Impossibilidade de arguição de compensação em sede de embargos do executado
STF julga vedação de compensação em embargos do executado pela lei de execuções fiscais. Dispositivo é alvo de discussões judiciais e mal entendido pelos operadores do direito.
segunda-feira, 6 de maio de 2024
Atualizado às 09:41
O STF está julgando a impossibilidade de alegação de compensação em embargos do executado, conforme prevê o art. 16, §3° da lei de execuções fiscais. O citado dispositivo tem a seguinte redação:
"§ 3º - Não será admitida reconvenção, nem compensação, e as exceções, salvo as de suspeição, incompetência e impedimentos, serão arguidas como matéria preliminar e serão processadas e julgadas com os embargos."
Tal dispositivo já foi alvo, inúmeras vezes, de discussões judiciais.
O citado dispositivo, assim como alguns outros artigos na área tributária, é mal interpretado pelos operadores do direito.
Evidentemente, que a arguição de compensação nos embargos do executado que o dispositivo veda é a posterior ao ajuizamento da execução fiscal. Por exemplo, um contribuinte está sendo executado, a CDA foi constituída legalmente, e, ao oferecer a sua defesa (embargos do executado), o contribuinte alega que tem um crédito que pretende utilizar para quitar o débito executado. Esta compensação não pode ser alegada para ilidir a certeza e liquidez da CDA, tendo em vista que ela não apresenta vício, ou seja, esta alegação de compensação que o dispositivo proíbe.
Nos parece que esta é a única hipótese que a lei proíbe a discussão sobre compensação nos embargos do executado, pois em outras hipóteses haveria o cerceamento de defesa, o que, caso fosse interpretado assim, haveria a não recepção, do dispositivo, pela Constituição de 1988.
A interpretação conforme a Constituição diverge parcialmente de decisões do STJ sobre a matéria. O STJ, neste ponto, acertadamente, entende que a compensação realizada anteriormente à execução fiscal, pode ser alegada para ilidir a certeza e liquidez da CDA. Veja-se:
"6. Consequentemente, a compensação efetuada pelo contribuinte, antes do ajuizamento do feito executivo, pode figurar como fundamento de defesa dos embargos à execução fiscal, a fim de ilidir a presunção de liquidez e certeza da CDA, máxime quando, à época da compensação, restaram atendidos os requisitos da existência de crédito tributário compensável, da configuração do indébito tributário, e da existência de lei específica autorizativa da citada modalidade extintiva do crédito tributário.
(.)
10. Recurso especial provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C, do CPC, e da Resolução STJ 08/2008.
(REsp 1008343/SP, rel. ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 9/12/09, DJe 1/2/10)"
No entanto, o STJ entende que deve ter havido a homologação da compensação anteriormente ao ajuizamento da execução fiscal, pois, caso a autoridade fiscal não tenha homologado a compensação, não poderia haver tal discussão nos embargos, sob pena de convalidação do "procedimento compensatório efetuado pelo contribuinte". Veja-se:
"A extinção do débito ou a dedução de valores pela compensação total ou parcial impõe, contudo, que esse acerto de contas já tenha sido postulado e homologado à época do ajuizamento do executivo fiscal, atingindo, assim, a liquidez e a certeza do título executivo, conforme se dessume da interpretação conjunta dos arts. 3º e 16 da LEF e 204 do CTN.
Logo, se a compensação apresentada pelo contribuinte não foi convalidada, resultando na inscrição em dívida ativa de valores não compensáveis, aferir o mérito dessa decisão administrativa, com vistas a convalidar o procedimento compensatório efetuado pelo contribuinte e administrativamente glosado pelo Fisco, significa, na prática, realizar a própria compensação em sede de Embargos à Execução, o que encontra óbice intransponível no referido § 3º do art. 16 da da lei 6.830/80.
(AgInt no REsp 1.884.188/SP, rel. ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 12/4/21, DJe 15/4/21)"
Nesta situação, nos parece que não foi a finalidade do disposto no §3° do art. 16 da LEF, vedar a discussão. Isto porque a glosa pelo Fisco pode ter sido ilegal. Caso o contribuinte tenha atendido os requisitos da existência de crédito tributário compensável, da configuração do indébito tributário, e da existência de lei específica autorizativa da citada modalidade extintiva do crédito tributário, a compensação será legal. O despacho decisório pode ter cometido qualquer ilegalidade que afastará a certeza da CDA, como exigência de retificação de obrigação acessória para homologação da compensação, questão já afastada pelo Carf e pelo poder Judiciário, ou seja, a compensação seria arguida como matéria para ilidir a certeza da CDA, questão plenamente possível em embargos do executado.
Caso o leitor não esteja convencido de que nesta situação a interpretação conforme a Constituição seria a exposta no parágrafo anterior, sob pena de cerceamento de ampla defesa, a necessidade de ajuizamento de ação própria para discutir a glosa da compensação violaria o princípio da duração razoável do processo, com os meios que garantam a celeridade de sua tramitação, pois haveria a necessidade de sobrestamento dos embargos do executado e da execução fiscal, para discutir, em ação autônoma, a glosa da compensação, além de violação ao princípio da inafastabilidade de jurisdição.
Não é só esta situação hipotética que pode acontecer a arguição de compensação em embargos do executado. Observando a finalidade do dispositivo analisado pelo STF e interpretando o ordenamento jurídico de maneira holística, tem-se, que, a compensação é matéria que também pode ser arguida em embargos do executado quando o contribuinte se valeu do mecanismo da compensação, o Fisco homologou, e, por algum erro, o Fisco ajuizou execução fiscal cobrando o tributo extinto pela compensação.
Se houve a homologação da compensação e, ainda assim, houve o ajuizamento de execução fiscal (de maneira ilegal, portanto), é natural que se possa alegar a compensação em sede de embargos do executado, sob pena de cerceamento de defesa, violando a ampla defesa prevista na Constituição. Tal arguição seria suficiente para ilidir a liquidez e certeza do título executivo, ou seja, estaria tratando, em primeiro plano, de nulidade da CDA, matéria passível de ser alegada em embargos. Todavia, nesta situação, não parece ter dúvidas sobre a possibilidade, tendo jurisprudência do STJ sobre o assunto.
Portanto, o STF tem a possibilidade de dar interpretação conforme a Constituição e corrigir a posição do STJ sobre a interpretação dada ao §3° do art. 16 da LEF. Contudo, o único voto prolatado até o momento tem aderido a tese do Fisco e entendendo que os argumentos do CFOAB não são suficientes para reverter a posição do STJ sobre a matéria.
Fernanda Vargas
Sócia do escritório Martins Freitas Advogados Associados.