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Por um plano de emergência e fundo nacional de apoio ao RS

O princípio da solidariedade na CF/88 e o federalismo por cooperação têm guiado ações de apoio ao Rio Grande do Sul após uma catástrofe, com doações de recursos diversos. Contudo, há preocupações sobre desvios de fundos e fake news.

quarta-feira, 15 de maio de 2024

Atualizado às 13:17

O princípio da solidariedade, positivado na CF/88, tem norteado diversas ações privadas para amparo à catástrofe ocorrida no Rio Grande do Sul.

Igualmente o conceito de federalismo por cooperação apresenta diversos exemplos com as doações que estão sendo realizadas de recursos orçamentários, humanos e materiais em auxílio ao povo gaúcho.

Infelizmente, não se pode ignorar a existência de notícias veiculadas acerca de desvios na instituição de fundos que destinam a verba angariada para fim diverso para o qual é divulgado, bem como a expansão de diversas fake news.

Segundo Zygmunt Bauman, "embora as raízes do perigo possam ser dispersas e confusas, queremos que nossas defesas sejam simples e prontas a empregadas aqui e agora". Portanto, não se pode ignorar, mas é fundamental pensar em estratégias jurídicas para lidar, de modo planejado, a superação deste cenário, com ações de curto, médio e longo prazo.

De imediato, fundamental pensar em logística para aquisição estratégica e distribuição dos itens essenciais arrecadados.

A nova lei de licitações e contratos administrativos brasileira fomenta, por exemplo, as compras centralizadas, justamente, para gerar ganhos de eficiência. Caso se replique esta lógica para apoiar o Rio Grande do Sul, parece interessante cogitar na instituição de um Fundo Nacional Emergencial através de lei, nos moldes do art. 167, IX, da CF/88.

O art. 71, da lei 4.320/64 define que "constitui fundo especial o produto de receitas especificadas que, por lei, se vinculam à realização de determinados objetivos ou serviços, facultada a adoção de normas peculiares de aplicação."

Entende-se que não se estaria diante da vedação instituída pela emenda constitucional 109/21, que, no art. 167, XIV, proíbe "a criação de fundo público, quando seus objetivos puderem ser alcançados mediante a vinculação de receitas orçamentárias específicas ou mediante a execução direta por programação orçamentária e financeira de órgão ou entidade da administração pública", uma vez que um Fundo Nacional Temporário poderia receber os aportes de doações privadas e públicas, bem como realizar compras centralizadas e inteligentes, de modo a atender as necessidades repassadas pelos administradores públicos da localidade afetada.

Tal iniciativa daria transparência para os gastos realizados e serviria por si só como mecanismo de fomento, que, em conjunto com outros incentivos, tais como, possibilidade de dedução do imposto de renda da verba doada para o fundo, pode ter o condão de atingir interessantes resultados práticos.

Por óbvio que não se está a ignorar a capilaridade de iniciativas privadas de angariar recursos em nichos específicos. O que se está a propor é que esses recursos sejam destinados a um fundo público nacional para gerenciar de acordo com as necessidades e superando entraves logísticos e com planejamento macro.

Imprescindível que o mencionado fundo seja instrumental para planejamento e planos de enfrentamento de desastres climáticos, que serão cada vez mais presentes na realidade do país.

Fundamental que a composição da gestão deste Fundo seja realizada por integrante das três linhas de defesa prevista na lei 14.133/21, bem como membros da sociedade civil, sempre com o norte de conferir agilidade, planejamento, probidade, transparência e eficiência na atuação.

A pulverização de recursos privados e públicos não parece fazer frente à necessidade de lidar com cenário assolado por uma guerra e muito menos em um pós-guerra, nas palavras utilizadas pelo governador da capital gaúcha.

A doação de verbas orçamentárias públicas dos três poderes da República, bem como das 3 esferas da federação em prol de Fundo Nacional parece guarnecer de segurança jurídica os ordenadores de despesas das instituições.

O racional do art. 168, §1º, da CF/88, incluído pela Emenda Constitucional 109/2021, ao vedar "a transferência a fundos de recursos financeiros oriundos de repasses duodecimais", uma vez que se trata situação de calamidade, sob a qual, em um juízo de ponderação, deve prevalecer o dever de solidariedade.

Nesta linha é a previsão do art. 74, da lei 4320/64 ao prever que "a lei que instituir fundo especial poderá determinar normas peculiares de controle, prestação e tomada de contas, sem, de qualquer modo, elidir a competência específica do Tribunal de Contas ou órgão equivalente."

A transparência, na arrecadação e nos gastos, se traduz como um mecanismo de incentivo comportamental para angariar recursos privados.

Importante destacar que, em cenário emergencial, as contratações diretas do mencionado Fundo seguem a mesma lógica de casos emergenciais, moldados no Capítulo VIII da lei 14.133/21.

Bertolt Brecht anuncia "que tristes tempos são estes em que teremos que defender o óbvio". Por isso, é importante que se destaque: a instituição do mencionado Fundo Emergencial não exclui o dever de manutenção dos repasses dos demais fundos constitucionais ou legais, tais como FUNDEB.

Frisa-se que a temporariedade do mencionado Fundo não deve ficar circunscrita à emergência de primeira ordem, devendo ter sua perenidade enquanto for necessária para o restabelecimento de infraestrutura das áreas afetadas.

Contudo, conforme destacado, existirá um cenário de pós-guerra a ser enfrentado. Para tanto, parece que a manutenção deste Fundo se mostrará igualmente fundamental. Neste caso, as contratações diretas não devem ser consideradas presumidas, mas sim seguir a tramitação da regular da lei geral de licitações.

Imperioso que a governança e governabilidade que o estado brasileiro deve incorporar como um "novo normal" seja lida a partir do art. 174 da CR/88, caput e §1º, da CR/88, de modo a permitir o desenvolvimento nacional equilibrado através de incorporação e compatibilização de planos nacionais e regionais de desenvolvimento.

Nessa senda, o art. 170, VI, da CR/88 elenca, como um dos princípios a orientar a ordem econômica, a defesa do meio ambiente. Fato este que se coaduna com o dever estatal de defesa e preservação, nos termos do art. 225 do texto constitucional.

Nas palavras de Peter Drucker, "não podemos prever o futuro, mas podemos criá-lo". Que o processo criativo seja compartilhado com os agentes públicos e privados em prol das terras gaúchas através de planificações pautadas pela responsividade técnica e política que se espera dos agentes públicos brasileiros.

Jessé Torres Pereira Junior

Jessé Torres Pereira Junior

Magistrado aposentado. Conferencista Emérito da EMERJ. Consultor Jurídico.

Thaís Marçal

Thaís Marçal

Advogada. Motta Fernandes Advogados. Doutoranda e Mestre pela UERJ.

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