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O marco regulatório dos fundos de investimento e a nova estrutura de classes e subclasses de cotas

Daniel Magalhães e Natália Giannasi

A Resolução CVM 175, publicada em 23/12/22, é o novo marco regulatório dos fundos de investimento, vigente desde 2/10/23. Permite criar classes de cotas com patrimônios segregados e direitos distintos, com efeito prático a partir de 1/10/24, conforme a lei da liberdade econômica e o Código Civil.

quarta-feira, 5 de junho de 2024

Atualizado às 07:49

Em 23/12/22, a CVM - Comissão de Valores Mobiliários publicou o que vem sendo chamado de "marco regulatório dos fundos de investimento": a Resolução CVM 175 (Resolução 175), cuja vigência iniciou-se, de uma forma geral, em 2/10/23 (com exceção de alguns dispositivos que entrarão em vigor em prazos específicos)1.

Dentre as principais mudanças promovidas pela Resolução 175, destaca-se a possibilidade de criação de classes e subclasses de cotas dentro de um mesmo fundo de investimento, com patrimônios segregados e direitos e obrigações distintos. Tal mudança, que terá efeitos práticos relevantes no mercado de fundos, entrará em vigor em 1/10/24.

A previsão regulatória decorre do tratamento conferido ao tema pela lei 13.874/19, chamada de LLE - Lei da Liberdade Econômica, que consolidou e definiu alguns caminhos importantes para o tratamento legal dado aos fundos de investimento, tendo o instituto ganhado, inclusive, um capítulo próprio no Código Civil (Capítulo X do Título III "Da Propriedade", arts. 1.368-C ao 1.368-F). O art. 1.368-D do Código Civil estabeleceu a possibilidade de o regulamento do fundo prever classes de cotas com direitos e obrigações distintos, com patrimônios segregados para cada classe (inciso III), inovação que foi introduzida, no âmbito regulatório, pelo art. 5º da Resolução 1752.

Um mesmo fundo de investimento poderá oferecer, assim, classes com possibilidade de resgate ou não (abertas ou fechadas)3, e, ainda dentro da mesma classe de cotas, subclasses com características diferentes, como o público-alvo, os prazos e as condições de aplicação, a amortização e o resgate, as taxas de administração aplicáveis, a gestão, a máxima de distribuição e o ingresso e saída de cotistas4.

Caberá, assim, ao regulamento do fundo determinar a quantidade de cotas, classes e subclasses que serão emitidas, indicando suas características próprias. Permanecerá possível, de toda forma, a constituição de fundos com classe única, assim como o registro de novas classes durante o funcionamento do fundo.

Com esse redesenho de regras, o regulamento passa a ser composto por uma parte geral (aplicável a todas as classes e subclasses) e partes especiais (anexos) para reger o funcionamento específico de cada uma das classes, dispondo sobre as suas particularidades, assim como apêndices para cada uma das subclasses, se existentes5.

Essa nova alternativa regulatória provocará mudanças relevantes na indústria dos fundos, que, hoje, precisam constituir veículos de investimento separados para obter segregação patrimonial e estabelecer diferentes características aos produtos, o que gera replicação de custos e uma estrutura mais onerosa. Tudo isso para, muitas vezes, os inúmeros fundos criados estarem todos sob a mesma estratégia de investimento.

Com o novo regime, no caso de um fundo com várias classes de cotas, cada uma delas passa a ser detentora de um CNPJ em separado, o que reforça operacionalmente a segregação de patrimônio. O fundo, nesse desenho, passa a atuar como um "guarda-chuva", abarcando diferentes classes que o integram e que são as detentoras diretas dos ativos e passivos, cabendo, inclusive, a cada classe ter as suas respectivas demonstrações financeiras6 e escriturações contábeis, enfatizando a separação das responsabilidades7.

É importante notar, entretanto, que embora as classes possam ser abertas ou fechadas, não são permitidas classes híbridas, ou seja, classes que possuam subclasses abertas e fechadas. Isso porque as subclasses não são formal e operacionalmente estruturas autônomas, sem patrimônio e CNPJ próprios, de modo que um regime híbrido, nas palavras do regulador, "implicaria na [sic] utilização de um mesmo patrimônio para garantir a liquidez de uma parcela dos condôminos somente"8-9.

A coexistência de classes de cotas em um mesmo fundo pressupõe que todas pertençam à mesma categoria de fundos, sendo vedada a criação de classe que altere o regime tributário do fundo ou de suas demais classes (art. 5º, §1º da Resolução 17510).

Entende-se por categoria de fundos a classificação decorrente da política de investimentos do fundo, conforme previsto nos Anexos Normativos da Resolução 175, observado que cada Anexo Normativo disciplina uma única categoria (art. 3º, VIII) - ou seja, são diferentes categorias de fundos, por exemplo, FIFs, FIDCs, FIIs, FIPs, Fundos Previdenciários, etc. 

Da leitura combinada dos dispositivos supracitados, extrai-se uma importante conclusão: será admitida a coexistência de diferentes classes de cotas em determinado fundo de investimento, desde que todas elas pertençam à mesma categoria de fundos. Isto significa que não será possível constituir, por exemplo, um fundo em que uma classe seja FIF e outra FIDC.

A vedação à criação de classes de cotas que alterem o tratamento tributário do fundo ou de suas demais classes se dá pelo fato de que a legislação em vigor faz referência apenas à tributação dos fundos em si, sem fazer referência às classes.

 Considerando esse cenário, a convivência de classes de cotas sujeitas a regimes tributários distintos dentro de um mesmo fundo frustraria as expectativas do mercado com relação à segregação patrimonial decorrente do modelo de classes de cotas na medida em que, para fins de incidência da tributação, não haveria duas classes de cotas distintas com patrimônio segregado, mas sim a possível somatória de patrimônios consolidados em um único ente (o fundo de investimento).

