Caminhos alternativos à rescisão contratual: As possibilidades para empregadores em momentos de crise repentina
Existem soluções legais para a flexibilização da legislação trabalhista no enfrentamento de crises. Essas soluções podem auxiliar na manutenção do emprego e da função social da empresa.
quinta-feira, 23 de maio de 2024
Atualizado às 08:11
Para além da imagem estereotipada do empresário bem-sucedido que vive de vultosos lucros e dividendos, o maior empregador brasileiro possui uma outra face: trata-se do micro e pequeno empresário, geralmente de classe média, que encontra na sua empresa a sua única fonte de renda, muitas vezes um investimento de vida.
As ME - Microempresas e EPP - Empresas de Pequeno Porte foram responsáveis por 80,1% de todos os empregos formais gerados no Brasil no ano de 2023. As micro e pequenas empresas são o principal motor da nossa economia, levando emprego e renda para praticamente 40% da população do país.
São empregadores que possuem poucos empregados, muitas vezes conhecidos do bairro, e que dependem rigorosamente da produção/venda do dia a dia para fechar as contas, pagar seus fornecedores, cumprir com a folha de pagamento e retirar o lucro para sua subsistência.
Esses dados são extremamente importantes para colocar um fato em perspectiva: o risco do negócio assumido por esses empregadores tende a ser muito mais pesado quando comparado ao dos grandes empregadores. O peso não é somente financeiro; existe uma relação direta com seus empregados, e a interrupção repentina da fonte de receitas dessas empresas ameaça diretamente essa relação.
Essa fragilidade ficou escancarada na crise da pandemia de COVID-19, que forçou milhares de pequenas empresas a fecharem e permanecerem inadimplentes com seus credores e colaboradores. Situação que infelizmente está começando a se desenhar na tragédia das enchentes do Rio Grande do Sul, em curso neste mês de maio de 2024.
O capital de giro é escasso, a empresa permanece fechada por dias ou semanas, os cintos apertam, e a solução mais rápida e desesperada é a rescisão contratual. A legislação trabalhista, contudo, traz algumas possibilidades para garantir o emprego do colaborador em momentos de crise repentina.
Um instrumento jurídico que poucos estão atentos e que as empresas podem utilizar em tempos de calamidade é a lei 14.437/22, que ratificou os termos da MP 1.109/22. Esta instituiu a adoção de medidas de flexibilização trabalhista para "enfrentamento das consequências sociais e econômicas de estado de calamidade pública em âmbito nacional ou em âmbito estadual, distrital ou municipal reconhecido pelo Poder Executivo federal". Não se trata de uma lei restrita ao período pandêmico da COVID-19, mas que poderá ser utilizada em situações de calamidade pública devidamente reconhecidas pelo Poder Executivo federal.
Diversos pontos de flexibilização da CLT, como antecipação de férias individuais, concessão de férias coletivas, aproveitamento e antecipação de feriados, instituição e alimentação de banco de horas, suspensão da exigibilidade do recolhimento do FGTS, dentre outras medidas, poderão ser utilizados para a preservação do emprego e da renda.
A CLT também traz opções clássicas que não devem ser esquecidas: um instituto ainda pouco conhecido no país, mas que ganhou notoriedade na pandemia de COVID-19, é a suspensão do contrato de trabalho para requalificação profissional, conforme disposto no art. 476-A da CLT. Por meio de negociação coletiva e aquiescência formal do empregado, o contrato de trabalho poderá ser suspenso de 2 a 5 meses com o pagamento da remuneração do empregado por meio dos recursos do FAT - Fundo de Amparo ao Trabalhador.
Uma segunda opção de lay-off é a possibilidade de redução da jornada de trabalho com a redução proporcional de salários não superior a 25%, mediante acordo com a entidade sindical, nos termos da lei 4.923/65. A principal diferença é que o empregador ainda continuará responsável pelo pagamento dos salários do período. É igualmente permitida, caso comprovado motivo de força maior ou comprovados prejuízos, a redução geral dos salários dos empregados da empresa, em percentual não superior a 25%, conforme previsto no art. 503 da CLT.
Frise-se que o sindicato da categoria precisa e deve ter participação ativa nesses momentos de crise, agindo como facilitador na manutenção dos empregos, especialmente depois da importância dada pelo legislador às negociações coletivas, ao se sobreporem à lei. Uma infinidade de soluções poderá ser costurada por meio de negociação coletiva, desde que não determinem a supressão ou redução dos direitos previstos no art. 611-B da CLT.
Por fim, caso o empregador não resista ao período de inanição, resultando no fechamento da empresa em razão de força maior e na necessidade de prosseguir com a rescisão contratual, poderá ser devido o pagamento de metade dos haveres rescisórios, nos termos do art. 502 da CLT.
Em suma, o legislador não permaneceu estático diante do dinamismo da economia e em momentos de calamidade, permitindo ações para salvaguardar o emprego. Importante pontuar, em conclusão, que não se trata de uma cartilha de como reduzir direitos do trabalhador, mas da indicação de saídas alternativas à dispensa dos empregados. Caminhos que podem auxiliar na manutenção de postos de trabalho, garantir a renda e a subsistência do empregado, além de auxiliarem em uma tentativa de sobrevida da empresa e da sua função social.
Leonardo Santos
Especialista em Direito e Processo do Trabalho (Universidade Católica de Pernambuco). Graduado em Direito (Faculdade Damas). Advogado sócio da Área Trabalhista em Melquíades Advogados.