A atipicidade das medidas executivas: Penhora de milhas aéreas
Medidas executivas típicas e atípicas visam a efetividade do processo. Discussões recentes abordam a validade e eficácia, como no caso das milhas aéreas.
quinta-feira, 2 de maio de 2024
Atualizado às 14:55
Como sabemos, em nosso ordenamento jurídico exitem muitas medidas executivas típicas, que podem ajudar na efetividade das demandas judiciais, satisfazendo a dívida em favor do credor.
O processo executivo tem a finalidade de satisfazer o débito em favor do credor e para isso contamos com diversas medidas executivas.
As medidas comuns utilizadas para esta funcionalidade são muito aplicadas, como por exemplo pesquisas de ativos financeiros e/ou localização de endereços via Sisbajud, também pesquisas via Renajud e Infojud para informações acerca de bens móveis e declarações de imposto de renda. Enfim, é muito amplo.
O que têm se discutido muito no meio jurídico nos últimos tempos é a efetividade dessas medidas típicas, e com isso, estão surgindo cada vez mais outras medidas, atípicas, visando a efetividade integral, algo que muitas vezes o devedor, ora executado, não está esperando, e por isso, não poderá se eximir ao pagamento do débito.
As medidas típicas são as primeiras a serem aplicadas, porém, a depender de cada caso, elas não terão efetividade, visto alguns devedores podem agir de alguma forma para esconder seu patrimônio, ou até mesmo retardar o pagamento do débito; são nesses casos que aplicamos as medidas atípicas.
Neste artigo em específico trataremos acerca das milhas aéreas, uma medida recente, que vem trazendo questionamentos: Será que é válida? E quanto a efetividade? Como fazer?
As milhas aéreas, como sabemos, são utilizadas diariamente em nosso cotidiano, tanto para viagens, como para troca de mercadorias, descontos em compras e até mesmo podem ser trocadas por dinheiro. Com isso, elas tem natureza patrimonial, e podem sim ser penhoradas.
Hoje em dia, é cada vez mais comum vermos propagandas e anúncios acerca da troca de milhas aéreas por dinheiro ou produtos. Essa possibilidade despertou interesse nos credores, visto que por muitas vezes tentam se valer das medidas executivas típicas, mas não obtêm êxito.
Conforme previsto pelo art. 789 do CPC: "O devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei".
No mesmo sentido, dispõe, ainda, o art. 797 que "realiza-se a execução no interesse do credor, que adquire, pela penhora, o direito de preferência sobre os bens penhorados".
Nesse contexto, o art. 835, do mesmo diploma legal, estabelece a ordem preferencial de penhora, elencando em seu inciso XIII, "outros direitos".
Em recente decisão, o TJ/DFT, da 8ª Turma Cível determinou a penhora de pontos que o devedor tinha no programa de fidelidade de determinada companhia aérea. Em sua decisão, o desembargador explicou "que a referida pontuação tem valor econômico, tanto que é comercializada em diversos sítios eletrônicos, tais como: Maxmilhas, Hotmilhas, 123milhas, entre inúmeros outros". 1
Ainda, segundo o magistrado, todos os bens do devedor devem responder por suas dívidas.
O TJ/SP também vem adotando o mesmo entendimento, deferindo os pedidos feitos pelos credores acerca da penhora de milhas aéreas, tendo em vista a alta circulação e facilidade de conversão em dinheiro.
Com a atipicidade dessas medidas, o juiz passa a ter mais autonomia, visto que sua atuação é mais intensa, deferindo ou não o pedido feito pelo credor; os meios executivos não são mais taxativos e são analisados caso a caso, a depender da complexidade do litígio.
