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Tema 1.039 do STJ: Definição do marco inicial da prescrição em ações indenizatórias contra seguradoras

Lucas Albuquerque Oliveira

O STJ, através de seu órgão julgador máximo, deverá examinar e julgar o mérito dos recursos repetitivos do tema em questão, cuidadosamente, entendendo e esmiuçando as implicações dessa abordagem, procurando equilibrar os interesses das partes envolvidas e garantir a estabilidade do Seguro Habitacional do Sistema Financeiro de Habitação.

quarta-feira, 5 de junho de 2024

Atualizado às 08:00

Em meados de 2019, o STJ afetou a seguinte questão jurídica acerca da prescrição no Tema 1.039: "Fixação do termo inicial da prescrição da pretensão indenizatória em face de seguradora nos contratos, ativos ou extintos, do Sistema Financeiro de Habitação". Em decorrência desta análise, houve determinação de suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem acerca da questão delimitada e em trâmite, no território nacional, visto que o entendimento a ser sedimentado pela Corte Especial poderá mudar completamente as ações que versam acerca da matéria das indenizações contra as Seguradoras nos contratos envolvendo o SFH, a extinta apólice pública, que possuí como característica o comprometimento do FCVS - Fundo de Compensação das Variações Salariais, bem como os contratos envolvendo as apólices privadas, dado que conforme o julgamento realizado na última data de 19/3/24, não houve a distinção entre ambas, para qual será submetido a julgamento da Corte Especial.

Recentemente, em março do corrente ano, em decisão da 2ª seção do STJ decidiu-se submeter à Corte Especial o julgamento do Tema Repetitivo 1.039, dada a importância e abrangência da repercussão do referido julgado. Tal situação decorre do fato de que deseja-se atribuir os efeitos da decisão tanto para ações indenizatórias securitárias fundadas na cobertura de apólices pública do Sistema Financeiro Habitacional (SFH-RAMO 66), como para as privadas (SFI - RAMO 68).

Desta forma, com a remessa a Corte Especial, confirma-se a complexidade do assunto debatido acerca do Tema Repetitivo e suas consequências, visto que, a partir da futura decisão promulgada pela Suprema Corte, haverá reflexos ao instituto jurídico da prescrição em todos os processos a nível nacional.

Há de se destacar que dentro da própria Corte Superior existe entendimento divergente acerca do tema. A relatora ministra Maria Isabel Gallotti proferiu seu voto no sentido de fixar a seguinte tese: "Liquidado o contrato de financiamento, extingue-se o contrato de seguro a ele adjeto. Para a cobertura de DFI - danos físicos aos imóveis, a ciência do fato gerador da pretensão do segurado deve acontecer dentro da vigência do contrato de financiamento e respectivo contrato de seguro a ele adjeto, ou no decurso do prazo prescricional anual, caso subsista imediatamente após o término da vigência. Não se podendo precisar a data exata da ciência do defeito de construção ensejador do sinistro, o prazo anual de prescrição inicia-se a partir do dia seguinte ao término da vigência do contrato".

Em contramão a erudição da Relatora do tema, está o voto da ministra Nancy Andrighi, a qual compreende que os danos que ensejam a propositura de ações neste sentido são contínuos e a respectiva data de surgimento não é identificável, e que por isso não se pode fixar um termo a quo para o prazo prescricional, findando assim que os vícios estruturais de construção estão acobertados pelo seguro habitacional, cujos efeitos devem se prolongar no tempo, mesmo após a extinção do contrato.

Há de se perceber o quão gravosa pode ser a interpretação acerca da inexistência de definição do termo inicial para a contagem da prescrição nesses casos, que acarretaria por resultado a criação de um organismo inédito no meio jurídico: a Prescrição ad eternum. Ora, além de ir contra os fundamentos do instituto, caracterizaria um enorme e desproporcional ônus para as Seguradoras e para o próprio Erário Público (FCVS), que teriam de garantir um imóvel sem o recebimento de uma equilibrada contraprestação pecuniária.

Na verdade, é evidente que com a quitação do contrato a cobertura securitária deixa de existir, de forma que, ocorrendo o sinistro após a quitação, a Seguradora não está obrigada a indenizar o proprietário do imóvel, seguindo a lógica de que o seguro habitacional tem por fundamento a garantia do contrato de mútuo e a manutenção da higidez do SFH, bem como que os prêmios somente são pagos e recebidos através das parcelas de amortização do financiamento, enquanto este estiver vigente.

Sendo assim, neste cenário, seria o mesmo que admitir que o seguro habitacional tem caráter vitalício e infinito. E, assim, restaria o questionamento: Isso quer dizer que nosso ordenamento jurídico permitiria situações em que a prescrição não tem como ser aplicada?

Seria realmente algo inédito! Tal decisão iria totalmente ao oposto apontado pela próprio instituto jurídico, que visa reprimir a inércia e incentivar o titular do direito a tomar providências que possibilitem o exercício de sua prerrogativa em um período de tempo razoável. Em não sendo assim, estaremos diante de total instabilidade e insegurança nas relações securitárias, visto que as seguradoras ficariam à mercê da iniciativa dos pretensos segurados (sobretudo após a extinção do contrato) a qualquer tempo, o que ofenderia a tão necessária segurança jurídica.

Ademais, acerca desse possível entendimento ad eternum, em razão da definição ou não do termo inicial para a contagem da prescrição, através da decisão futura que venha ser proferida pela Corte Especial do STJ, poderá haver sérios riscos diretos à estabilidade financeira das Seguradoras, nos casos dos seguros privados, e do FCVS, para a apólice pública.

A partir da data da constatação do vício? A partir da quitação do financiamento? Ou não há como se fixar um termo de origem (e assim não há o que se falar em prescrição)? Será acerca deste debate, que a Corte Especial precisará analisar as circunstâncias jurídicas e sociais para tomar uma decisão que afetará diretamente todos os envolvidos, mutuários, seguradoras e erário público (FCVS).

Portanto, considerando as complexas divisões sociais e econômicas associadas à definição do termo de origem da prescrição nestes casos, no próximo dia 5/6/24 o STJ, através de seu órgão julgador máximo, deverá examinar e julgar o mérito dos recursos repetitivos do tema em questão, cuidadosamente, entendendo e esmiuçando as implicações dessa abordagem,  procurando equilibrar os interesses das partes envolvidas e garantir a estabilidade do Seguro Habitacional do Sistema Financeiro de Habitação.

Lucas Albuquerque Oliveira

Lucas Albuquerque Oliveira

Advogado na Rueda & Rueda Advogados.

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