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Descobrindo as sombras: A autonomia vital dos agentes infiltrados na luta contra o crime organizado

A infiltração de agentes em operações contra organizações criminosas é uma estratégia audaciosa e perigosa, exigindo coragem e habilidade excepcional. A legislação e práticas de segurança oferecem robustas salvaguardas para proteger esses agentes.

terça-feira, 28 de maio de 2024

Atualizado às 07:14

A lei das organizações criminosas estabelece um marco legal claro, delineando os procedimentos, limites e salvaguardas para a realização da infiltração policial, com o objetivo de equilibrar a necessidade de eficácia investigativa com a proteção dos direitos fundamentais. A jurisprudência do STJ, por sua vez, tem sido instrumental na interpretação desses dispositivos legais, garantindo que a aplicação da lei se mantenha alinhada com os valores democráticos e os direitos humanos.

À medida que enfrentamos um cenário de crime organizado cada vez mais sofisticado, que se vale de avanços tecnológicos e novas metodologias para perpetrar atividades ilícitas, torna-se imperativo que a prática da infiltração policial também evolua. Esta evolução implica não apenas a incorporação de novas tecnologias e técnicas de investigação, mas também a constante revisão e atualização dos marcos legais e éticos que regem a infiltração. A adaptação a essas novas realidades é fundamental para manter a eficácia da infiltração como ferramenta de combate ao crime organizado, assegurando que ela continue sendo aplicada de forma responsável e proporcional.

Em suma, a infiltração policial, conforme estabelecida pela lei 12.850/13 e interpretada pela jurisprudência do STJ, é uma estratégia vital no combate ao crime organizado. No entanto, a manutenção de sua eficácia e legitimidade requer uma adesão inabalável aos princípios legais e éticos, bem como uma capacidade de adaptação às dinâmicas em constante mudança do crime organizado. Assim, a evolução contínua da prática da infiltração policial é indispensável para enfrentar os desafios impostos pelo crime organizado no século XXI, garantindo que ela permaneça uma ferramenta eficaz e alinhada com os valores fundamentais da sociedade brasileira.

No julgamento do AgRg no HC 678.001/SC, conduzido pela ministra Laurita Vaz e pela 6ª turma do STJ em 17/5/22, com divulgação no DJe - Diário da Justiça Eletrônico em 23/5/22, foi reafirmada a definição de organização criminosa conforme estipulado na legislação brasileira. A decisão destacou que, para os fins legais, "considera-se organização criminosa a associação de quatro ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com o objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a quatro anos, ou que sejam de caráter transnacional."

Essa clarificação é fundamental para a aplicação da lei 12.850/13, pois delineia os critérios que determinam a classificação de um grupo como organização criminosa. A ênfase na estrutura ordenada e na divisão de tarefas entre os membros, conforme ressaltado pela decisão da ministra Laurita Vaz e da 6ª turma, sublinha os elementos essenciais que configuram uma organização criminosa sob o prisma da legislação brasileira.

O STJ, em recente julgamento pelo AgRg no RHC 182.003/RJ, sob a relatoria do ministro Ribeiro Dantas, 5ª turma, em 12/12/23, trouxe esclarecimentos fundamentais sobre o processo de infiltração em organizações criminosas, uma ferramenta vital na investigação e combate ao crime organizado. Publicado em 19/12/23, o acórdão delineia duas fases distintas na infiltração, cada uma com requisitos específicos quanto à necessidade de autorização judicial.

Na etapa inicial, a infiltração é definida pelas atividades preliminares que visam delimitar o escopo da investigação. Neste estágio, o agente investigador não se imerge na estrutura da organização criminosa nem atua como membro ou colaborador direto. Interessante notar que, conforme a decisão, essa fase inicial não requer autorização judicial, uma vez que a ação do agente está circunscrita a atividades que não implicam participação ativa na organização.

Contudo, a transição para a segunda fase marca um ponto crítico na investigação. Neste momento, presume-se que a investigação já tenha identificado sujeitos específicos e que o agente necessite desenvolver e construir uma relação mais próxima com os alvos. É nesta etapa que a infiltração assume um caráter mais intrusivo, exigindo, portanto, autorização judicial expressa. Essa exigência sublinha a importância do equilíbrio entre a eficácia investigativa e a proteção dos direitos fundamentais, garantindo que a imersão na organização criminosa seja conduzida sob estrito controle judicial.

Trechos da ementa:

"A etapa inicial da infiltração está circunscrita às atividades que têm por objetivo delimitar a investigação, sendo desnecessária a obtenção de autorização judicial nesse estágio, uma vez que não implica a imersão do agente na estrutura da organização criminosa. O agente não atua como membro efetivo ou mesmo colaborador direto. Na segunda fase, presume-se que a investigação já se concentra em sujeitos específicos, exigindo do agente o desenvolvimento e construção de uma relação mais próxima, situação que depende exclusivamente de autorização judicial." 

