MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. O anteprojeto de reforma do Código Civil é adequado?

O anteprojeto de reforma do Código Civil é adequado?

Equilibra tradição e inovação; proposta consolida transformações da família e promove liberdade econômica.

quarta-feira, 29 de maio de 2024

Atualizado às 07:56

O anteprojeto de Revisão do CC, elaborado por comissão de juristas nomeada pelo presidente do Senado Federal, é adequado e necessário para assegurar a contemporaneidade ao CC - e para manter sua relevância normativa para o futuro, evitando a obsolescência.

Os primeiros códigos civis foram obras do século 19. Era a sociedade que Thomas Mann descreve em sua "A Montanha Mágica". A lenta temporalidade no alto da montanha, a que se agarrava aquele século retratado nos pacientes do sanatório Berghof, não era a mesma vivida na "planície", que já se lançava à velocidade do século 20. Ainda mais arrebatadora é a velocidade do século 21, a se impor ao direito. O Anteprojeto de Revisão do CC que foi apresentado ao Senado busca enfrentar, com prudência e responsabilidade, esse desafio que equilibra tradição e inovação.

O anteprojeto, amplamente debatido em audiências públicas durante a sua elaboração - e com grande abertura democrática -, é fruto da construção de 20 anos de jurisprudência, além de posições consolidadas na literatura jurídica nacional e de exemplos exitosos da legislação estrangeira. Propõe o novo, mas não é obra novidadeira.

Não é reflexo do pensamento de um único autor. É fruto do debate franco entre juristas de todo o Brasil, de diferentes escolas e concepções teóricas, que construíram um texto majoritariamente composto por consensos. Contempla a necessária linguagem técnica, mas não se esquece que a lei, antes de tudo, é dirigida ao cidadão. É trabalho que se pautou no vetor da maturidade doutrinária e jurisprudencial, que, por isso, pôde ser vertido em oito meses de intenso trabalho. O que não estava maduro para se propor não integra a revisão proposta.

O projeto original do CC/02, obra de excelência elaborada sob a liderança de Miguel Reale, é datado de 1975. O mundo e o Brasil eram outros. Após a redemocratização e a CF/88, ocorreu a aprovação da lei, 27 anos depois. Desde então, houve mais de 20 anos de mudanças sociais. A atualização da lei é, pois, necessária. Não é um novo Código Civil: é uma revisão que visa a adaptá-lo à realidade do século 21.

O anteprojeto consolida transformações da família já apreendidas pela jurisprudência, como a filiação socioafetiva, e o casamento entre duas pessoas (sem designar o gênero). Desburocratiza os trâmites para o casamento e, também, o divórcio, além de aperfeiçoar os regimes de bens. Facilita o registro de filhos havidos por pais não casados, em proveito do melhor interesse das crianças. Disciplina, com cuidado e responsabilidade, as técnicas de reprodução assistida.

Promove maior liberdade econômica e segurança nos contratos e moderniza suas regras, além de desburocratizar o direito empresarial e aperfeiçoar o regime de garantias, ajudando a fomentar investimentos.

Em matéria de herança, propõe incremento da liberdade para planejar a própria sucessão.

Na parte geral, aperfeiçoa a proteção aos direitos da personalidade,

prestigiando a dignidade da pessoa humana e sua autodeterminação.

O anteprojeto também coloca o direito civil na era digital ao propor um novo livro apenas para tratar dos desafios da tecnologia, como a inteligência artificial e os neurodireitos.

As reformas, com segurança e responsabilidade, urgem. Eis o sentido do anteprojeto proposto. A contemporaneidade não se compraz da temporalidade da "montanha mágica" do século 19.

Carlos Eduardo Pianovski Ruzyk

Carlos Eduardo Pianovski Ruzyk

Professor Associado de Direito Civil da UFPR. Doutor e Mestre em Direito Civil pela UFPR. Advogado.

Fachin Advogados Associados Fachin Advogados Associados

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca