Os julgamentos virtuais no STJ: Avanços e estagnações
O STJ, Corte de Precedentes, uniformiza interpretação da lei Federal, julgando recursos especiais repetitivos e outros recursos. Uso de sessões virtuais ajuda a reduzir acervo processual.
sábado, 4 de maio de 2024
Atualizado em 3 de maio de 2024 14:49
O STJ é Corte brasileira que tem a missão constitucional de uniformizar a interpretação da lei federal no país, precipuamente, por meio do julgamento dos recursos especiais repetitivos. Trata-se de uma importante incumbência que lhe confere o título de Corte de Precedentes.
Faz parte também das atribuições da Corte Superior, a análise de recursos que digam respeito apenas às partes envolvidas na demanda. O julgamento de recursos especiais comuns (ou seja, os não classificados como repetitivos) e dos agravos contra as decisões que deixaram de admitir os RESPs toma relevantíssima parcela do tempo da Corte.
Não se pode esquecer, ainda, que o julgamento dos recursos internos (aqui incluídos os embargos de declaração, agravos regimentais e os agravos internos) também demanda muito tempo e dedicação dos ministros. E é justamente nesse cenário, que a realização de sessões virtuais assíncronas de julgamento tem se revelado um importante instrumento de avanço para reduzir o acervo processual do Tribunal.
Os julgamentos em ambiente virtual estavam previstos (e, em certa medida, regulados) no texto originalmente publicado do CPC/15. No entanto, a lei 13.256/16, que reformou o Código antes mesmo da sua entrada em vigor, revogou o disposto sobre a matéria no art. 945 e parágrafos1.
O STJ, por sua vez, regulou o tema por meio da emenda regimental 27, de 13/12/16, autorizando o julgamento do agravo interno, dos embargos de declaração e do agravo regimental em sessão virtual.
O texto da justificativa da referida Emenda assim apresentou a alteração:
Importante enfatizar que, apesar de suprimida a previsão de julgamento virtual do CPC/15, em face da revogação do art. 945 pela lei 13.256, de 4/2/16, a normatização do referido procedimento pelo Regimento Interno desta Corte, além de não encontrar norma legal proibitiva, coaduna-se com os valores do nosso ordenamento jurídico que há muito prestigia os princípios da razoável duração do processo e da instrumentalidade das formas, nos termos do art. 5º, LXXVIII, da CF/88, com a redação conferida pela EC n. 45, de 30/12/04, do art. 244 do CPC/73, da lei 11.419, de 19/12/06, que dispôs "sobre a informatização do processo judicial" e do próprio art. 1º do CPC/15, o qual determina que a aplicação e interpretação do novel código seja realizada à luz do texto constitucional.
É interessante notar que a justificativa da Emenda 27 menciona, ainda, que a alteração no procedimento do julgamento não fere o princípio constitucional do devido processo legal porque estaria assegurado "o direito de oposição ao julgamento eletrônico e a prerrogativa de solicitar sustentação oral".
De fato, o Regimento Interno previa no inciso II do parágrafo único do art. 184-D que "as partes, por meio de advogado devidamente constituído, bem como o Ministério Público e os defensores públicos poderão apresentar memoriais e, de forma fundamentada, manifestar oposição ao julgamento virtual ou solicitar sustentação oral, observado o disposto no art. 159."
Apesar disso, a oposição ao julgamento na modalidade virtual raramente culminava na efetiva exclusão do caso dessa modalidade de pauta. O fundamento, na maior parte das vezes, era no sentido de que "A oposição ao julgamento virtual prevista no art. 184-D, parágrafo único, do RISTJ há de ser acompanhada de argumentação idônea a bem evidenciar efetivo prejuízo ao direito de defesa da parte."2
Havia, ainda, uma corrente no Tribunal no sentido de que o pedido para que o julgamento fosse realizado na modalidade presencial deveria ser feito quando da interposição do recurso, sob pena de preclusão3. Essa orientação, entretanto, não estava prevista no Regimento Interno da Corte que, até aquele momento, previa a possibilidade de oposição ao julgamento virtual pelas partes no prazo de cinco dias úteis antes do início da sessão de julgamento.
