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Direitos e desafios: O direito ao pensionamento integral sob o art. 950 do CC para trabalhadores incapacitados por doença ocupacional ou acidente de trabalho

Interpretação do art. 950 do Código Civil sobre indenização a trabalhadores incapacitados gera debates. Artigo defende pensão integral para quem perde capacidade para funções anteriores.

terça-feira, 14 de maio de 2024

Atualizado às 08:06

Introdução

O direito trabalhista e previdenciário brasileiro enfrenta constantes desafios em sua aplicação prática, especialmente no que tange à compensação de trabalhadores incapacitados devido a acidentes ou doenças ocupacionais. Central a essa problemática é a interpretação do art. 950 do CC, que estabelece diretrizes para a indenização de trabalhadores que sofreram redução de sua capacidade laboral, seja essa redução de natureza temporária ou permanente. Este artigo visa elucidar a extensão da norma quanto à concessão de pensão integral em casos onde o trabalhador, mesmo não estando completamente inapto para qualquer trabalho, perde a totalidade de sua capacidade para as funções que anteriormente exercia.

A relevância desse debate se intensifica diante da crescente quantidade de litígios que envolvem a adequada quantificação do pensionamento devido, bem como a correta interpretação da noção de "incapacidade total" sob a ótica do trabalho originalmente desempenhado pelo indivíduo. Assim, este artigo se propõe a contribuir para uma compreensão mais clara e justa do direito ao pensionamento integral, argumentando que a incapacidade deve ser avaliada com foco nas funções originalmente exercidas pelo trabalhador, e não numa capacidade residual genérica para o trabalho.

Fundamentação legal

O art. 950 do CC/02 é um pilar na legislação que trata da responsabilidade civil decorrente de acidentes ou doenças que incapacitem o trabalhador para suas funções habituais. O texto legal é claro ao determinar que, se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido tenha diminuída sua capacidade para o trabalho, a compensação deve incluir uma pensão correspondente à importância do trabalho para o qual o trabalhador se inabilitou. Essa disposição legal destina-se a garantir que o trabalhador incapacitado não seja desprovido de sua principal fonte de subsistência, em função da sua nova condição.

A interpretação tradicional do artigo frequentemente se foca na incapacidade total como sinônimo de inaptidão absoluta para qualquer tipo de trabalho. No entanto, uma análise mais detalhada indica que o legislador se concentrou especificamente na capacidade de realizar as funções que o trabalhador desempenhava anteriormente, independentemente de sua formal qualificação. Assim, mesmo que o trabalhador mantenha capacidades residuais que permitam a execução de outras atividades, a perda da habilidade para exercer sua função anterior, na qual estava efetivamente engajado antes do incidente incapacitante, constitui uma incapacidade relevante para fins de indenização. Este entendimento é crucial para assegurar a justiça e equidade nas compensações, permitindo que os trabalhadores não sejam penalizados duplamente - primeiramente pela perda da capacidade laboral específica para a função habitual e, subsequentemente, pela redução indevida do montante da pensão.

Implicações práticas

Tal reconhecimento da perda total da capacidade para a função habitual, seja de forma permanente ou temporária, assume uma importância significativa ao considerar o impacto de longo prazo nas vidas dos trabalhadores especializados. Esses profissionais, muitas vezes após dedicarem grande parte ou toda sua vida a uma determinada função, encontram-se em uma posição vulnerável após um evento incapacitante. As dificuldades são muitas, incluindo:

