedores de conteúdo, que disponibilizam na rede os dados criados ou desenvolvidos pelos provedores de informação ou pelos próprios usuários da web. (REsp 1.316.921/RJ, min. Maria Isabel Gallotti, Data de Julgamento 26/6/12)
Nesse meio tempo, os provedores de conteúdo seriam uma categoria incluída dentro da classificação de provedores de aplicações na internet. Essa distinção foi estabelecida no julgamento do REsp 1.383.354/SP, que destacou que os sites que intermediam vendas, como os marketplaces, são considerados uma variante dentro do grupo dos provedores de conteúdo, uma vez que não editam, organizam ou gerenciam as informações referentes aos produtos inseridos pelos usuários (provedores de informação).
No REsp 1.444.008/RS, de 2014, foi decidido que um provedor de busca de produtos, que não atua como intermediário entre consumidor e vendedor, não pode ser responsabilizado por defeitos nos produtos ou falhas contratuais.
Em agosto/23, o STJ, ao julgar o REsp 2.067.181/PR, derivado de uma fraude na venda de um veículo em uma plataforma de vendas, determinou que a responsabilidade depende da forma como a plataforma foi utilizada pelo consumidor no negócio. Se não houve intermediação direta na venda, o marketplace não contribuiu para o dano ao consumidor.
Segundo a decisão da Corte, se os sites de marketplace agirem apenas como veículos de publicidade e não como intermediários nas vendas aos consumidores, o marketplace não será responsabilizado por quaisquer danos causados ao consumidor.
No entendimento da ministra Nancy Andrighi, os sites de classificados obtêm receita por meio de anúncios publicitários e não cobram comissões pelas transações realizadas, não podendo ser responsabilizados a fazer uma fiscalização prévia sobre a origem de todos os produtos, pois não é uma atividade inerente ao serviço prestado. Assim, os sites de classificados não são responsáveis por defeitos ou falhas nos produtos ou serviços.
Em análise à recente jurisprudência pátria, podemos observar a restrição dos casos em que ocorre a imputação de responsabilidade civil aos marketplaces em transações de consumo, visto que a obrigação de compensar dependerá não apenas da função do provedor, mas também do seu envolvimento direto no negócio jurídico. Essas circunstâncias determinarão se há ou não quebra do nexo de causalidade, um elemento essencial na responsabilidade civil.
-----------------------
Recurso Especial 1.316.921/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, Data de Julgamento: 26/06/2012.
Recurso Especial 1.383.354/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Data de Julgamento: 27/08/2013.
Recurso Especial 1.444.008/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Data de Julgamento: 25/10/2016.
Recurso Especial 2.067.181/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Data de Julgamento: 08/08/2023.
Karoline Barbosa Santos
Gestora Jurídica da Mascarenhas Barbosa Advogados.