A judicialização em busca de cobertura de medicamentos/procedimentos não previstos no rol da ANS
A negativa de cobertura para procedimentos e medicamentos não previstos no Rol da ANS, levam os beneficiários dos planos de saúde a buscarem apoio Judiciário.
terça-feira, 7 de maio de 2024
Atualizado em 8 de maio de 2024 11:05
O setor de Saúde Suplementar, por muito tempo (de meados dos anos 60 ao início dos anos 2000), operou sem regras e cresceu sem nenhum referencial do Estado. A população brasileira convivia num mercado desregulado e competitivo, que agia segundo sua própria lógica, estabelecendo suas próprias regras, praticamente sem interferência governamental.
Inicialmente, o contrato de seguro saúde foi regulado e definido pela lei específica dos seguros - o decreto-lei 73/96. A partir de 1998, a nova lei 9656/98, passou a regular qualquer produto, serviço e/ou contrato que oferecesse no mercado brasileiro a garantia de cobertura financeira de riscos de assistência médica, hospitalar e odontológica, incluindo-se o custeio de despesas, oferecimento de rede credenciada ou referenciada e reembolso de despesas. Posteriormente, foi criado a Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS - por meio de publicação da lei 9961/00, com função primordial de normatizar, controlar e fiscalizar as atividades das operadoras de planos privados de assistência à saúde, visando a garantia de qualidade da prestação dos serviços prestados aos milhões de vínculos - atualmente são 83.749.193 milhões de beneficiários, sendo 51.081.018 beneficiários em planos de assistência médica e 32.668.175 em planos exclusivamente odontológicos1 .
Dentre as principais características das agências reguladoras, estão: 1. Poder regulador definido em lei, materializado na sua capacidade de regular, controlar, fiscalizar e punir; 2. Autonomia administrativa, materializada no mandato de seus dirigentes e na flexibilidade dos instrumentos de gestão; 3. Autonomia financeira, materializada na arrecadação direta de taxas específicas (Taxa de Saúde Suplementar); Entretanto, no que diz respeito à ANS, novas exclusivas atribuições lhe foram conferidas: 1 ANS disponibiliza dados atualizados do setor. Publicado em: 24/01/2024. https://www.gov.br/ans/ptbr/assuntos/noticias/numeros-do-setor/setor-fecha-2023-com-51-milhoes-de-beneficiarios-em-planos-de-assistencia-medica 1. Monitorar a evolução de preços de planos de assistência à saúde, seus prestadores de serviços e insumos; 2. Autorizar os processos de cisão, fusão, incorporação, alteração ou transferência do controle acionário; 3. Articulação com os órgãos de defesa do consumidor.
A legislação em vigor foi clara ao definir que plano privado de assistência à saúde poderia ser operado ou comercializado tão somente pelas operadoras de planos privados de assistência à saúde, excluindo a figura das Seguradoras. Assim, as Seguradoras tiveram até o fim do ano de 2001 para efetuar a transição de seguradoras para operadoras de planos. De acordo com a lei em vigor, os planos de saúde passaram, obrigatoriamente, a cobrir todas as doenças listadas na CID - Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial da Saúde. Surgiram também as exclusões permitidas pela lei, tais como tratamento clínico ou cirúrgico experimental, procedimentos clínicos ou cirúrgicos para fins estéticos, bem como órteses e próteses para o mesmo fim, entre outros.
A ANS passou a definir uma lista obrigatória de consultas, exames e tratamentos, denominada Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, que os planos de assistência médica passaram a ser obrigados a oferecer, conforme cada tipo de plano de saúde comercializado. Essa cobertura mínima obrigatória é válida para planos de saúde contratados a partir de 1º de janeiro de 1999 e é revista a cada dois anos. O primeiro rol de procedimentos estabelecido pela ANS foi o definido pela Resolução de Conselho de Saúde Suplementar - Consu 10/98, atualizado em 2001 pela Resolução de Diretoria Colegiada - RDC 67/2001, e novamente revisto nos anos de 2004, 2008, 2010, 2011, 2013, 2015, 2017, 2021 e 2023, pelas Resoluções Normativas 82, 167, 211, 262, 338, 387, 428, 465 e 583 respectivamente.
O processo de revisão do rol conta com a constituição de um grupo técnico composto por representantes de entidades de defesa do consumidor, de operadoras de planos de saúde, de profissionais de saúde que atuam nos planos de saúde e de técnicos da ANS. O grupo reúne-se para construir uma proposta que, posteriormente, é submetida à avaliação da sociedade por meio de consulta pública, com participação aberta a todos os interessados, por meio da página da ANS na internet. Os beneficiários dos planos de saúde têm direito aos procedimentos e medicamentos listados no Rol da ANS. As operadoras do plano de saúde costumam negar cobertura de procedimentos ou medicamentos excluídos pela agência reguladora do setor. Devendo os beneficiários nesses casos socorrer-se ao Poder Judiciário.
