MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. Vale "trumpetear"?

Vale "trumpetear"?

Sob a perspectiva de aproximar o sistema judicial do tecido social, a TV Justiça tem e cumpre papel elogiável, disseminando conceitos e consequências emanados dos vereditos do Excelso Pretório, mormente quando adota linguagem mais simples e inteligível para o cidadão médio, tal qual diretiva do seu atual presidente, ministro Luís Roberto Barroso.

quarta-feira, 5 de junho de 2024

Atualizado às 07:59

Diz o dito popular que cada povo tem o governo que merece.Se a voz do povo é a voz de Deus, a experiência mostra que o adágio se mostrou verdadeiro ao longo dos tempos, nesses trópicos e além-mar. Mas, se isso é verdade metaforicamente, será que em termos sociológicos igualmente o é? A indagação vem à mente na esteira do recente veredicto de Corte de Justiça nova-iorquina condenando o ex-presidente dos EUA Donald Trump por mais de três dezenas de "fraudes contábeis", veredicto esse, como o cinema o mostra em incontáveis películas, derivado de deliberação tomada por um corpo de jurados.

O detalhe técnico talvez passe despercebido por quem assiste à sétima arte, mas a dinâmica jurídica pela qual é cominada a um colegiado de jurados a prerrogativa processual de decidir pela absolvição ou condenação de um(a) cidadão(a) advém da premissa de que os jurados são "pares" daquele(a) na sociedade e, por conseguinte, terão legitimidade para, através de um painel integrado por doze deles, traduzir, empiricamente, a visão de justiça que a sociedade deseja ver impressa aos seus concidadãos. Lá e aqui sabe-se que os jurados, à semelhança dos magistrados e dos membros do Ministério Público, são seres sociais e produtos do meio, e, como tais, mesmo quando investidos do sagrado mister de perseguir o ideal de Justiça, permeáveis em alguma latitude aos influxos dos fatos tal qual alardeados pelo clamor social (reverberado, dentre outros, através dos tons e coloridos da mídia jornalística, cujos veículos, dirigidos por seres humanos, o fazem imbricados pelas simpatias e/ou antipatias professadas nas respectivas linhas editoriais).

Assim, num mundo onde os fatos flutuam em velocidade quase hipersônica, parece pertinente a reflexão acerca do nível de influência que os noticiários, a mídia e, por gravidade lógica, as redes sociais, atualmente exercem sobre o "mindset" dos operadores do Direito. A reflexão emerge não por dúvida quanto à isenção, retidão e elevado espírito público que indubitavelmente permeiam a Magistratura e o Ministério Público, tanto "yankees" quanto brasileiros, e, na mesma lógica, do corpo de jurados lidimamente selecionado para vocalizar a visão de Justiça que viscera no corpo social, mas pela consciência de, por mais que o sistema normativo esteja organizado para insular tais Operadores, o ser humano não perde a sua natureza.Ele é, e será sempre, produto, razão e consequência do seu habitat social..

Será que o estilo ufanista do ex-mandatário Trump, sob o calor de emoções da corrida presidencial de lá, ajudou a capturar o (mau)humor dos jurados? Será que espetacularização do julgamento, sob incessante cobertura midiática antes mesmo de sua deflagração, para o bem e para o mal, contribuiu para seu desfecho?A reflexão abrevia a distância territorial entre os EUA e o Brasil quando se tem em consideração que a única nação do mundo a ter televisionadas as sessões de julgamentos - do plenário - de sua Suprema Corte é a brasileira.

Sob a perspectiva de aproximar o sistema judicial do tecido social, a TV Justiça tem e cumpre papel elogiável, disseminando conceitos e consequências emanados dos vereditos do Excelso Pretório, mormente quando adota linguagem mais simples e inteligível para o cidadão médio, tal qual diretiva do seu atual presidente, ministro Luís Roberto Barroso. Como cidadão, sou fã dela.

Nessa toada, lá e cá, sem jamais olvidar a sacrossanta liberdade de expressão (free speech) e, tanto quanto, do seu corolário, a de imprensa (free press), cumpre ao Estado de Direito Democrático sopesar, em razoável ponderação dos vetores da publicidade e transparência, de um lado, e da eficiência, do outro, tendo como ponto de interseção - sempre - aquele da legalidade, qual a longitude que, no que tange à midiatização dos julgamentos, mais consulta à sociedade hodierna na perspectiva da justa composição e pacificação das suas relações sociais, fim maior do Direito. Sem alarde, sem barulho, apenas no tilintar das ideias.

Erik Limongi Sial

Erik Limongi Sial

Advogado, sócio fundador do Limongi Advocacia.

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca