Aparente planejamento de desmobilidade urbana
Os congestionamentos em São Paulo se tornaram rotineiros, com tráfego de até 120 km. Isso resulta do planejamento municipal que municipalizou o transporte coletivo, contrariando a Constituição. No antigo regime, os ônibus eram superlotados, apelidados de "Sardinha Enlatada".
terça-feira, 28 de maio de 2024
Atualizado às 07:15
Tornou-se comum na capital do Estado de São Paulo o congestionamento do tráfego de veículos que se estende por quilômetros. Hoje, falar em congestionamento de 120 quilômetros não assusta ninguém. Está se tornando rotineiro.
Tudo isso, me parece, que resulta de um planejamento dos órgãos da Prefeitura Paulistana.
Começou com a municipalização do serviço de transporte coletivo urbano contra expressa previsão constitucional do inciso V, do art. 30 da CF, que só admite a prestação de serviço de transporte coletivo de passageiro de forma direta (antiga CMTC) ou por meio de concessão ou permissão.
Nesse regime antigo, quando o serviço era prestado diretamente pelo município por meio da CMTC, e pelas empresas concessionárias e permissionárias, os veículos coletivos circulavam com superlotação com grande espaço de tempo entre um e outro ônibus.
Essa superlotação era apelidada pela população de "Sardinha Enlatada".
É que as concessionárias e permissionárias, apesar de operarem com linhas mais rendosas, ficando as linhas deficitárias com a CMTC, economizavam ao máximo a disponibilização de ônibus para reduzir os custos e aumentar os seus lucros. Com a municipalização, isto é, terceirização mediante contratação das empresas de transporte urbano de passageiros, aconteceu o contrário.
Como as empresas de ônibus contratadas recebiam a tarifa com base no quilômetro percorrido era do interesse delas colocar nas ruas maior número de ônibus, ainda que de forma ociosa e desnecessária. Nota-se ônibus enormes circulando dia e noite um atrás do outro, com 3 ou 4 passageiros. A Secretaria de Transportes do Município finge que não sabe de nada.
Até hoje, a maior parte da receita das empresas de ônibus contratadas pela Prefeitura de São Paulo tem origem na aferição do quilômetro rodado. Ônibus circulando significa dinheiro em caixa, independentemente, de ter ou não passageiros.
Esse quadro que congestionou as vias públicas da Capital foi agravado com a circulação, no centro expandido da cidade, de ônibus bisanfonados que medem 29 metros de extensão, inclusive, nas vias estreitas, causando, às vezes, o entalamento do ônibus impossibilitado-o de completar a conversão, por causa de automóveis estacionados nos dois lados da via pública, porém em locais permitidos pela legislação de trânsito e guardando a distância mínima, igualmente, prevista na legislação.
Esses ônibus bisanfonados só deveriam circular até os pontos terminais do Metrô, nunca adentrar no centro expandido de São Paulo. N avenida Paulista, por exemplo, não faz sentido ter a linha de ônibus percorrendo o mesmo caminho trilhado por metrô no subsolo. Resulta disso que a maioria esmagadora dos ônibus percorrem semi-vazios quando não totalmente vazios.
Outro fator que congestiona o tráfego de veículos é a atuação da CET que apelidamos como Companhia que Emperra o Trânsito.
Esse órgão técnico tem colocado semáforos próximos um do outro, de sorte que quando abre um o outro bem próximo está fechando, criando uma espécie de "onda vermelha" ao invés da desejável "onda verde", por falta de sincronização de tempo entre um e outro semáforo.
Se a sincronização do tempo de abertura dos semáforos fosse feita aleatoriamente, sem planejamento, haveria com certeza hipóteses excepcionais de "onda verde".
O tempo de abertura do semáforo em algumas vias chega a ser irritante. Demora tanto que acaba atraindo a ação de assaltantes que, inclusive, podem fazer um "arrastão". Exemplo disso é a Rua Afonso Celso no cruzamento com a Rua Monsenhor Manoel Vicente (Supermercado Pastorinho) na Vila Mariana. Lá já houve arrastões por causa da demora excessiva na abertura do semáforo.
Outros lugares existem que o tempo de abertura é de sete segundos, exatamente, o tempo que leva o descuidado motorista paulistano para retomar o curso após a parada. É o que acontece com o semáforo instalado nas proximidades do Palácio dos Bandeirantes em uma via que há acesso ao túnel Sebastião Camargo. Impossível passar mais de um veículo por vez. Às vezes o primeiro da fila acaba atravessando o sinal vermelho, porque o desatencioso motorista demorou mais de 7 segundos para retomar o curso. Assistimos essa rotina há mais de 30 anos. É impossível que os técnicos da CET não tenham notado isso.