Nesse contexto, o PL 2.130/23, em tramitação perante a Câmara dos Deputados, propõe uma mudança para que a tributação passe a incidir exclusivamente sobre cada classe do fundo. Essa alteração legislativa poderia autorizar uma futura flexibilização regulatória para permitir a constituição de classes de cotas sujeitas a tratamentos tributários distintos, o que maximizaria os efeitos esperados com a implementação da estrutura de classes de cotas11-12.

Como dito, as regras referentes à implementação da estrutura de classes e subclasses de cotas de fundos de investimento entram em vigor em 1/10/24 (art. 140, §2º da Resolução 175). Os fundos já existentes serão automaticamente considerados como constituídos na forma de classe única de cotas quando da entrada em vigor das regras, devendo o administrador atualizar o cadastro na CVM em função da sua adaptação à nova regulamentação (art. 136 da Resolução 175).

Logo, embora a Resolução 175 tenha buscado, de modo acertado, equilibrar estruturas mais flexíveis e menos onerosas, é natural, com isso, que sejam criadas algumas possíveis distorções. Fato é que, de um modo geral, as alterações aqui ressaltadas tendem a gerar ganho de eficiência aos fundos. 

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1 Os fundos de investimento que estavam em funcionamento na data de início da vigência da norma deverão adaptar-se integralmente às disposições desta Resolução até 30 de junho de 2025, com exceção dos fundos de investimento em direitos creditórios (FIDCs), que devem adaptar-se até 29 de novembro de 2024, nos termos do art. 134 da Resolução 175, conforme redação alterada pela Resolução CVM nº 200, de 12 de março de 2024. Essa Resolução CVM nº 200 prorrogou, ainda, outros prazos para vigência de normas contidas na Resolução, dentre elas, a que institui a possibilidade de criação de classes e subclasses de fundos, que passará a vigorar a partir de 1º de outubro de 2024.

2 Resolução 175. Art. 5º O regulamento do fundo de investimento pode prever a existência de diferentes classes de cotas, com direitos e obrigações distintos, devendo o administrador constituir um patrimônio segregado para cada classe de cotas.

3 As classes podem ser abertas ou fechadas. Segundo o art. 5º, parágrafo 7º, da Resolução 175, denomina-se aberta a classe em que se admite que as cotas sejam resgatadas pelos cotistas, conforme termos e condições dispostos no regulamento, enquanto a classe fechada é aquela em que não se admite o resgate das cotas - nessas, o cotista somente se retira do fundo mediante a alienação de suas cotas para outro investidor.

4 Resolução 175. Art. 5º. § 5º As subclasses de cotas podem ser diferenciadas exclusivamente por: I - público-alvo; II - prazos e condições de aplicação, amortização e resgate; e III - taxas de administração, gestão, máxima de distribuição, ingresso e saída.

5 Para lista completa de todas as particularidades que devem/podem constar nos anexos das classes e apêndices das subclasses, consultar o art. 48, §2º, da Resolução175.

6 Conforme arts. 66, 67 e 69 da Resolução 175.

7 PEREIRA, Catarina Campos da. Classes e subclasses em fundos de investimento. In: Direito dos Fundos de Investimento - coord. Fernando Kuyven, São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2023, p. 133.

8 Relatório de Análise da Audiência Pública SDM nº 08/20 publicado pela CVM. Disponível em: https://conteudo.cvm.gov.br/export/sites/cvm/audiencias_publicas/ap_sdm/anexos/2020/sdm0820_Relatorio.pdf. Acesso dia 9 de maio de 2024.

9 Essa estrutura híbrida, em que parte dos cotistas poderiam resgatar suas cotas e outra parte não, geraria ainda outras preocupações, como a transferência indevida de riqueza entre os cotistas, já que a retirada dos cotistas da subclasse aberta, com venda dos ativos mais líquidos da classe, geraria potenciais prejuízos aos demais cotistas - que não teriam tal faculdade.

10 Resolução 175. Art. 5º O regulamento do fundo de investimento pode prever a existência de diferentes classes de cotas, com direitos e obrigações distintos, devendo o administrador constituir um patrimônio segregado para cada classe de cotas. § 1º Todas as classes devem pertencer à mesma categoria do fundo, não sendo permitida a constituição de classes de cotas que alterem o tratamento tributário aplicável em relação ao fundo ou às demais classes existentes.

11 A justificativa do Projeto de Lei evidencia que o interesse é potencializar a efetividade da evolução introduzida pela LLE e esclarecer as implicações tributárias decorrentes da separação patrimonial das classes de cotas: "considerando que cada classe de cotas será objeto de pedido de funcionamento e terá registro individual e CNPJ próprio, entendemos que a separação patrimonial das classes de cotas em relação às demais classes deva ser respeitada, seja (i) na ocorrência de eventual insolvência, sem que tal ato contamine as demais classes cujos patrimônios são segregados, seja (ii) na tributação de cada classe, que poderá ter composição e, consequentemente, classificação tributária distinta das demais classes do mesmo fundo".

12 O Projeto de Lei foi apresentado em abril de 2023 e ainda está em tramitação perante a Câmara dos Deputados. Esta proposta legislativa pode, de certo modo e quanto aos aspectos mencionados, ser positiva ao mercado, na medida em que permitiria maior eficiência do modelo de estrutura multiclasses nos fundos de investimento.

Daniel Magalhães

Daniel Magalhães

Advogado integrante do Monteiro de Castro, Setoguti Advogados. Mestrando em direito comercial na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Bacharel em direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Natália Giannasi

Natália Giannasi

Advogada integrante do Monteiro de Castro, Setoguti Advogados. Mestranda em direito comercial na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Bacharela em direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

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