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Medidas atípicas de execução na Justiça do Trabalho: Uma análise da restrição de passaportes como meio coercitivo indireto para pagamento

Marcelo Gomes da Silva e Maria Gabriela Steiger Andrade

O uso de medidas atípicas em execução no âmbito da Justiça do Trabalho deve ponderar a satisfação da tutela jurisdicional, não perdendo de vista os direitos e a integridade do devedor, assegurando que a justiça seja realizada de forma eficaz e justa.

quarta-feira, 5 de junho de 2024

Atualizado às 07:57

As medidas atípicas de execução são ferramentas judiciais não convencionais utilizadas para assegurar o adimplemento da obrigação na forma especificada no título executivo, tendo lugar quando os métodos tradicionais de execução se mostram insuficientes. 

Estas medidas passaram a ser fundamentadas no art. 139, IV, do CPC/15, que concedeu ao juiz a autoridade para adotar todas as providências necessárias para garantir a efetividade da tutela jurisdicional - métodos coercitivos atípicos.

Transição do direito processual civil para o processo do trabalho

A adoção de medidas atípicas iniciou-se no âmbito do Direito Processual Civil, como uma resposta às dificuldades enfrentadas na execução de sentenças, especialmente quando os devedores recorrem a práticas para ocultar seus bens ou frustrar a execução judicial. 

O art. 139, IV, do CPC versa sobre os poderes do juiz na efetivação da tutela jurisdicional, podendo o magistrado adotar "todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial".

Com isso, o legislador outorga ao juiz as medidas atípicas executivas, ou seja, possibilita que o magistrado adote qualquer método coercitivo (direto ou indireto) para constranger o devedor a cumprir a obrigação constante do título executivo. 

Doutrinadores como Fredie Didier Jr. e Humberto Theodoro Júnior destacam que a flexibilidade proporcionada pelo art. 139, IV, do CPC permitiu ao magistrado adotar medidas criativas e eficazes, alinhadas ao princípio da efetividade da jurisdição, tais como a suspensão da CNH e passaporte; inscrição do devedor em cadastros de proteção de crédito; e cancelamento de cartões de crédito. 

O Processo do Trabalho sempre se manteve na lanterna da modernidade e, enquanto isso, o Processo Civil se modernizava, fazendo como que as ferramentas de execução disponibilizadas ao Estado-Juiz alcançassem notória efetividade.

Sabendo-se que as peculiaridades das relações de trabalho exigem mecanismos ágeis e eficazes para garantir proteção dos direitos dos trabalhadores, o campo trabalhista passou a adotar essas inovações. 

Conforme aponta Maurício Godinho Delgado, a adoção de tais medidas é justificada pela necessidade de se assegurar a proteção dos direitos trabalhistas, que possuem caráter alimentar e são fundamentais para a dignidade do trabalhador.

Assim, a aplicação de medidas atípicas no âmbito do Direito do Trabalho, fundamentada no art. 139, IV, do CPC, aplicado subsidiariamente ao processo do trabalho, conforme preconiza o art. 769 da CLT, permite que o magistrado adote todas as medidas necessárias para assegurar o cumprimento das decisões judiciais, desde que respeitados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

Requisitos para aplicação das medidas atípicas

Conforme mencionado, em que pese a autorização legal ao magistrado para adoção de medidas necessárias ao cumprimento da tutela jurisdicional, a adoção das medidas atípicas de execução deve respeitar alguns requisitos.

Inicialmente, é necessário que as medidas atípicas sejam meio subsidiário, ou seja, que tenham sido esgotados os meios tradicionais expropriatórios e coercitivos previstos em lei para satisfação da execução.

Além disso, é imperioso que haja indícios de que o executado possui condições de satisfazer a obrigação, além da necessidade de a decisão ser fundamentada, devendo a medida executiva ser adequada e razoável ao caso concreto - esgotamento das medidas típicas, sendo conferido ao executado o direito ao contraditório.

Por fim, como já salientado, é essencial que a medida respeite os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, tendo em vista a obrigação que se pretende cumprir e os danos a serem causados ao devedor, pois da mesma forma em que o credor tem direito a satisfação da obrigação, o devedor possui o direito em que a execução se desenvolva da forma menos gravosa (art. 805, CPC).

Ocorre, contudo, que, na prática, tais requisitos não têm sido cumpridos pelos magistrados, gerando ondas de debates sobre a ilegalidade ou inconstitucionalidade acerca de alguns meios atípicos, como a restrição de CNH e de passaporte de devedores.

A restrição de passaportes como meio atípico de execução na Justiça do Trabalho

A restrição de passaportes como medida atípica na execução trabalhista tem ganhado destaque nos últimos anos, sendo especialmente utilizada quando há indícios de que o devedor possui recursos financeiros, mas tenta se esquivar do cumprimento da obrigação por meio de manobras evasivas. A intenção é impedir que o devedor deixe o país, evitando, assim, a frustração da execução da sentença trabalhista. 

Contudo, a jurisprudência tem entendido que a medida é desproporcional, além de ferir o direito constitucional de ir e vir do executado.

É nesse sentido que entendeu a Desembargadora Rosane Ribeiro Catrib, no julgamento do Habeas Corpus (processo 0107138-37.2024.5.01.0000), que deferiu o pedido liminar de retirada da suspensão aos passaportes de sócios de uma empresa reclamada.

No caso em questão, o juízo da 12ª vara do Trabalho do Rio de Janeiro determinou a inclusão dos sócios da reclamada na execução, com o bloqueio de seus ativos financeiros e a suspensão de suas CNHs e passaportes.

A decisão na Reclamação Trabalhista ocorreu de ofício, sem a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica e, consequentemente, sem o exercício regular do contraditório, suspendendo as CNHs e passaportes dos pacientes, impedindo-os de emitir novos documentos e impossibilitando-os de sair do país.

A decisão, de acordo com o caso concreto, se revelou completamente desproporcional, pois o magistrado adotou medidas típicas executivas - como a penhora de ativos financeiros - e outras medidas atípicas, não observando o requisito da subsidiariedade, em que os meios atípicos de execução só devem ser adotados de forma residual. 

Nesse sentido, na decisão do Habeas Corpus, a desembargadora destacou que, embora o art. 139, inciso IV, do CPC autorize a adoção de medidas atípicas ou de coerção indireta para forçar o cumprimento ou satisfação da tutela, no caso em questão, a decisão não se revelava proporcional, justa e adequada ao manter a restrição aos passaportes dos sócios, já que o intuito da medida é a satisfação do crédito trabalhista.

Assim, resta claro que a aplicação da medida de restrição de CNH e passaporte como meio coercitivo atípico para satisfação da tutela jurisdicional deve ser limitada a casos específicos, de modo proporcional, razoável e adequado, na medida em que fere direito fundamental do executado.

Considerações finais

Conforme restou destacado, a transposição das medidas atípicas de execução do Direito Processual Civil para o Processo do Trabalho representa uma evolução significativa na busca pela efetividade das decisões judiciais. 

Contudo, a restrição de passaportes e CNH, como uma dessas medidas, deve ser pautada pela observância rigorosa dos princípios constitucionais, garantindo que a justiça seja feita de maneira plena e equilibrada, respeitando os requisitos legais, isto é, após o esgotamento dos meios tradicionais, e quando houver indícios de que o executado possui condições de satisfazer a obrigação, além de ser oferecido ao devedor o contraditório.

Portanto, o uso de medidas atípicas em execução no âmbito da Justiça do Trabalho deve ponderar a satisfação da tutela jurisdicional, não perdendo de vista os direitos e a integridade do devedor, assegurando que a justiça seja realizada de forma eficaz e justa.

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BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 23 maio 2024.

BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm. Acesso em: 23 maio 2024.

BRASIL. Código de Processo Civil (CPC). Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 23 maio 2024.

DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 22. ed. Salvador: JusPodivm, 2020.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 56. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 18. ed. São Paulo: LTr, 2019.

GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Direito Processual do Trabalho. 14. ed. São Paulo: Método, 2020.

Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT-1). HCCiv 0107138-37.2024.5.01.0000. Relator: Desembargadora Rosane Ribeiro Catrib. Publicação: 13/05/2024. Disponível em: http://www.trt1.jus.br. Acesso em: 23 maio 2024.

PEREIRA, Fernando da Cunha. Os meios atípicos de execução como forma de se alcançar maior efetividade da prestação jurisdicional. Publicado em 14/12/2022. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/378574/meios-de-execucao-como-forma-de-se-alcancar-maior-efetividade. Acesso em: 23 maio 2024.

Marcelo Gomes da Silva

Marcelo Gomes da Silva

Sócio no Villemor Amaral Advogados.

Maria Gabriela Steiger Andrade

Maria Gabriela Steiger Andrade

Advogada no Villemor Amaral Advogados.

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