A distinção entre as duas etapas da infiltração - a coleta preliminar de informações e a infiltração de fato - destaca a necessidade de uma abordagem faseada e cuidadosamente planejada nas investigações. Essa metodologia permite que as autoridades ajustem suas estratégias conforme necessário, garantindo que a infiltração seja realizada de maneira eficaz e ética.

O art. 10, §7º, da lei 12.850/13, estabelece que "O pedido de infiltração de agentes será feito pelo delegado de polícia ou pelo Ministério Público, e a decisão será proferida pelo juiz, em qualquer fase da investigação ou do processo penal, ouvido o Ministério Público, mediante representação escrita e fundamentada, observando-se o disposto nos §§ 1º a 6º deste art.". Este dispositivo legal sublinha a necessidade de uma fundamentação detalhada e robusta para a autorização da infiltração de agentes, evidenciando o compromisso com o devido processo legal e a proteção dos direitos fundamentais dos investigados.

Decisões judiciais que autorizam a infiltração de agentes, quando mal fundamentadas, podem comprometer seriamente a integridade do processo investigativo e judicial. A falta de uma fundamentação adequada não apenas viola princípios constitucionais, como o devido processo legal, mas também pode resultar na inadmissibilidade das provas coletadas durante a investigação. Isso ocorre porque a validade das provas está condicionada ao estrito cumprimento dos requisitos legais e procedimentais estabelecidos para a autorização da infiltração.

A validade das provas obtidas durante a infiltração depende diretamente da observância dos procedimentos legais, incluindo a adequada fundamentação da decisão judicial, pois conforme estabelecido pelo § 7º do art. 10 da lei 12.850/13, provas obtidas sem a devida observância dos procedimentos legais são nulas. Isso significa que elas não podem ser utilizadas no processo judicial, o que pode resultar na impossibilidade de comprovar a culpabilidade dos investigados.

O "salvo-conduto razoável" concedido ao agente infiltrado não é, de forma alguma, um "passe livre" para a prática indiscriminada de atos ilícitos. A legislação é clara ao estabelecer que a isenção de responsabilidade penal se aplica exclusivamente aos atos necessários e proporcionais para garantir a eficácia da investigação. Essa disposição legal visa assegurar que a infiltração não se torne um veículo para abusos ou para a perpetração de crimes que vão além do escopo da missão investigativa.

A participação em crimes que ultrapassem os limites estabelecidos pela lei pode resultar na responsabilização penal do agente infiltrado. Isso significa que, ao invés de serem vistos como atos justificados pela natureza da investigação, tais crimes serão tratados como violações da lei, sujeitando o agente às penalidades correspondentes. Essa disposição serve como um lembrete crucial de que a infiltração, embora uma estratégia valiosa na luta contra o crime organizado, não pode ser conduzida à margem dos princípios legais e éticos que regem a sociedade.

Confira o art. 13 da lei 12.850/13:

"Art. 13. O agente que não guardar, em sua atuação, a devida proporcionalidade com a finalidade da investigação, responderá pelos excessos praticados.

Parágrafo único. Não é punível, no âmbito da infiltração, a prática de crime pelo agente infiltrado no curso da investigação, quando inexigível conduta diversa."

A decisão de aceitar ou recusar uma missão de infiltração, bem como a de encerrá-la a qualquer momento, é uma salvaguarda essencial que protege não apenas o indivíduo envolvido, mas também a integridade da operação de infiltração. Ao assegurar que os agentes tenham a liberdade de recusar ou encerrar uma missão, as autoridades reforçam o compromisso com a legalidade, a ética e a eficácia das investigações contra o crime organizado. Essa prática respeita a dignidade e a liberdade do agente, ao mesmo tempo em que contribui para a realização de operações de infiltração bem-sucedidas e dentro dos limites da lei.

Confira o art. 14 da lei 12.850/13:

"Art. 14. São direitos do agente:

  1. recusar ou fazer cessar a atuação infiltrada;"

Em conclusão, a autonomia do agente infiltrado é um componente crítico que sustenta a legitimidade e a eficácia das operações de infiltração em organizações criminosas. Esta abordagem equilibrada reflete um compromisso com os valores fundamentais de legalidade, ética e respeito pela dignidade humana, garantindo que a luta contra o crime organizado seja conduzida de maneira justa e eficaz. Assim, a prática de conceder autonomia aos agentes infiltrados não apenas protege os indivíduos envolvidos, mas também fortalece a integridade e a eficácia do sistema de justiça criminal como um todo.

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Lei nº. 9.296, de 24 de julho de 1996.

Lei nº. 12.850, de 2 de agosto de 2013.

AgRg no HC n. 678.001/SC, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 17/5/2022, DJe de 23/5/2022.

AgRg no RHC n. 182.003/RJ, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 12/12/2023, DJe de 19/12/2023.

RHC n. 160.850/ES, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 27/9/2022, DJe de 30/9/2022

Ricardo Henrique Araujo Pinheiro

VIP Ricardo Henrique Araujo Pinheiro

Advogado especialista em Direito Penal. Sócio no Araújo Pinheiro Advocacia.

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