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Reurb em ano de eleições

Rose Ramires

Dúvidas permeiam o processamento da Reurb em anos eleitorais. A legislação parece conflitar e os entendimentos e interpretações são vários, considerando o direto envolvimento da autoridade municipal.

quarta-feira, 22 de maio de 2024

Atualizado às 08:30

Espere aí, vamos com calma....

O que exatamente se refere essa pergunta?

Pode protocolar Reurb em ano eleitoral? Pode o poder público iniciar procedimento de Reurb de ofício em ano de eleição? Pode o município dar andamento ou fazer processamento de processo administrativo de Reurb protocolado? Pode o município emitir CRF - Certidão de Regularização Fundiária em processo de Reurb? Pode haver distribuição de matrículas decorrentes de Reurb em ano eleitoral?

Afinal, pode ou não pode?

Existem sim, condutas vedadas em período eleitoral e isso está bem descrito no art. 73 da lei eleitoral (lei 9504/97), que proíbe em ano de eleições a distribuição de bens, valores ou benefícios pela Administração Pública, com exceções previstas no §10 que, dentre outras na alínea "c", trata, entre as exceções, de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior.

Daqui já extraímos 2 situações: REURB É AUTORIZADA EM LEI FEDERAL E DISPENSA LEI MUNICIPAL, nos termos do art. 28, da lei 13465/17. Logo, é anterior ao ano eleitoral de 2024 e preenche o requisito legal da exceção prevista em lei, no meu entendimento.

Passando ao segundo ponto da exceção, "já em execução orçamentária no exercício anterior...". Aqui se tem uma segunda interpretação, qual seja: a princípio só estariam vedadas as Reurb's de ofício. Porém as que são instadas pelos particulares, sejam "E" ou "S", custeadas colaborativamente em todo o processo que estariam enquadradas na exceção do artigo e daí podem, sem sombra de dúvidas, serem efetivadas.

Mas, será que a interpretação é tão simples assim? Não!

É necessário que as suas normas sejam analisadas em conjunto.

Legitimação Fundiária, Legitimação de Posse e Concessão de Direito Real de Uso, ou de moradia, conforme entende Jamilson Sabino, "constituem distribuição gratuita de bens, valores e benefícios" e a "regularização fundiária é um programa social, mas isso não basta para autorizar o Administrador que adote a exceção do §10 em comento, sendo preciso ter lei prevendo e destinação orçamentaria no exercício anterior".

Mesmo tendo sido a Reurb instituída por lei Federal anterior - o que em tese significaria dizer que a Reurb é programa social que dispensa lei municipal anterior ao ano eleitoral - notamos, infelizmente, que as decisões dos Tribunais têm se baseado na lei mais severa, qual seja, o entendimento de que para os programas sociais que distribuem benefícios - e entre eles a Reurb - devem estar previstos em lei e ter verba orçamentária arbitrada no ano anterior.

Mas isso leva há a outro questionamento: mesmo tendo sido previsto e legalizado no ano anterior ao eleitoral, pode haver entrega desses títulos, decorrente de processo já iniciado e previsto no ano anterior?

Algumas decisões entendem que somente será possível a distribuição em continuação, ou seja, se a distribuição desses títulos se iniciou no anto anterior. Daí sim, pode ser dada continuidade, pois não se estaria iniciando a distribuição, mas sim continuando o que já fora iniciado. Caso contrário ao iniciar a distribuição no ano eleitoral, corre-se sério risco de incidir na conduta vedada na lei eleitoral o que impede a distribuição dos benefícios.

Se já começou, entendo que pode continuar. Se não começou, não poderá iniciar no ano do pleito, pois fatalmente poderá incidir em infração ao art. 73 e isso também tem que ser analisado pela quantidade de entrega de títulos. Se no ano anterior foram entregues 10 ou 20, pode-se incidir em excesso na entrega em ano eleitoral de 100 ou 200, podendo aí incorrer na infração por suposta tentativa de "angariar" eleitores, com abuso do poder público.

Para esgotar esse ponto, antes de passar aos demais, tem-se a situação de estar tudo dentro da norma, na previsão legal, observando a anterioridade da verba destinada, na entrega de 100 títulos no ano anterior com previsão de mesmos 100 no ano eleitoral, no exemplo dado.

Mas surge aí ainda outro ponto: pode o gestor participar dessas entregas?

Sou do time que entende que pode haver titulação e conclusão de Reurb em ano eleitoral, mas não pode haver uso eleitoreiro desse fato, não podendo transformar a entrega de títulos em palanque eleitoral, sendo certo o não comparecimento da autoridade municipal no evento.