A chamada judicialização da saúde, busca através de ordens judicias determinar que as operadoras arquem com os custos deste tratamento/procedimento/medicamento excluídos pela ANS, certamente, para causar o equilíbrio entre as operadoras e os beneficiários/consumidores. A relação estabelecida entre as partes é de consumo, devendo os dispositivos protetivos do Código de Defesa do Consumidor serem aplicados. Assim os artigos 47 e 51, incisos IV e X do Código de Defesa do Consumidor devem ser aplicados, pois os contratos de plano de saúde, quase na sua totalidade, possuem obscuridade nas cláusulas e condições contratuais que possam levar o Consumidor a erro, o que ocorre no caso de negativa de atendimento para procedimentos não previsto no Rol ou para o caso de tratamento experimental, uma vez que o Beneficiário adere ao contrato sem plena consciência das exclusões e limitações nele previstas.
O artigo 54, §4º, do Código de Defesa do Consumidor, autoriza cláusulas limitativas de responsabilidade, desde que redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão pelo consumidor, o que é sabido não é feito pela Empresas de Saúde Suplementar. Por tais razões essas limitações contratuais são consideradas abusivas, leoninas e restritivas de direitos do consumidor, pois este, no caso, aderiu ao contrato sem consciência das exclusões e limitações nele previstas. Além disso, as limitações são impostas por mero capricho ou em busca de lucro fácil, em se tratando de contrato de plano de saúde. Dessa forma, restando claro que não' pode haver negativa de cobertura para o fornecimento da medicação experimental ou procedimento não incluído no Rol da ANS, devendo a Empresa ser compelida a custeá-los, já que tal atitude reflete uma infração contratual acarretando sério desequilíbrio econômico e financeiro do contrato em desfavor do Consumidor.
Portanto, pode-se falar em violação à boa-fé objetiva e ao escopo do contrato, já que esta é esperada não só do consumidor, mas também do fornecedor. Considerações Finais Não obstante o caráter social de que se reveste a atividade de prestação de serviço médicohospitalar, não é equivocada a conclusão de que as operadoras de plano de saúde substituem o Estado no dever de zelar pela saúde dos Beneficiários. Isso porque a natureza da obrigação é privada, mas é principalmente social, razão pela qual não pode e não deve visar apenas o lucro. Logo, se a exclusão de determinado serviço afronta o Código de Defesa do Consumidor, é de rigor obrigar a operadora de plano de saúde a fornecê-lo. Já que o Rol de Procedimentos da ANS é meramente exemplificativo, assim, nem mesmo a alegação da natureza experimental do procedimento tem o condão de afastar a responsabilidade de custeio da Operadora.
Portanto, é nula a negativa de fornecimento do serviço com base na sua natureza experimental ou por não constar do rol da ANS. Com efeito, o médico que assiste o paciente é quem deve indicar qual o melhor tratamento para a moléstia do paciente, sejam tratamentos experimentais, contraindicados, controvertidos na literatura médica, alternativos ou sem comprovação científica de êxito. Sabemos que a medicina evolui diariamente e que um rol que é atualizado apenas de anos em anos diga qual o melhor tratamento, apenas baseadas nos custos financeiros. O acesso à saúde é um direito universal, garantido pela Constituição Federal Brasileira, devendo ser assegurado ao Consumidor pelos planos de saúde suplementar. A ANS disciplina. As operadoras de planos de assistência médica devem cumprir os contratos rigorosamente dentro dos ditames da legislação pertinente e em consonância com o CDC. Não há dúvidas de que falta no Brasil tratar a saúde com razoabilidade.
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COELHO. Fábio Ulhôa, Curso de Direito Comercial, São Paulo, Ed. Saraiva, 2000, p 156) TESSLER, Marga Inge Barth. O juiz e a tutela jurisdicional sanitária. In: Revista Interesse Público, n. 25, p. 27-57, 2004, p 156) Enunciados n 21 e 26, aprovados pela plenária da I Jornada de Direito da Saúde do Conselho Nacional de Justiça em 15 de maio de 2014 a, Curso de Direito Comercial, São Paulo, Ed. Saraiva, 2000, p 156) http://www.ans.gov.br/images/stories/Materiais_para_pesquisa/Materiais_por_assunto/ProdE ditorialANS_Serie_ans_vol_1.pdf http://www.unimed.coop.br/pct/index.jsp?cd_canal=64796&cd_secao=64788&cd_materia=3 90720
Priscila Cassoli Morandi
Especialista em direito securitária e saúde suplementar pela Escola Nacional de Seguros e em Processo Civil pela Escola Paulista de Direito.