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Inviabilidade jurídica da transferência de jazida particular para o Poder Público

O regime de exploração de jazidas pelo Poder Público difere do de particulares. Não é possível vender direitos de lavra para o Estado.

quinta-feira, 25 de abril de 2024

Atualizado às 09:15

Tema de árida literatura jurídica e que desperta interesse às municipalidades e Estados é a exploração de jazida para a utilização de cascalho em suas obras.

Para sair das trevas da ignorância minerária, o subscritor fez consultas e pediu dicas à respeitada ANM - Agência Nacional de Mineração. Também leu a obra "Curso de Direito Minerário" (Ed. Saraivajur, 4ª edição, 2.023, Bernardo Cesar de Souza1, Bruno Feigelson e Tiago Rezende Costa).

O fato é que o regime de exploração da jazida por particular é incompatível com o regime de exploração pelo Poder Público. A resposta, portanto, é negativa. Não há possibilidade jurídica de "venda" do direito de lavra concedido a um particular para o Poder Público. Pode haver direito de indenização do particular em razão da estrutura existente para a lavra mas não pelo direito de lavra que não é transacionável entre um particular e a administração pública. Um engenheiro de Minas poderá aferir o quantum indenizatório caso a jazida seja explorada pelo Poder Público, nos termos formais adiante expostos.

O Poder Público pode realizar a lavra com simples registro de extração e o particular tem 4 modalidades de exploração da jazida (art. 2º, incisos I a IV do decreto-lei 227/67).

Como o Poder Público poderia adquirir o direito de lavra de tal jazida quando há, por exemplo, pedido de direito de lavra e/ou renovação de exploração da lavra por particular?

Devem ser observadas algumas cautelas em consonância o Código de Minas (decreto-lei 227/67) e resoluções da ANM.

Se a jazida está abandonada ou não teve o direito de prioridade de concessão requerido anteriormente, o procedimento é mais simplificado para a administração pública que deverá seguir a resolução2 ANM 1/18 (registro de extração). Todo o procedimento de utilização da mina deverá ser feito por um engenheiro de minas. Seja para o pedido de extração a ser formulado pelo Município seja para a quantificação do valor a titulo de indenização pela estrutura de extração que exista.

A necessidade do engenheiro de Minas é prevista com clareza solar sendo a sua ausência erro grosseiramente paquidérmico por parte do Poder Público.

O art. 23, VII da resolução 122/22 da ANM prevê como infração: "VII - deixar o titular da autorização de pesquisa de confiar a responsabilidade dos trabalhos de pesquisa a engenheiro de minas ou geólogo, habilitado ao exercício da profissão;"

A menção a geólogo refere-se ao geólogo com habilitação para lavra de minas já que o curso de geologia, por si só, não confere tal habilitação técnica pra atuar nesta específica área.  As questões técnicas referentes ao direito de lavra passam, necessariamente, por um engenheiro de minas ou geólogo com especialização equivalente quanto ao dimensionamento da lavra de minerais (no caso do texto, cascalho).

Se a concessão já foi requerida anteriormente o direito de prioridade deve ser observado, podendo haver pedido sobreposto do Poder Público  mesmo havendo pendência de pedido realizado por particular.

Sendo o subsolo patrimônio da União não é possível a simples desapropriação da concessão, já que, apesar da natureza de direito real da concessão, a titularidade da mina continua sendo da União, encontrando óbice no decreto-lei 3.365, art. 2º,§3º. A dualidade imobiliária solo/subsolo surge no sistema jurídico pátrio com a Constituição de 1934 em seu art. 118 e persiste no sistema jurídico atual no art. 20, IX da Constituição Federal.

Se houver sobreposição de pedidos junto à ANM (um do particular e outro do Poder Público) pensamos que no caso de procedência do pedido anterior firmado pelo particular haverá possibilidade de indenização pelo Poder Publico ao particular caso este renuncie ou dê anuência ao pedido de registro de extração firmado pela administração pública. A indenização, porém, não se refere à jazida que é da União mas do conteúdo econômico a ser indicado pelo engenheiro de Minas responsável por tal apuração.

EVENTUAL INDENIZAÇÃO DO PARTICULAR PELO PODER PÚBLICO

Destaque-se, na hipótese de não concessão (numa das 4 modalidades)  ou não renovação do pedido de direito de lavra firmado pelo particular não haverá qualquer direito à indenização já que o direito de lavra será do Poder Público. Apenas na hipótese de deferimento do pedido do particular haverá direito à indenização calculado, novamente, por um engenheiro de minas ou geólogo com habilitação equivalente ao engenheiro de minas quanto aos gastos efetuados pelo particular.

A análise e atualização do Plano de Aproveitamento Econômico (art. 39 do DL 227/67) e a  regularidade das licenças ambientais é outro requisito para a viabilidade da aquisição, já que sem tal regularidade não há conteúdo econômico na jazida. Ou seja, a regularidade do título concedido ao particular é um parâmetro para a indenização.

Também a existência de linhas de transmissão (ou estrutura elétrica) é um requisito para a análise da viabilidade  da lavra e, portanto, seu conteúdo econômico. O próprio Código de mineração prevê em seu art. 59 a possibilidade de instituição de servidão de linhas de transmissão.

Outro requisito é o acesso à jazida utilizando-se de servidão de passagem. Esta pode ser formalizada pela desapropriação do proprietário ou superficiário do imóvel onde se localiza a jazida.

A indenização ao particular decorrente da anuência ou da renúncia tem natureza de mera recomposição de valores em razão da vedação ao enriquecimento sem causa e NÃO de "compra" do direito de lavra já que os regimes são incompatíveis. O conteúdo econômico será indenizado e não haverá "compra da jazida" já que os regimes são incompatíveis.

Na hipótese de desapropriação da superfície do solo pelo município/Estado haverá indenização tal e qual procedimentos corriqueiros e semelhantes. A superfície pode ser desapropriada e, seguirá as regras ordinárias de indenização decorrente de desapropriação.

Em síntese; é inviável, juridicamente, a "venda" de direito de lavra do particular para o Poder Público. A indenização poderá ocorrer na hipótese de anuência e /ou renúncia não como "compra" do direito de lavra mas apenas como indenização decorrente da vedação ao enriquecimento sem causa da administração pública que se apropriará da estrutura minerária do particular. A quantificação pecuniária e os trâmites junto à ANM deverão ser feitos por engenheiro de minas ou geólogo com habilitação específica para lavra de minas.

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1 pág. 65.

2 Nossos agradecimentos a Marcus Vinicius Oliveira, gerente regional da ANM em São Paulo pela clareza dos esclarecimentos.

Laércio José Loureiro dos Santos

VIP Laércio José Loureiro dos Santos

Mestre em Direito pela PUCSP, Procurador Municipal e autor do Livro, "Inovações da Nova Lei de Licitações", 2ª Ed. Dialética, 2.023.

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