  • Especialização e readequação profissional: Trabalhadores que se tornam mão de obra especializada em suas funções habituais adquirem habilidades e conhecimentos que não são facilmente transferíveis para outras áreas de trabalho. Quando um evento lesivo os obriga a readaptar-se a novas funções, enfrentam não apenas um desafio técnico, mas também uma barreira psicológica significativa. A readequação profissional, muitas vezes sugerida como solução, não contempla as dificuldades inerentes à transição para um campo de trabalho no qual o indivíduo não possui experiência nem treinamento prévio.
  • Dificuldades de reinserção no mercado de trabalho: A capacidade de reintegrar-se ao mercado de trabalho em uma nova função é consideravelmente diminuída para profissionais que foram incapacitados. A falta de experiência na nova área, juntamente com a possível estigmatização de ser um trabalhador reabilitado, cria obstáculos substanciais. Estes fatores são frequentemente agravados pela idade do trabalhador e pelas demandas de um mercado de trabalho cada vez mais competitivo e tecnologicamente avançado.
  • Redução do padrão remuneratório: Profissionais que são reabilitados para novas funções após uma incapacitação frequentemente enfrentam uma redução no padrão remuneratório. Com frequência, as funções para as quais são reabilitados oferecem salários base menores, o que reflete não apenas uma diminuição na capacidade de ganho, mas também uma degradação do status socioeconômico do trabalhador. Apesar da legislação garantir uma estabilidade acidentária de 12 meses, durante os quais é proibido demitir o trabalhador acidentado, e da jurisprudência trabalhista majoritariamente entender que a readaptação em nova função, compatível com as limitações do trabalhador, não deve resultar em redução salarial - a fim de preservar o propósito da reabilitação profissional e promover a dignidade da pessoa humana -, tais proteções são apenas temporárias. Após esse período, na ausência de garantias de estabilidade vitalícia, o empregador pode optar pela demissão, colocando o trabalhador em uma situação de incerteza financeira prolongada e intensificando os desafios para aqueles já vulnerabilizados.

Esses aspectos ilustram claramente a necessidade de uma interpretação jurídica que priorize a plena compensação por perdas específicas na capacidade de exercer a função habitual, reconhecendo a incapacidade total para essa função como um critério para a pensão integral. Esta abordagem não apenas alinha-se com os princípios de justiça e equidade, mas também reconhece a realidade socioeconômica enfrentada pelos trabalhadores incapacitados, que têm seus meios de subsistência e qualidade de vida drasticamente alterados.

Conclusão

A análise do art. 950 do CC revela a complexidade e profundidade no tratamento de casos de incapacidade laboral. Este artigo evidenciou que a interpretação legal deve ir além da análise superficial da capacidade residual de trabalho e focar na função específica que o trabalhador desempenhava antes do incidente incapacitante. Ao reconhecer a incapacidade total para a função habitual como um critério para a concessão de pensão integral, a legislação pode verdadeiramente amparar aqueles que dedicaram anos de suas vidas a uma especialização que, após um evento lesivo, se veem incapazes de continuar na mesma carreira.

A justiça e a equidade nas compensações não apenas proporcionam o suporte necessário para a manutenção da dignidade e do padrão de vida dos trabalhadores incapacitados, mas também refletem os valores fundamentais de um sistema jurídico que se preocupa com a proteção efetiva dos direitos laborais e sociais. Portanto, é imprescindível que o entendimento jurídico continue evoluindo para acompanhar as mudanças no mercado de trabalho e as realidades dos trabalhadores.

Em situações de incapacidade laboral, a assistência de um advogado especializado em causas acidentárias e de doença ocupacional pode ser crucial. Profissionais com experiência e conhecimento específico neste campo estão bem posicionados para assegurar que os direitos dos trabalhadores sejam plenamente defendidos e respeitados. A proteção eficaz dos trabalhadores e a promoção de uma sociedade mais justa e igualitária dependem do entendimento aprofundado e da aplicação cuidadosa das leis, garantindo que o direito ao trabalho e à compensação adequada sejam assegurados para todos, independentemente das adversidades enfrentadas.

Antonia de Maria Ximenes Oliveira

Antonia de Maria Ximenes Oliveira

Advogada especializada em Direito do Trabalho, Diretora Jurídica do SPC/RJ; Delegada da Comissão de Prerrogativas da OAB/RJ; possui especializações em Direito do trabalho como MBA em Acidente de trabalho/doenças ocupacionais, e em Direito Constitucional e Direitos Humanos - pela Universidade de Coimbra/PT.

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