Relação de consumo em tempos de sociedades adoecidas
Homens, seres sociais, moldados por interações culturais e econômicas, desde a Revolução Industrial até regras de proteção ao consumidor, enfrentam desafios como superendividamento, ressaltando a importância do equilíbrio de poder, conforme Montesquieu.
segunda-feira, 20 de maio de 2024
Atualizado às 09:54
Introdução
Os homens, como seres naturalmente sociáveis, qualidade inescapável uma vez que inseridos no mundo atual, onde o convívio social e a cultura atuam como fontes criadoras de sua própria identidade e desenvolvimento tanto pessoal quanto profissional, além de econômico, onde realizam a transmissão de produtos e serviços, seja pela permuta ou comércio, visando trazer facilidades para o seu dia a dia e aprimoramento em diversas esferas de sua vida.
A Revolução Industrial (século XVIII) foi responsável pela migração das famílias dos campos para as cidades e pela industrialização dos processos de fabricação, onde antes somente força bruta com mãos e braços foi substituída por máquinas e, futuramente, pela automatização, o que possibilitou o aumento da produção e, consequentemente, do consumo de produtos.
A sociedade era marcada pela divisão dos que tinham poder (terras) e pelos que, em decorrência de não serem proprietários de terras, sofreram mitigação em sua liberdade e autonomia, num ato reflexo de poder dos mais abastados sobre os oprimidos, cujas vontades são implantadas em seu cerne de forma massiva e imperceptível a eles, onde é vendida a ideia de que possuir produtos lhes conferirão parte de um poder que a pobreza de terras os tira.
Dando um grande salto temporal, porém, sem perder de foco o consumidor como a parte vulnerável do sistema, tem-se hoje um Estado que positiva regras de proteção ao consumidor as classificando como garantias individuais que protegem, ao final, a dignidade da pessoa humana, asseverando a ideia de que os mais poderosos atuam num jogo de marionetes, projetando sobre os menos abastados o consumo impulsivo, exacerbado e desarrazoado, atos que culminam no que chamamos hoje, por exemplo, de superendividamento.
Neste ponto, vale ressaltar o pensamento trazido por Montesquieu, aduzindo sobre o poder e a necessidade de que não seja desenfreado, concentrado nas mãos de um único soberano:
"Para que não haja abuso, é preciso organizar as coisas de maneira que o poder seja contido pelo poder. Tudo estaria perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpo dos principais, ou dos nobres, ou do povo, exercesse esses três poderes: o de fazer leis, o de executar as resoluções públicas e o de julgar os crimes ou as divergências dos indivíduos. Assim, criam-se os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, atuando de forma independente para a efetivação da liberdade, sendo que esta não existe se uma mesma pessoa ou grupo exercer os referidos poderes concomitantemente." MONTESQUIEU, B. Do espírito das leis. São Paulo Abril Cultural, 1979 (adaptado).
Ocorre, porém, que em decorrência das culturas internacionalizadas, das praticas de modismo e do bombardeio de propagandas direcionadas nas redes sociais, o consumidor se torna, novamente, vulnerável. Inicia-se uma nova modalidade de vulnerabilidade que decorre da mitigação da autodeterminação que afasta o seu originário poder de escolha.
A nova modalidade de vulnerabilidade decorre unicamente do próprio consumidor que cai nessa armadilha (consumismo por impulso) para se sentir incluído em um determinado grupo social. É a necessidade da aceitação.
Essa pratica resulta no adoecimento social e tem como sintomas o superendividamento, o afastamento da autonomia da vontade no momento da realização da compra e o burnout.
Por este giro, salutar que se traga o questionamento sobre até que ponto, de fato, o consumidor se reconhece em seu papel de vulnerável, sendo induzido a práticas nocivas para a sua própria saúde financeira e desequilíbrio econômico social ou como puramente libre e independente em suas escolhas. Contudo, como apontado por Reale:
"A liberdade política não consiste de modo algum fazer aquilo que se quer. Em um Estado, isto é, em uma sociedade na qual existem leis, a liberdade não pode consistir apenas em poder fazer aquilo que se deve querer e em não ser obrigado a fazer aquilo que não se deve querer [...]. A liberdade é o direito de fazer tudo aquilo que as leis permitem" (REALE, G.; ANTISERI, D. História da Filosofia. São Paulo: Paulus, 2000. 2.v.)
Mecanismos para proteção do consumidor
As necessidades sociais decorrentes do natural avanço do tempo e da influência cultural do mundo globalizado são naturalmente refletidas no ordenamento jurídico. As pessoas se relacionam livremente até que haja, num determinado ponto, um desarranjo reiterado de forma a desestabilizar a sociedade. Neste momento, atua o Estado-Legislativo positivando regras comportamentais visando restabelecer a ordem social.
Neste sentido, as leis não limitam a liberdade, mas a asseguram a cada cidadão. Este é o princípio do constitucionalismo moderno e do estado de direito.
O art. 5°, XXXII, da Constituição Federal prevê como garantia fundamental do individuo a sua proteção nas relações de consumo, instituindo o patamar de direito constitucional ao tema.
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