Reequilíbrio contratual no credenciamento
Credenciamento como modalidade de inexigibilidade de licitação permite contratos com singularidade múltipla. Interpretação requer considerar outras regras legais, especialmente em casos de incompatibilidade de preços ou não implementação do contrato.
segunda-feira, 6 de maio de 2024
Atualizado às 09:42
O credenciamento é uma forma de inexigibilidade de licitação (art. 74, IV da lei 14.133/21).
Mas não é uma modalidade de inexigibilidade usual decorrente de uma singularidade específica, mas uma inexigibilidade em razão da "singularidade múltipla". As circunstâncias fazem com que todos os interessados possam participar de um contrato administrativo, seja de maneira conjunto, alternativa ou, até mesmo meramente potencial.
Diante da aridez legislativa (um único artigo) o interprete deverá utilizar-se de outras regras legais para obter sentido deste contrato. A relevância jurídica ocorre, notadamente, quando houver incompatibilidade com os preços de mercado ou caso o contrato não seja efetivamente implementado.
Natureza jurídica do credenciamento
O credenciamento é um pré-contrato que não gera, necessariamente, todos os efeitos enquanto não houver efetivação deste "registro de preços" antes da contratação e contrato administrativo propriamente dito quando for efetivado o serviço ou a entrega do produto.
O registro de preços, porém, não é uma figura jurídica que se enquadra perfeitamente neste contrato administrativo devendo ser aplicado com algumas ponderações diante da natureza distinta do contrato. Registro de preço é a figura da lei de licitações que mais se aproxima no estágio anterior à efetivação contratual.
Vamos, então, indicar quando o registro de preços serve de parâmetro e suas consequências jurídicas.
Uma primeira diferença é que o preço é fixado pela própria administração não se aplicando, portanto, as consequências da fixação do preço pelo próprio licitante como costuma ocorrer no registro de preços.
No registro de preços (propriamente dito) o valor a ser cobrado é inflado diante do custo de estoque e de fornecimento meramente eventual. O fornecedor inclui no preço o custo de estoque e possibilidade de que não haja entrega efetiva do produto/serviço.
No caso do credenciamento o preço (salvo a hipótese do art. 79, III) é fixado pela própria administração não se podendo presumir um custo de estoque implícito no registro de preços.
É esse preço presumidamente mais elevado que faz com que as cortes de contas não admitam, em regra, reequilíbrio contratual no registro de preços, sendo necessário o cancelamento da ata.
Não havendo, porém, custo de estoque embutido no preço fixado pela própria administração é perfeitamente possível o reequilíbrio de preços nas hipóteses do art. 79, I e II da lei de licitações.
Nas hipóteses dos arts. I e II do art. 79 o próprio Poder Público fixa o preço sendo, portanto, perfeitamente possível que existam variações que não se satisfaçam com o índice de reajuste. A teoria da imprevisão pode, perfeitamente, se aplicar nesses casos. Não se aplica, portanto, a jurisprudência da inviabilidade do registro de preços aos preços do credenciamento dos mencionados incisos I e II.
Reequilíbrio permante do art. 79, iii
A regra do credenciamento do art. 79, III, porém, refere-se à utilização de cotações a cada aquisição. Ou seja, o reequilíbrio já é, frequentemente, feito nesta modalidade de credenciamento. Não faz o menor sentido reequilibrar aquilo que, a todo instante, é reequilibrado pela cotação de mercado.
Não há possibilidade de reequilíbrio nesta modalidade de credenciamento pelo singelo motivo de que tal reequilíbrio já é da própria essência do credenciamento com a utilização de cotações.
Outra diferença relevante quanto ao credenciamento em relação ao registro de preços é o de que este tem prazo de um ano prorrogável por igual período pela administração. O credenciamento é contrato com prazo indeterminado, devendo apenas ter prazo ou período para cadastramento/descadastramento.
Desta forma, na fase de execução contratual o credenciamento tem natureza de contrato administrativo não se aplicando as regras do registro de preços diante da natureza distinta a partir da efetivação do credenciamento.
Diante da ausência de previsão específica do contrato de credenciamento podemos qualificá-lo (aproximadamente) como espécie de "oferta ao público" do art. 429 do Código Civil com a peculiaridade de não tem o mesmo efeito vinculante da oferta do Código Civil tampouco do art. 35 do CDC.
No caso específico do credenciamento a "oferta ao público" é profundamente mitigada quanto às regras dos arts. 429, parágrafo único e 430 a 435 do Código Civil já que estão regras estão relacionadas à livre disposição típica do direito privado sendo inaplicáveis ao contrato administrativo.
No caso do credenciamento aplica-se a vinculação da oferta (vinculação ao edital) desde que haja superação da fase inicial de oferta não vinculante na exata medida de um registro de preços.
Ou seja, há uma vinculação submetida ao interesse público que confere aos credenciados o direito de não serem preteridos caso haja efetiva contratação pelo poder público mas não o direito à contratação.
As cláusulas exorbitantes são aplicáveis a todo e qualquer contrato administrativo estando presentes (ainda que não escritas) as hipóteses de fiscalização, alteração unilateral, penalidades, ocupação, etc. Não é diferente no credenciamento.
Desta forma, a utilização de figura contratual do Código Civil deve ser interpretada de maneira muito restrita já que a livre disposição da vontade, presente na maioria dos artigos do Código Civil não está presente em nenhum contrato da administração pública. Serve, basicamente, para uso do "tipo contratual" previsto no Código Civil com a predominância das diretrizes de Direito Público em franco detrimento das figuras civilistas.
Conclusão
Assim, o cadastramento, é uma figura contratual híbrida tendo natureza de registro de preços na fase pré-contratual e natureza específica de contrato de fornecimento de produto/serviço por prazo indeterminado de sua existência mas com períodos ou prazos para credenciamento/descredenciamento.
Os tipos contratuais do Código Civil que mais se aproximam são do pré-contrato (para fase anterior ao contrato) com as peculiaridades do Registro de Preços e a "oferta ao público" com as restrições ao particular típicas dos contratos administrativos.
O reequilíbrio contratual será cabível nas hipóteses dos incisos I e II do art. 79 não sendo cabível na hipótese do inciso III do mesmo artigo já que ocorre cotações de preços forma de reequilíbrio permanente e modalidade de "reequilíbrio usual" com os preços de mercado.
O reequilíbrio contratual, portanto, é aplicável (de maneira permanente, art. 79, III) ou de maneira episódica (art. 79, I e II) como decorrência do princípio da vedação ao enriquecimento sem causa, regra jurídica de aplicabilidade em todos os tipos contratuais, de contratos de direito civil ou contratos de direito administrativo.