Nesse sentido, já decidiu este Egrégio Tribunal de Justiça:
EXECUÇÃO indeferimento de penhora de milhas de titularidade do executado - recurso da exequente acolhimento pontos de fidelidade, de titularidade do consumidor, que são dotados de natureza patrimonial frente às companhias aéreas possibilidade de comercialização através de empresas interessadas e especializadas no ramo possibilidade de penhora sobre esses direitos inteligência do art. 789 c/c o art. 835, XIII, ambos do CPC execução que corre no interesse do credor precedentes despacho reformado recurso provido. (TJ/SP; Agravo de Instrumento 2223200-52.2022.8.26.0000; Relator(a): Achile Alesina; Órgão Julgador: 15a Câmara de Direito Privado; Foro de São Bernardo do Campo - 8a Vara Cível; Data do Julgamento: 27/9/22; Data de Registro: 27/9/22)
Agravo de instrumento decisão que denegou à exequente agravante pedido de busca/penhora de pontos dos programas de fidelidade de cartão de crédito de titularidade do executado insucesso das demais buscas efetuados eletronicamente pelo sistema Bacenjud necessidade de oficiamento para as providências buscadas - agravo provido.* (TJ/SP; Agravo de Instrumento 2124046-95.2021.8.26.0000; Relator(a): Jovino de Sylos; Órgão Julgador: 16a Câmara de Direito Privado; Foro de Sorocaba - 1a. Vara Cível; Data do Julgamento: 3/8/21; Data de Registro: 3/8/21)
CUMPRIMENTO DE SENTENÇA - PRETENSÃO DE IMPOR MEDIDAS RESTRITIVAS À EXECUTADA (APREENSÃO DE CNH, PASSAPORTE E CANCELAMENTO DE CARTÃO DE CRÉDITO) IMPOSSIBILIDADE MEDIDAS NÃO AMPARADAS PELO ART. 139 DO CPC PEDIDO DE PENHORA DE PONTUAÇÃO DE PROGRAMA DE FIDELIDADE DE CARTÃO DE CRÉDITO EM NOME DA EXECUTADA POSSIBILIDADE MEDIDA PERTINENTE À SATISFAÇÃO DO CRÉDITO DA REQUERENTE DECISÃO MODIFICADA EM PARTE AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO (TJ/SP; Agravo de Instrumento 2027270-33.2021.8.26.0000; Relator(a): Andrade Neto; Órgão Julgador: 30a Câmara de Direito Privado; Foro de Sorocaba - 7a Vara Cível; Data do Julgamento: 23/7/21; Data de Registro: 23/7/21)
Não cabe dizer que as milhas são bonificações ofertadas aos devedores, visto que são adquiridas após compras feitas com cartão de crédito e podem ser utilizadas para compras de passagens aéreas, diárias de hotéis, bens de consumo e serviços em geral, podem até ser vendidas e trocadas por dinheiro.
De certa forma, esses pontos/milhas possuem valor monetário, com conhecido valor de mercado, e existem empresas especializadas somente nestes serviços.
Quanto a efetividade desta medida executiva, ainda é novidade. Vai depender de cada caso, de quanto vale cada milha/ponto, e como será feito esse cálculo.
Não temos respaldo do judiciário de como levantar esses valores, como eles serão depositados, transferidos para os credores, porém, isto não é impedimento para a penhora. O importante é saber que existe também essa possibilidade para satisfação da execução, considerando os pontos com patrimonio de devedor.
Ademais, as próprias companhias, administradoras dos programas, admitem a aquisição e transferência de milhas, não havendo que se falar em impossibilidade ou dificuldade de liquidação, ficando a cargo do exequente viabilizar meios seguros para essa finalidade, à luz do contraditório e da ampla defesa.
Portanto, as medidas executivas atípicas deverão ser aplicadas a depender de cada caso, e sempre levando em consideração o princípio da proporcionalidade, e quando admitidas pelos juízes, poderão auxiliar na satisfação do débito exequendo.
A satisfação da execução é o objeto do processo, sendo que não adianta ao credor, ora exequente, ter seu direito reconhecido mas não cumprido de fato. Nesta hispótese que podemos analisar a aplicabilidade das medidas executivas atípicas, a fim de resolver a lide e satisfazer o valor do débito, dando por quitada a execução.
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1 Disponível em: https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/noticias/2022/maio/desembargador-autoriza-penhora-de-milhas-aereas-de-devedor-3
Alonso Santos Alvares
O advogado é sócio da Alvares Advogados, escritório de advocacia especializado nas mais diversas frentes do Direito Empresarial, Civil, Trabalhista e Tributário.