Por outro lado, a CET anda colocando semáforos onde não deve e que nunca houve necessidade, para atravancar o fluxo de veículos. Exemplo: ao final da rua paralela ao Túnel Tribunal de Justiça (Av. Juscelino Kubitschek) onde se ingressa na Av. Santo Amaro e aonde nunca houve qualquer problema durante décadas. Pois bem, os inteligentes técnicos da CET resolveram colocar um semáforo para impedir o fluxo normal de veículos, para quem faz a conversão para Av. Santo Amaro ocupando a faixa da direita. É o mesmo que colocar um semáforo em cada final de via pública que dá acesso à Avenida Vinte e Três de Maio. Espero que os técnicos da CET não tomem conhecimento deste artigo, do contrário no dia seguinte teremos semáforos em todas as entradas para a referida Avenida estressando os motoristas.
Esse é apenas um exemplo. Existem vários locais onde há semáforos que mais complicam do que facilitam o trânsito. Só não se instalou semáforos nos túneis ou nos viadutos porque isso provocaria a percepção fácil pela população em geral.
Proibir conversão à direita, aparentemente para desafogar o tráfego no local, é outra invenção da CET que acaba comprometendo a mobilidade urbana no trecho mais adiante. Se todas as vias estão congestionadas, a lógica manda optar pelo percurso mais curto. Alongar o engarrafamento não é a solução!
E mais, tivemos um prefeito que importava, aos montes, radares de última geração instalando-os em locais estratégicos, às vezes, debaixo da copa de árvore, para multar os motoristas por excesso de velocidade.
Para desnortear os motoristas instalavam periodicamente placas sinalizando alteração de velocidade. Onde era de 70 km/hora de repente aparecia uma placa sinalizando 50 km/hora. Existem locais sinalizados com placa de 30 km/hora sem que haja escolas, pronto socorro, posto policial e demais órgãos públicos.
Houve época em que a Marginal Pinheiros ficou reduzida ao máximo de 50km/hora, provocando um congestionamento monstruoso. Era a rendosa "indústria das multas", fonte regular de receita pública, sem nenhuma preocupação com a melhoria do tráfego de veículos.
Foi preciso aguardar a mudança do Prefeito para retomar a velocidade de 90 km/hora nas pistas da esquerda daquela marginal e de 70 km/hora nas demais pistas.
Tivemos, igualmente, um Prefeito que implantou a ciclovia pintando-a de verde, Hoje as ciclovias mudaram de cor e estão implantadas, muitas vezes, nas ruas estreitas e de mão dupla prejudicando o fluxo de veículos, bem como os estabelecimentos comerciais pela supressão de espaço para desembarque de passageiros, clientes das lojas. Atualmente são 731,2 km de ciclovias.
Enfim, órgãos e autoridades municipais se revezam para infernizar o tráfego de veículos na Capital que mais cresce no mundo.
Os vereadores, representantes legítimos do povo paulistano, sabem de tudo isso, mas nada fazem, porque é politicamente inconveniente.
O povo indefeso assiste a tudo isso calado, apesar de a Constituição proclamar no parágrafo único, do art. 1º que "todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos dessa Constituição".
Tirante o prefeito, os demais agentes públicos, técnicos da CET e o Secretário dos Transportes não receberam um voto sequer do povo de forma que eles não podem representar a vontade popular.
Então como se explica que o povo, donde emana todo poder, ficar submetido à vontade do governante? Não deveria ser o contrário?
É que o legislador constituinte concedeu o poder ao povo, mas se esqueceu de conferir os instrumentos necessários ao exercício desse poder, limitando-se a prever o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular (art. 14 da CF).
Era preciso conferir ao povo a faculdade de provocar o recall, revogação do mandato.
Se o representante não mais obedece à vontade do representado, impõe-se a utilização do mecanismo do recall.
É como um advogado que incorre em patrocínio infiel. Além de perder o mandato outorgado pelo representado poderá vir a responder, conforme o caso, penal e civilmente.
Só que em relação aos parlamentares e governantes nada acontece em face da representação infiel, atuando apenas em causa própria. Não foi para isso que foram eleitos.
É preciso mudar isso!
Kiyoshi Harada
Sócio do escritório Harada Advogados Associados. Especialista em Direito Tributário pela USP. Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário - IBEDAFT.