Nessa baila, muitos municípios foram orientados pelos seus procuradores à não efetivar o processamento da REURB que fossem protocoladas ou iniciadas após março de 2024, ano em questão. Contudo, não existe em nenhum lugar essa "data", apenas em sendo considerado o prazo de 90 a 180 dias antes da eleição, período que tornam mais ferrenhos diversos impedimentos aos candidatos, e tratando assim, no meu entendimento, de cautela.

Que tais condutas são impedidas, é o que parece imperar, mas e as reuniões de núcleo, são vedadas em período eleitoral? Entendo que a simples reunião de beneficiários cadastrados, sem a efetiva participação de candidatos não fere a lei eleitoral, mas não se pode sequer fazer menção à votos, eleições ou partido. E essa preocupação é tão somente, no meu entendimento, para Reurb promovida pelo poder público. Reuniões promovidas por particulares são livres, sem vedações, mas igualmente sem fazer menção à candidatos, associações ou instituições ligadas a ou por eles promovida. Se assim o for, incide em captação de votos.

E você conhece algum promotor de Reurb ligado à algum candidato? Aproveite e manda para ele esse artigo... porque, na visão desta especialista, "não pode não"!!!!

Até aqui, tratando de lei orçamentaria anterior, entende-se que está se referindo à Reurb promovida pelo Município. Contudo, o que dizer das Reurb's "E" ou "S", promovida pelo particular? Pode o Município recusar o recebimento ou andamento? E a distribuição de títulos?

Vejamos... O procedimento de Reurb é por natureza um processo administrativo, que se sujeita às regras de direito administrativo. Processos administrativos, o andamento deles e pleitos administrativos são atividades inerentes ao poder público. Faz parte da administração pública receber e processar, dar andamento aos pleitos e processos administrativos. Assim, não pode o município negar um protocolo de Reurb, ou negar andamento de processos de Reurb sob a "justificativa" de que é ano eleitoral. Isso sim seria infringir a lei e incidir em improbidade administrativa e o fundamento para tal gravosa opinião é que a Reurb é norma de ordem pública, ou seja, não é discricionariedade do Município. É poder-dever de regularizar.

A administração pública tem o poder-dever de promover a regularização fundiária e não é uma opção, como ensina Sabino Lisboa, "não é uma escolha do município".  Logo não há impedimento de protocolar-se pedido de regularização fundiária, tampouco o recebimento ou andamento do processo de regularização fundiária.

Nesse sentido, se não pode impedir andamento de Reurb promovida pelo particular, essa pode ser finalizada e ser feita a titulação em ano eleitoral?

Obviamente que sim, mas não pode, ressalto, de forma alguma haver alusão, direta ou indireta à partidos, candidatos, votos, sendo proibida qualquer menção a isso, assim valendo também para impossibilidade de candidato participar de distribuição de títulos ou fazer da Reurb palanque eleitoral.

Infelizmente não é o que se vê. Os gestores municipais estão fazendo das entregas de títulos em Reurb verdadeiro palanque, levando pré-candidatos a vereadores e seus sucessores partidários para as entregas, promovendo-as amplamente desde o ano passado. Eu mesma atuei em liminares para anular títulos de Reurb e legitimação fundiária emitidos o ano passado sem critério, sem obedecer a lei. São verdadeiras expropriações que não observaram sequer notificações, sendo expedidas com total cunho eleitoreiro, liminares essas que foram deferidas, suspendendo a eficácia de dezenas de títulos.

Assim também o fazem empresas que, coligadas à partidos e candidatos fazem promessas indevidas e tendenciosas, mais preocupadas com as vantagens políticas do que com o processo e procedimento, pondo em xeque até mesmo os objetivos da Reurb e em franco prejuízo das dezenas de outras empresas e profissionais éticos que trabalham de forma correta.

Dessa forma, seja promovida pelo poder público ou pelo particular, o processamento da Reurb não só é possível, como permitido, se vendando a utilização de cunho eleitoreiro, fazendo das Reurb's palanques eleitorais, com cautelas adicionais para as que forem de ofício, não instadas pelos particulares.

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Jamilson Lisboa Sabino, Manual de Regularização Fundiária Urbana, Editora Fórum, 2022;

NALINI, José Renato; Regularização Fundiária Editora Forense, 2014

Site TREMG, TRERJ

Rose Ramires

Rose Ramires

Advogada, Consultora, Palestrante e Mentora. Especialista em Regularização Fundiária e Imobiliária. Criadora do curso/mentoria REURB 4.0. Criadora de conteúdo digital com foco em Regularização Fundiária Urbana.

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