Licitação e "conversão" dos tipos penais
Lei 14.133/21 permite uso de tipos penais como infrações administrativas em licitações, visando sanções sem necessidade de dolo, propiciando punições durante o processo licitatório ou contratos.
quinta-feira, 9 de maio de 2024
Atualizado às 15:01
Tema pouco abordado pela doutrina e pela jurisprudência é a utilização dos tipos penais criados pela lei 14.133/21 como infrações administrativas no procedimento licitatório. Batizamos o fenômeno jurídico de "conversão administrativa dos tipos penais".
Expliquemos melhor.
É evidente que o Ministério Público é o titular da ação penal e o texto sequer aborda essa obviedade. O tipo penal, porém, exige o dolo para sua configuração, eventual inquérito policial, etc.
A proposta do presente texto é a utilização dos tipos penais como infrações licitatórias sujeitas às sanções de advertência, multa, impedimento/suspensão de licitar e inidoneidade.
A principal finalidade da conversão seria autorizar penalização na fase de licitação e até mesmo durante o contrato sem que haja, obviamente, a necessidade de dolo já que se trata apenas de sanção administrativa e não de ação penal.
PARÂMETROS PARA A SANÇÃO
A simples indicação no edital de que os tipos penais são também "tipos de infração administrativa" é o suficiente para autorizar a penalização sem a necessidade de dolo presente apenas no tipo penal.
Uma sugestão aos administradores seria a indicação de um item do edital prevendo a gradação das penas em UFESPs.
Assim, as infrações penais sem previsão expressa no edital teriam o valor da multa fixado em, por exemplo, 20 UFESPs (pouco mais de R$ 700, 00 na data de hoje) e os tipos penais "desnaturalizados" teriam pena mais elevada diante da presumida e expressa maior gravidade no âmbito do processo licitatório.
As demais penas, previstas expressamente no edital poderiam ter graduação de 20, 40, 100 UFESPs (em números redondos, cerca de R$ 700,00, R$ 1,400,00, R$ 3.500,00), conforme a gravidade.
Por que não nos utilizarmos dos parâmetros previstos no art. 156, §3º da lei de licitações, ou seja de 0,5% a 30% do valor do contrato ou daquilo que foi efetivamente descumprido? Pelo singelo motivo de que se está, ainda, na fase de licitação e o valor do contrato é uma mera estimativa por parte do Poder Público.
Qualquer percentual de multa seria exercício de adivinhação fora da realidade do mundo dos fatos. Por isso a opção por valores fixos em UFESPs que tem correção anual, evitando-se mudanças de modelos de edital para readequação.
A preocupação deste texto é a punição das licitantes de acanhado espírito público e acentuada má-fé, independentemente da atuação do Ministério Público, se for o caso.
A fase licitatória é rica em procedimentos lamentáveis por parte destes licitantes de espírito destrutivo.
Relatam os servidores dos setores de licitações procedimentos lamentáveis na fase licitatória que merecem sanções mais rigorosas. Alguns exemplos da vida real: enquadramento falso como ME/EPP, ausência de requisitos de habilitação, dentre outros que a criatividade perniciosa ainda nos mostrará.
Tais procedimentos costumam atrasar a licitação favorecendo a "corrupção de baixo meretrício" e forçando, por exemplo, a manutenção de contratos ou favorecimento da "licitação fabricada".
Uma solução seria a previsão no edital de "conversão administrativa dos tipos penais em sanções administrativas no patamar de 20 UFESPs para ilícitos praticados na fase licitatória." Seria a multa "genérica" para a fase licitatória.
As ilicitudes previsíveis e lamentáveis deveriam estar enquadradas com multas mais específicas com cada respectiva gravidade.
Recomendaríamos, que o falso enquadramento como ME/EPP acarretará multa de R$ 100 UFESPs e impedimento/suspensão de licitar e inidoneidade no caso de reiteração. Lembremo-nos que a lei de licitações prevê o "score licitatório" e o "desempenho contratual" como deveres da administração pública. Assim, a reiteração deverá ser punida de maneira mais severa, observados os registros anteriores.
Para a ausência de requisitos de habilitação, declarados existentes pela licitante, poderíamos pensar em penas semelhantes a supra referida diante da semelhança de lesão ao interesse público da licitação.
COMPETÊNCIA PARA APLICAÇÃO
Já tivemos oportunidade de escrever sobre a "ergofobia" e a necessidade de aplicação das multas contratuais às secretarias respectivas, notadamente em razão da "segregação de funções" e da previsão da lei para o secretário/ministro da Pasta.
No entanto, no que tange às penalizações na fase licitatória, pelas mesmas razões da aderência à pasta do respectivo contrato só podemos concluir pela penalização, nesta específica fase, ao setor de licitações e, dependendo da sanção, do respectivo secretário/ministro.
Antes da conclusão do certame licitatório, não há, ainda, qualquer aderência finalista à pasta em que o contrato seria formalizado. O interesse em discussão é a higidez da licitação em si mesma e não do contrato que seria, posteriormente, formalizado.
Apenas a pasta na qual está inserido o setor de licitações tem condições reais e efetivas de aferir a gravidade da infração licitatória ocorrida.
Da mesma forma que o setor de licitações jamais poderia gerir, multar e sancionar prestadores de um serviço de Home Care, da mesma forma a Secretaria de Saúde não teria condições de aferir a gravidade de se apresentar um documento falso durante a licitação, ainda que fosse numa aquisição de medicamentos para a mencionada pasta.
CONCLUSÃO
A conversão de tipos penais em sanções administrativas genéricas, na fase de licitação somada à especificação de infrações corriqueiras nesta fase são úteis ao bom andamento do certame licitatório. A quantificação deve ser feita em UFESPs já que não existe, ainda contrato tampouco valor efetivo mas mera estimativa de valor do contrato. A aplicação das penas dos ilícitos praticados no certame licitatório é da pasta na qual está inserido setor de licitações, sendo considerado gestor o chefe/diretor das licitações.