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Preferência e autonomia dos honorários no concurso singular ou coletivo de credores

Os honorários advocatícios têm natureza alimentar e preferência em créditos, mas apenas quando executados de forma autônoma. Essa autonomia não se sobrepõe ao crédito do credor principal. A preferência dos honorários exige ausência de relação material entre os credores.

quinta-feira, 6 de junho de 2024

Atualizado às 07:41

Apesar do privilégio legal, a natureza alimentar dos honorários somente tem prioridade quando executados de forma autônoma. A autonomia e a preferência dos honorários não são absolutas e não se sobrepõem ao crédito do credor principal. É imprescindível, para o reconhecimento da autonomia e da preferência dos honorários, a ausência de relação de direito material entre os credores da obrigação no exercício de suas pretensões.

É incontroversa a natureza alimentar dos honorários e o §14º do art. 85 é expresso neste sentido: os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho [...]. Fato é que, a natureza alimentar dos honorários, reconhecida na legislação, lhe outorga privilégio de crédito nas habilitações em processos falimentares, no concurso de credores, na liquidação extrajudicial, entre outros concursos de credores, sejam eles singulares ou coletivos.

No entanto - e aqui está o problema - este privilégio fica sem efeito, a depender da forma como é exercida a pretensão de direito material. Isto porque não há privilégio entre o advogado, credor da sucumbência, e o cliente, titular da obrigação principal. Para o exercício do privilégio do crédito de natureza alimentar é preciso existir independência e autonomia na execução da obrigação. O óbice decorre da relação de acessoriedade da obrigação, fator determinante para o exercício da preferência da verba alimentar. Aliás, nestas situações, sequer é aplicável o art. 908, caput, e §2º, do CPC, que prevê a distribuição do crédito pela preferência (determinada pela natureza e pela anterioridade da penhora).

A literatura jurídica converge neste sentido, qual seja, a de ser elemento essencial, no concurso de credores, a ausência de relação jurídica de direito material entre os credores, o que equivale à autonomia e independência entre as execuções. Neste sentido:

[...] quando o exequente, ao mover execução singular em face do devedor, penhora bem que já é objeto de constrição em processo executivo promovido por outro credor, ou que se encontra gravado com direito de preferência, surge um elemento comum entre diferentes execuções ou diversos créditos.

A única ligação prévia consiste na pessoa do obrigado. Formalmente independentes, as execuções passam a ter algo em comum, e os credores concorrer: no futuro, convertido o bem penhorado em dinheiro, disputarão a satisfação integral dos respectivos créditos1.

Assim, o vínculo existente entre os credores decorre da própria relação de direito processual. A relação de direito material existente se dá unicamente entre o devedor e os credores, consolidada pela dívida cuja origem é o título executivo. O vínculo jurídico primário é estabelecido entre o credor e o devedor, próprio da relação de direito material. Já a relação de direito processual se dá entre os credores, mas intermediada pelo juiz. Diretamente, não há relação entre eles. Logo, não há, entre o advogado e o cliente, concurso singular de credores: a relação de direito material primária é estabelecida entre o credor (cliente-advogado) e o devedor da obrigação. Já o crédito do advogado é acessório e dependente do crédito principal (condenação).

A relação de acessoriedade é reconhecida pelo STJ:

[...] De outro lado, não pode o advogado, que atuou na defesa dos interesses da parte vencedora, preferir ao crédito principal por ela obtido porque a relação de acessoriedade entre os honorários sucumbenciais e a condenação principal a ser recebida pela parte é determinante para que se reconheça que os honorários sucumbenciais, nessa específica hipótese em que há concorrência com a condenação principal, deverão, em verdade, seguir a sorte e a natureza do crédito titularizado pela parte vencedora.

[...] o crédito decorrente de honorários advocatícios sucumbenciais titularizado pelo advogado não é capaz de estabelecer relação de preferência ou de exclusão em relação ao crédito principal titularizado por seu cliente [...]2.

É porque o acessório segue a sorte do principal que o crédito de natureza alimentar não prefere ao crédito principal, diante da inexistência de concurso de credores entre o cliente a o advogado. Dito de outra forma: inexiste privilégio entre o advogado e o cliente na pretensão do direito material, quando exercida conjuntamente em relação ao devedor. Neste sentido:

[...] Para poder ostentar a condição de preferencial e, como tal se inserir em eventual concurso de credores, o crédito de honorários deve ser cobrado pelo seu próprio titular, o advogado. Não ostenta essa condição o crédito de honorário cobrado pelo cliente, patrocinado pelo advogado, em conjunto com o crédito principal.

Quando isso acontecer, o crédito inteiro - do cliente e do advogado - deve ser cobrado a partir de sua qualificação, ou seja, observada a classificação do crédito principal. Daí porque, se o crédito principal é quirografário, juntamente com ele seguirão os honorários cobrados em conjunto3.

Este fator é determinante para reabilitar a preferência e o privilégio da natureza alimentar dos honorários: a forma como a pretensão de direito material é exercida. Se em conjunto com o principal, inexiste preferência: (a) os honorários são acessórios em relação à condenação principal e (b) inexiste concurso de credores entre o advogado e o cliente (o concurso de credores exige autonomia e independência na relação de direito material). No entanto, se a pretensão de direito material for exercida pelo advogado - o que equivale à execução autônoma dos honorários -, reabilita-se a autonomia e a independência do crédito e, como consequência, as preferências que lhe são próprias no concurso de credores.

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1 FAGUNDES, Cristiane Druve Tavares. Concurso especial de credores in Processo de execução e cumprimento da sentença: temas atuais e controvertidos. Coords.: Araken de Assis e Gilberto Gomes Bruschi. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020. p. 775.

2 REsp n. 1.890.615/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 17/8/2021, DJe de 19/8/2021.

3 SAMPAIO, Marcus Vinícius de Abreu. Honorários advocatícios - natureza jurídica - implicações processuais no concurso de créditos in Coleção Grandes Temas do Novo CPC, vol. 2: honorários advocatícios. 3ª ed. Coords.: Marcus Vinícius Furtado Coêlho e Luiz Henrique Volpe Camargo. Salvador: Jus Podivm, 2019. p. 1006-1008.

Daniel Fioreze

Daniel Fioreze

Advogado do núcleo cível no escritório Silva e Silva Advogados Associados. Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria - RS (UFSM). Possui pós-graduação em Direito Tributário e Aduaneiro pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas) e em Direito Processual Civil pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus (CEDJ). Graduado em Direito pela Faculdade de Direito de Santa Maria - RS (FADISMA).

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