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Os planos de saúde devem cobrir medicamentos cuja indicação não está especificada na bula (off label)?

Muitos usuários de planos de saúde recorrem à justiça pela recusa de cobertura de medicamentos com uso não previsto na bula. Este artigo esclarece essa questão e fornece orientações para médicos e pacientes.

sexta-feira, 24 de maio de 2024

Atualizado às 09:12

Introdução 

Na atualidade, muitos usuários de planos de saúde estão recorrendo à justiça em razão da recusa de cobertura de medicamentos com indicação não prevista na bula.

Contudo, grande parte dos usuários não compreendem o que significa o uso não previsto em bula e, ao enfrentar a negativa do plano de saúde, não sabem como agir para garantir o acesso ao medicamento.

Portanto, este artigo foi desenvolvido com o objetivo de esclarecer essas questões, fornecendo orientações para médicos e pacientes diante da recusa, assim como explorando as possibilidades legais disponíveis.

Afinal, o que é medicamento de uso não especificado em bula (off label)?

A fabricação de medicamentos envolve diversos procedimentos burocráticos - incluindo, por exemplo, a aprovação por agências reguladoras, como a ANVISA, e a elaboração da bula, que detalha os resultados obtidos nas pesquisas iniciais com o medicamento. Contudo, a medicina é uma ciência dinâmica, que evolui de maneira constante.

Por essa razão, não é raro observar situações em que medicamentos demonstram benefícios práticos no tratamento de doenças que não foram inicialmente previstas na bula, especialmente em casos de emergência, como no tratamento do câncer.

Nesse sentido, a expressão "off label", que pode ser interpretada como "além da indicação", surge no debate. Ou seja, o termo indica que a abordagem envolve a recomendação de um medicamento para finalidades distintas das originalmente descritas na bula.

Ocorre que, em razão da demora na atualização das bulas e da prescrição médica baseada em situações específicas, muitas vezes as operadoras de planos de saúde recusam a cobertura para esses medicamentos, ainda que a sua eficácia tenha sido comprovada.

Se a seguradora se recusar a cobrir um medicamento essencial para a vida do paciente, qual seria a primeira medida a ser tomada?

A etapa inicial envolve a consulta a um advogado para analisar se todos os documentos necessários foram devidamente apresentados à seguradora, a exemplo da justificação médica para a prescrição do medicamento.

Se a urgência for significativa devido ao estado de saúde do paciente, é aconselhável buscar uma medida judicial urgente, como a tutela antecipada, visando obter do Poder Judiciário a cobertura e disponibilização imediata do medicamento pela operadora.

Quais os documentos essenciais para o ajuizamento da demanda?

Para evidenciar a urgência do pedido e a indispensabilidade do medicamento, é crucial possuir documentos médicos que apresentem a prescrição do medicamento e a sua justificativa, assim como os estudos de referência aptos a  comprovar a eficácia do tratamento na situação específica do paciente.

O plano de saúde é obrigado a cobrir medicamento off label? Qual o entendimento do judiciário?

A operadora de plano de saúde é obrigada a cobrir medicamentos de uso não previsto em bula quando há expressa recomendação médica e estudos científicos embasando a utilização do medicamento para o tratamento da doença do paciente. Isso porque, o Código de Ética Médica indica que é imperativo que os profissionais da saúde busquem continuamente aprimorar seus conhecimentos.

O código ressalta, ainda, que nenhuma orientação proveniente de hospitais e instituições públicas ou privadas devem influenciar na autonomia do tratamento estabelecido pelo médico. Este princípio é expressamente delineado no início do código, âmbito em que também são estabelecidos os fundamentos éticos para a prática médica.

Diante dessa situação, torna-se evidente que as decisões práticas relacionadas à qualidade de vida e saúde do paciente devem priorizar a efetivação dos direitos fundamentais à vida, à saúde e à dignidade humana.

Esses direitos não devem ser subjugados por restrições de ordem econômica ou administrativa do plano de saúde, tampouco podem ser simplificados por avaliações de sorte ou análises de custo-benefício econômico em relação aos tratamentos. Isso, especialmente quando outros medicamentos não apresentam a eficácia esperada para combater a enfermidade em questão.

