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O juízo de delibação na homologação de sentenças estrangeiras

Delibação, do latim, refere-se a tocar de leve em algo, como analisar a legitimidade de uma sentença estrangeira sem revisar seu mérito, crucial na cooperação jurídica internacional.

quinta-feira, 25 de abril de 2024

Atualizado às 09:02

"Delibação, que vem do latim (delibatio-onis), é tirar, colher um pouco de alguma coisa; tocar de leve, saborear, provar no sentido de verificar, experimentar, examinar; e, portanto, o que pretende significar em direito é que o tribunal, tomando conhecimento da sentença, para mandar executá-la, toca de leve apenas em seus requisitos, examinando sua legitimidade, sem entrar no fundo, ou no mérito do julgado". 1

Tema de grande importância hoje é a cooperação jurídica internacional. Se tratando de homologação de sentenças estrangeiras, no Brasil, o ordenamento jurídico adotou o sistema de delibação, referente ao processo de atribuir força executória a uma sentença estrangeira, que implica analisá-las sob a perspectiva formal, sem reavaliação de mérito.

Historicamente, o Brasil integra uma tradição jurídica influenciada por diversos sistemas, especialmente o italiano, que moldou a abordagem do país ao giudizio di delibazione. O aumento das interações comerciais globais e dos litígios transfronteiriços ampliou a atribuição de executividade a decisões estrangeiras, fazendo dela um elemento crucial na infraestrutura legal do Brasil no âmbito internacional.

Em relação aos efeitos de uma decisão estrangeira, sua implementação só pode ser permitida sob certas condições e com devidas precauções. Envolve verificar se o ato em questão possui os requisitos inerentes à sua natureza de ato jurisdicional; se o procedimento que o originou é regular; e se o objeto da decisão não contradiz os princípios gerais de ordem pública vigentes no Estado onde a execução é solicitada. Após essas constatações positivas, é necessário que a autoridade local emita uma ordem de execução, já que a execução é um ato de império e, portanto, um atributo exclusivo da soberania territorial.

No Brasil, essa autoridade é o STJ, órgão responsável por homologar decisões estrangeiras, que se restringe a uma investigação puramente formal ou extrínseca sobre a forma do processo seguido no exterior. A corte "exerce juízo meramente delibatório, o que significa dizer que o STJ apenas verifica se a pretensão atende aos requisitos legais e regimentais aplicáveis (lei da arbitragem, CPC, LINDB e RISTJ) e se não ofende a ordem pública nacional, sendo-lhe defeso [vedado] adentrar o mérito das questões decididas". 2

No mesmo sentido, colhe-se de outra ementa definição fácil de ser compreendida: "A homologação de decisão estrangeira, mesmo quando contestada, é causa meramente formal, cabendo ao STJ tão somente o exercício do juízo de delibação, não podendo, portanto, adentrar no mérito da disputa original." 3

Comparativamente, a abordagem brasileira à homologação difere significativamente de sistemas como o francês e o americano. Enquanto a França adota uma perspectiva de permitir o reexame substantivo sobre a decisão, considerando o conteúdo intrínseco e chegando até a uma revisão do mérito, os Estados Unidos adotam os critérios formais com limites já estabelecidos a assuntos específicos envolvendo matéria tributária, penal e de direito de família.

Aspecto fundamental do juízo de delibação é que "deve examinar a competência internacional, e não a interna, regida pela legislação estrangeira".4 Significa ser examinada a competência internacional da autoridade que proferiu a decisão original. Verifica-se formalmente com vista a assegurar que o processo de homologação respeite tanto os padrões legais internacionais quanto as normas e princípios do sistema jurídico brasileiro.

Ao examinar a competência internacional, o juízo de delibação avalia se a autoridade estrangeira possuía jurisdição legítima e adequada sobre o caso em questão. Este exame difere significativamente da verificação da competência interna, que está intrinsecamente ligada às regras e procedimentos específicos da legislação do país onde a decisão foi proferida. Enquanto a competência interna diz respeito às normas que determinam a jurisdição de um tribunal dentro do próprio país, a competência internacional aborda a autoridade de um tribunal para proferir decisões que terão efeito ou serão reconhecidas em outros países.

Com efeito, garante que o Brasil não estenda a eficácia jurídica a decisões que foram proferidas por autoridades sem jurisdição apropriada em um contexto internacional, protegendo os princípios de soberania e ordem pública nacional. Revela-se é especialmente importante em casos que envolvem conflitos de leis e jurisdições, onde as decisões de tribunais estrangeiros não podem contrariar os interesses nacionais ou os direitos assegurados pela Constituição.

Ao aplicar um conjunto de critérios cuidadosamente calibrados, que incluem a análise da regularidade procedimental, a concordância com os princípios de ordem pública e a consideração da jurisdição apropriada, o sistema do juízo de delibação facilita a execução de sentenças proferidas em conformidade além das fronteiras nacionais, o que é de grande valor em um ambiente jurídico cada vez mais globalizado.

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1 CASTRO, Amílcar de. Das execuções de sentenças estrangeiras no Brasil. Belo Horizonte: Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1939. p. 104.

2 STJ; Sentença Estrangeira Contestada n. 15.750, relatora Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em: 21 nov. 2018, publicado em: 27 nov. 2018.

3 STJ; AgInt nos EDcl na Homologação de Decisão Estrangeira n. 3.053, relator Ministro Humberto Martins, Corte Especial, julgado em: 12 set. 2023, publicado em: 14 set. 2023.

4 STF; Sentença Estrangeira Contestada n. 5418, relator Ministro Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, julgado em: 7 out. 1999, publicado em: 24 nov. 2000.

Davi Ferreira Avelino Santana

VIP Davi Ferreira Avelino Santana

Graduando em Direito na Universidade Católica do Salvador com intercâmbio na Universidade do Porto e extensão na Pontificia Università Lateranense di Roma

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