Redes sociais e o excesso de litígios no Brasil
As redes sociais impactam os processos judiciais no Brasil devido ao seu amplo alcance populacional e ao potencial de influenciar o comportamento e as opiniões das pessoas.
quarta-feira, 15 de maio de 2024
Atualizado às 07:55
Você deve estar se perguntando se existem motivos para as redes sociais impactarem o volume de processos judiciais no Brasil. A resposta é sim e, na verdade, muitos são os motivos que contribuem para essa afirmação.
Antes de entrar nas consequências para o judiciário, vamos falar um pouco sobre as redes sociais. Não é de hoje que essas mídias têm ganhado cada vez mais espaço e notoriedade na vida dos brasileiros. Segundo levantamento feito pela Comscores1, o Brasil é o terceiro país que mais utiliza essas plataformas digitais. Isso corresponde, segundo o estudo, a mais de 130 milhões de pessoas conectadas. As redes sociais mais utilizadas são o YouTube, Facebook e Instagram, seguidas pelo TikTok, Kwai e Twitter, respectivamente.
Esse alcance populacional acabou trazendo novas perspectivas e oportunidades. O que, inicialmente, era usado com fins de entretenimento e interação mais voltados para o âmbito pessoal, passou a ser uma importante ferramenta de promoção profissional. Isso aconteceu de forma gradativa e natural nos últimos anos, diante do potencial de alcance e os invejáveis níveis de engajamento das redes sociais.
Ao contrário dos veículos convencionais, como televisão e rádio, as mídias sociais permitem uma interação mais direta com o público desejado, conseguindo conectar de forma mais assertiva e rápida quem possui determinado produto com quem o deseja. Isso ocorre em razão do monitoramento do padrão de comportamento dos usuários das plataformas. Com o uso recorrente das redes é possível mapear o perfil de consumo dos usuários e saber quais assuntos ou produtos mais interessam aquele universo de pessoas.
Com tanta eficiência e alcance, fica fácil entender o porquê dessas plataformas se tornarem ferramentas tão relevantes também no universo empresarial. É aí que começa a relação entre as redes sociais e o excesso de litigiosidade no Brasil.
É bom destacar que nossa análise será concentrada no âmbito cível, que é a matéria responsável pelo maior volume de processos em curso nos tribunais do país.
Segundo dados do CNJ, saltamos de 21 milhões de novos processos distribuídos em 2020 para 28 milhões no ano de 2023. Isso representa um crescimento de 35% no volume de novas ações distribuídas anualmente. Não por acaso, esse aumento ocorreu durante a pandemia, momento em que as redes sociais tiveram um papel ainda mais relevante nas relações humanas.
Pois bem. Com as plataformas sociais cada vez mais em evidência, nichos profissionais que utilizavam pouco essas mídias para fins "comerciais", passaram a olhar com mais atenção para essa solução. Nesse contexto, podemos dizer que os advogados foram alguns dos profissionais que começaram a migrar suas iniciativas, a fim de gerar engajamento com seu conteúdo e obter leads para potencializar seus negócios.
Nesse cenário, os primeiros influencers jurídicos começam a surgir. Em um primeiro momento, esses perfis se limitavam a compartilhar sua rotina de trabalho e dividir o dia a dia da advocacia. Depois, seguindo uma tendência que se alastrou rapidamente, perceberam que poderiam rentabilizar essa interação através da venda de cursos para outros colegas de profissão. Foi aí, então, que começou a escalada no número de advogados com alto volume de ações distribuídas com ajuda das redes sociais.
Antes disso, já existiam advogados com muitos processos, inclusive várias operações criminais foram deflagradas para apurar conduta irregulares de alguns deles. Nas vias convencionais os advogados atuavam para angariar clientes diretamente para sua carteira, cometendo, inclusive, atos ilícitos para captação de clientela em algumas oportunidades. Com as redes sociais o modus operandi mudou. O foco desses colegas não era o cliente final (consumidor), mas, sim, outros advogados interessados em potencializar o número das ações patrocinadas. Dessa forma, esses influenciadores passaram a vender cursos nas redes sociais ensinando as artimanhas para outros advogados aumentarem o volume de processos ajuizados.
O problema é que muitos desses cursos compartilham estratégias que violam a legislação cível e criminal e acabam se tornando uma variável do problema. Além de várias táticas tratarem o judiciário como o único caminho para solução de problemas, muitas delas ainda incentivam o ajuizamento de múltiplas ações sem necessidade. Demandas que poderiam ser tratadas em um único processo, por exemplo, são fatiadas em diversas ações, levando um volume de processos ao judiciário muito maior do que a quantidade de conflitos realmente existentes. A promoção desse ensinamento não é em vão. Como dito por vários desses influenciadores, com mais ações ajuizadas, os "alunos advogados" podem potencializar a chance de êxito nas suas ações e ainda viabilizam a cobrança de mais honorários (muitas vezes disfarçados em taxas) dos potenciais clientes.
Para agravar a situação, também temos advogados que passaram a usar as redes sociais para realizar captação ativa dos seus clientes através de empresas de fachadas. Não é raro encontrar advogados como sócios de supostas "assessorias revisionais" de contratos bancários e empresas que tratam "problemas aéreos" (conhecidas também como plataformas abutres). Essa forma de captação tem sido cada vez mais recorrente e visa driblar as normas da OAB. Com esses "escritórios disfarçados", os advogados burlam regras de publicidade e captação de clientes, já que, em tese, as empresas não se sujeitam a regulação da entidade de classe.
Poderíamos citar diversos perfis que se encaixam nas reflexões deste artigo, mas como o tema é complexo e a finalidade não é exaurir o assunto, sugerimos que os leitores busquem esses termos nos seus perfis sociais para encontrar a farta amostragem de influenciadores que citamos. Adiantamos que encontrarão ex-bancários e juízes, influenciadores com perfis de viagens, defensores públicos, ex professores de cursos preparatórios e tantos outros nessa mesma linha.
Seguimos acompanhando atentamente o assunto e as constantes transformações desse mercado, para que nenhum artifício irregular passe despercebido aos nossos olhos. Mantemos firme nosso propósito de contribuir com uma advocacia ética e pautada pelos princípios da boa fé e celeridade processual.
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1 Disponível em: https://forbes.com.br/forbes-tech/2023/03/brasil-e-o-terceiro-pais-que-mais-consome-redes-sociais-em-todo-o-mundo/
Walter Silveira Moraes
Sócio do Escritório Dias Costa Advogados. Possui especialização em Relações Sindicais e Trabalhistas e em Direito Processual pela PUC-Minas. É especialista em Liderança e Gestão pela FGV. Também possui formações em Legal Design, Gestão de Projetos e Programação aplicada ao Direito. Atuação focada em Jurídico Corporativo há mais de dez anos. É Membro das Comissões de Direito Bancário e de Sociedade de Advogados da OAB/MG.