É importante indicar que o custeio de medicação off label por parte das operadoras de planos de saúde proporciona a descoberta prática de novas indicações. Nesse contexto, a doutrina se assenta no entendimento de que a abordagem off label se destaca como uma alternativa bastante eficaz1.

Não por acaso, tendo em vista que a relação jurídica entre o plano de saúde e paciente tem, em regra, natureza consumerista, o e. TJ/DF possui entendimento consolidado no sentido de ser "nula de pleno direito a cláusula contratual que exclui da cobertura do plano de saúde o fornecimento de medicamento não convencional off label imprescindível à preservação da vida do segurado, por constituir prática abusiva, que expõe o consumidor a desvantagem exagerada (art. 51, inciso IV do CDC)"2. Isso, pois este Tribunal entende que o direito à vida e à saúde dos pacientes deve preponderar sobre qualquer outro.

De mais a mais, no referido precedente, este Tribunal salientou caber ao profissional médico, e não à seguradora, a escolha do tratamento adequado ao integral restabelecimento da saúde do paciente; podendo os planos de saúde estabelecer quais doenças serão cobertas, mas não limitar o tipo de tratamento a ser prescrito.

No mesmo sentido, existem diversos julgados que sedimentam que a definição do protocolo de tratamento da enfermidade do paciente compete ao médico, de modo que somente a ele cumpre realizar avaliação adequada do medicamento prescrito com a consideração das indicações da bula/manual autorizadas pela ANVISA3.

Nessa esteira, verifica-se que é vedada à operadora de plano de saúde utilizar interpretações que justifiquem o descumprimento de suas obrigações contratuais ou que tenham o efeito de prejudicar a finalidade primordial do serviço prestado.

Conclusão

Como discutido neste artigo, a prescrição de medicamentos fora da indicação da bula é uma prática médica que busca oferecer ao paciente um tratamento mais eficaz, especialmente quando outras opções não funcionam.

Nesse sentido, é de se observar que a jurisprudência brasileira tem considerado a recusa de cobertura por parte do plano de saúde como abusiva na maioria dos casos em que a hipótese versa sobre medicamento de uso não especificado em bula. Assim, recorrer à justiça é, muitas vezes, uma maneira eficaz de garantir que o paciente receba a medicação necessária.

Se houver dúvidas ou interesse em buscar assistência legal para lidar com recusas de cobertura de medicamentos fora da indicação da bula, os profissionais do Escritório estão à disposição para fornecer informações adicionais e esclarecer qualquer dúvida pendente.

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1 RAPOSO, Vera Lúcia. Da proteção dos Consumidores-Paciente na Prescrição Off label. In: Revista de Direito do Consumidor. Vol 110/2017, mar./abril/2017, p. 163-186.

2 TJDFT, Acórdão n.1073349, 07168433420178070001, Relator: ROMEU GONZAGA NEIVA 7ª Turma Cível, Data de Julgamento: 07/02/2018, publicado no DJE: 16/02/2018. Pág.: Sem Página Cadastrada.

3 Acórdão n. 1429720, 07058810420218070003 APC, Relatora: DIVA LUCY DE FARIA PEREIRA, 1ª Turma Cível, Data de Julgamento: 08/06/2022, publicado no DJE: 20/06/2022.

TJ-DF 07074200220218070004 DF 0707420-02.2021.8.07.0004, Relator: EUSTÁQUIO DE CASTRO, Data de Julgamento: 10/02/2022, 8ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 24/02/2022.

AgInt no AREsp 1678991/SP, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/12/2020, DJe 18/12/2020. TJ-DF 07074200220218070004 DF 0707420-02.2021.8.07.0004, Relator: EUSTÁQUIO DE CASTRO, Data de Julgamento: 10/02/2022, 8ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE: 24/02/2022.

Julia Vaz

Julia Vaz

Sócia do escritório Malta Advogados; Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Brasília - UniCEUB; e Pós-graduanda em Direito Médico e Bioética pela Escola Brasileira de Direito - EBRADI.

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