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O abril despedaçado da competição brasileira de processo

Tradicional competição organizada pelo IBDP deixa de fora tradicionais universidades como USP e UnB.

sexta-feira, 10 de maio de 2024

Atualizado em 14 de maio de 2024 10:13

O ano era 2018. Os oradores da Universidade de São Paulo e da Universidade de Brasília eram chamados à tribuna para inaugurar o primeiro painel da primeira Competição Brasileira de Processo, organizada pelo coletivo Processualistas e pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Naquele ano, nenhuma das equipes dessas universidades chegou à final. Mas uma tradição estava formada definitivamente. Em torno da competição, se formaram ligas acadêmicas, e uma cultura de estudo do processo civil que motivou toda uma geração de estudantes. Os alunos que participavam em um ano se tornavam mentores dos que competiriam no ano seguinte, até que, em 2022, após 5 anos de esforços, a UnB foi campeã. A USP também foi melhorando seu desempenho. Ambas as equipes contaram, como orientadores, com processualistas de expressão nacional que lecionam nas respectivas universidades.

A Competição, que vai agora para sua 7ª edição, firmou-se entre as mais importantes do país, que tem desenvolvido uma forte cultura de moot courts como vetor da educação jurídica, ao lado, por exemplo, da Competição de Arbitragem organizada pela CAMARB, que já vai para seu 15° ano. Depois de Rio de Janeiro, Curitiba, São Paulo e Salvador, chegou a vez de Brasília sediar a Competição.

Este ano, no entanto, tomou-se uma decisão que a apequena. A USP e a UnB ficaram de fora, assim como várias outras competidoras tradicionais. Isso porque, justo no país com o maior número de cursos de direito do mundo, a organização decidiu adotar, como critério de seleção das faculdades participantes, a ordem cronológica das inscrições. Esse critério não deu conta do crescimento da popularidade da competição - que é mérito, aliás, do cuidado e da competência das juristas que a organizam. Importantes universidades, que participam desde a primeira edição, não estarão na edição de 2024 porque - durante um período de greve em diversas universidades federais, inclusive na UnB - fizeram suas inscrições depois da 00:04 do dia 29 de abril.

Na obra Abril Despedaçado, o romancista albanês Ismail Kadaré faz uma leitura crítica das tradições de seu país. O romance narra a vida de pessoas obrigadas ao destino que lhes exige as misteriosas e rígidas regras do Kanun, um conjunto de leis orais que passa de uma geração à outra. Há décadas uma família está envolvida em uma série de vendetas impostas por esse código. O assassinato deve-se realizar com arma de fogo, nunca por outro modo; a arma portada pela vítima deve ser apoiada junto à sua cabeça, e o corpo deve ser virado. Porque é assim. É assim que se vive a vida na região. Kadaré faz um estudo literário da inevitabilidade do destino, e da arbitrariedade das regras que o selam, sem sentido algum.

Em abril deste ano, a Competição Brasileira de Processo, organizada por entidades privadas dotadas de autonomia privada, optou por não reconhecer a arbitrariedade e a falta de sentido nas regras de seleção que estabeleceu, e tratou a ausência das equipes que contribuíram para sua história como um destino inevitável.   

Admiramos profundamente o trabalho das pessoas que realizam a Competição, a qual, acreditamos, ainda terá longos e gloriosos anos pela frente. Mas o Brasil se aproxima da marca de 2 mil cursos de direito de variadas qualidades. A seleção dos participantes por ordem de chegada delega a escolha para as forças do acaso - e ilustra-o bem o fato de que todas as participantes se inscreveram nos primeiros 4 minutos. Isso, somado à recusa da entidade privada em reconhecer o erro e retificar-se, desvaloriza o trabalho de alunos de professores que sempre prestigiaram a Competição e que se preparam para ela ao longo do ano, sempre a partir do encerramento da edição anterior.

Esperamos que nos anos vindouros sejam encontradas novas e mais justas formas de selecionar as instituições competidoras - ou, quem sabe, que ainda neste ano a organização se sensibilize e admita seus convidados usuais. Como na frase atribuída ao general Douglas MacArthur: "Você é lembrado pelas regras que quebra, não pelas que segue".

João Pedro de Souza Mello

João Pedro de Souza Mello

Doutorando, mestre e bacharel em direito pela Universidade de Brasília (UnB). Advogado sócio do Aguiar e Mello Advogados.

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