Mas a verdade é que essa modalidade de julgamento ainda não tinha tomado proporções muito relevantes até que, em 2020, com a deflagração da pandemia de Covid-19, as sessões de julgamento virtual ganharam muita força e tornaram-se a principal forma de deliberação utilizada por todos os órgãos colegiados do STJ para analisar os recursos internos.
Alguns temores causados por esse avanço acelerado pelo período pandêmico levaram a OAB Federal a oficiar o STJ propondo uma alteração regimental que regulasse o acesso dos patronos e partes ao ambiente de julgamento virtual assíncrono. O propósito seria dar mais transparência às deliberações e, nesse sentido, o órgão destacou que:
"a publicidade e informação são elementos constituintes dos princípios do contraditório e da ampla defesa, cuja efetividade requer o acesso à informação quanto aos atos do processo e teor das decisões, bem como possibilidade de reação a estes. A plena observância dos princípios da publicidade dos julgamentos, do contraditório e da ampla defesa requer que o voto do relator, nas sessões virtuais, seja disponibilizado ao advogado e ao público em geral tão logo inserido no ambiente virtual".4
O então Presidente da Corte, min. Humberto Martins, levou a questão ao Pleno do Tribunal em dezembro/20 e, algum tempo depois, foi publicada a Emenda Regimental 40, de 29/4/21, com a seguinte redação:
"Art. 184-B. As sessões virtuais devem estar disponíveis para acesso às partes, a seus advogados, aos defensores públicos e aos membros do Ministério Público na página do STJ na internet, mediante identificação eletrônica."
A inclusão no Regimento de tal previsão foi vista com bons olhos pela comunidade jurídica, entretanto, já se passaram três anos e até o momento o STJ não implementou a funcionalidade que permitirá o acesso às sessões virtuais pelas partes e seus advogados.
Ao que parece, não há um esforço efetivo para realizar esse tão importante avanço, mesmo sendo a Corte da Cidadania absolutamente pioneira no Brasil na implantação e operação do processo eletrônico, estando na vanguarda dos tribunais brasileiros com avançada utilização de inteligência artificial "dedicada a desenvolver soluções em várias frentes de trabalho no STJ, com atenção especial à gestão do acervo processual"5.
Na mesma data, outra alteração regimental foi editada, dessa vez, para disciplinar "a impossibilidade de computar a falta de manifestação de Ministro como voto aquiescente ao do Ministro relator no procedimento de julgamento virtual e na afetação de recurso repetitivo."6 Na Emenda Regimental 39/21, a min. Nancy propôs que o STJ se adequasse ao procedimento já adotado perante o STF, visando a garantir a operacionalidade e a eficácia dos julgamentos virtuais.
A Emenda Regimental 41, de setembro/22, por sua vez, foi editada para adequar o Regimento Interno da Corte à lei 14.365/22, que ampliou as hipóteses nas quais é possível a realização de sustentação oral.
Relativamente às sessões virtuais, a Emenda 41 previu a possibilidade de que "As sustentações orais e os memoriais podem ser encaminhados por meio eletrônico, após a publicação da pauta em até 48 horas antes de iniciado o julgamento em ambiente virtual...". Para tanto, o Tribunal implementou dentro da sua CPE - Central de Processo Eletrônico uma funcionalidade que viabiliza o envio dos arquivos contendo o vídeo ou o áudio da sustentação oral.
Esta mesma Emenda, no entanto, sem trazer as razões em sua justificativa, excluiu do Regimento o dispositivo que previa a possibilidade de apresentação de oposição ao julgamento virtual pelas partes, limitando tal prerrogativa aos integrantes do Órgão Julgador.
A revogação do inciso II do parágrafo único do art. 184-D, terminou, na verdade, por contrariar um posicionamento exarado pela própria Corte, segundo o qual "é inerente à dimensão substancial do princípio do contraditório - e imprescindível para garantia de sua efetividade - permitir que a parte não apenas seja ouvida pelos julgadores (o que consiste na dimensão formal do princípio em questão), mas que ela possa participar dos julgamentos em condições de poder influenciar, de fato, na tomada da decisão."7
Todo o panorama aqui relatado demonstra que, relativamente aos julgamentos virtuais assíncronos, apesar de o STJ ter protagonizado importantes avanços, ainda há questões estagnadas e que precisam ser resolvidas.
Em especial, é de se destacar a ausência de implementação da funcionalidade sistêmica prevista desde 2021 no Regimento Interno (art. 184-E), que permitirá às partes e seus patronos o acesso às sessões virtuais, contemplando os votos cadastrados e o placar durante a semana de julgamento.
De igual forma, não é possível acompanhar a deliberação virtual dos casos que estão indicados para afetação sob a Sistemática dos Recursos Repetitivos e a admissão dos Incidentes de Assunção de Competência, cujo exame é realizado por meio de ferramenta eletrônica, conforme prevê o Capítulo II-B do Regimento Interno (art. 257 e seguintes).
Assim, em homenagem ao princípio constitucional da publicidade e transparência nos julgamentos realizados no Judiciário, é urgente que o STJ tome as medidas necessárias para solucionar tais questões.
1 Revogado pela Lei nº 13.256, de 2016
2 Revogado pela Lei nº 13.256, de 2016
3 EDcl no AgInt no AREsp 2073501/MS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. em 19/09/2022, acórdão publicado em 21/09/2022.
4 EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. INEXISTÊNCIA DOS REQUISITOS DO ART. 1.022 E INCISOS DO CPC DE 2015. JULGADO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADO. ALEGAÇÃO DE OMISSÃO QUANTO AO PEDIDO DE RETIRADA DE PAUTA DE JULGAMENTO VIRTUAL. PEDIDO QUE NÃO TRAZ, EM SI, NENHUM PREJUÍZO PROCESSUAL À PARTE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS.
I. Na esteira da jurisprudência da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, considera-se precluso o pedido de retirada de recurso do plenário virtual formulado pela parte somente após a publicação da respectiva pauta de julgamento. Além disso, a oposição ao julgamento virtual prevista no art. 184-D, parágrafo único, do RISTJ há de ser acompanhada de argumentação idônea, a bem evidenciar efetivo prejuízo ao direito de defesa da parte, o que não se verificou no caso. Precedentes.
II. Depreende-se do artigo 1.022 do CPC/2015, que os embargos de declaração apenas são cabíveis quando constar, na decisão recorrida, obscuridade, contradição, erro material ou omissão em ponto sobre o qual deveria ter se pronunciado o julgador, ou até mesmo as condutas descritas no artigo 489, § 1º, do referido diploma legal, que configurariam a carência de fundamentação válida.
III. No caso concreto, não se constata o vício alegado pela parte embargante, que busca rediscutir matéria devidamente examinada pela decisão embargada, o que é incabível nos embargos declaratórios.
IV. Embargos de declaração rejeitados. (EDcl no AgInt no AREsp 1785430/DF, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, Quarta Turma, j. em 21/03/2022, acórdão publicado em 24.03.2022)
5 Disponível em: https://www.migalhas.com.br/quentes/337003/oab-pede-que-stj-disponibilize-votos-dos-ministros-em-tempo-real-nos-julgamentos-virtuais
6 Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/23082020-Revolucao-tecnologica-e-desafios-da-pandemia-marcaram-gestao-do-ministro-Noronha-na-presidencia-do-STJ.aspx
7 Disponível em: https://www.stj.jus.br/publicacaoinstitucional/index.php/Regimento/article/view/11674/11796
8 RESP 1903730/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. em 08/06/2021, acórdão publicado em 11/06/21.
Danúbia Souto de Faria Costa
Atuação em contencioso cível, tributário e empresarial. Ampla experiência na atuação junto a tribunais superiores, além de atuar perante a primeira e segunda instâncias do Tribunal de Justiça Estadual e Justiça Federal localizados em Brasília. Na esfera administrativa, atua perante as agências reguladoras, tribunais administrativos e demais órgãos da Administração Pública.