Parceria Público-Privada (PPP) x Lei de Licitações
Foi aprovado ontem, 17/3/04, na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 2.546/03, que institui normas gerais para a licitação e a contratação, sob o regime designado Parceria Público-Privada (PPP), no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Tal projeto de lei foi subscrito pelos Ministros do Planejamento, Orçamento e Gestão e da Fazenda.
quinta-feira, 18 de março de 2004
Atualizado às 08:44
Parceria Público-Privada (PPP) x Lei de Licitações
Fabio Coutinho Kurtz*
Foi aprovado, ontem, 17/3/04, na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei nº 2.546/03, que institui normas gerais para a licitação e a contratação, sob o regime designado Parceria Público-Privada (PPP), no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Tal projeto de lei foi subscrito pelos Ministros do Planejamento, Orçamento e Gestão e da Fazenda.
A designada Parceria Público Privada - PPP é resultado de um inadiável processo de modernização institucional que dotou não apenas o Brasil, como vários países do exterior de eficazes instrumentos para a desestatização da atividade econômica e da prestação de serviços públicos, livrando-se, assim, das amarras impostas pelas Leis nºs 8.666/93 (Lei de Licitações e Contratos Administrativos) e 8.967/95 (Lei de Concessão e Permissão de Serviços Públicos). E isso porque, até então, não dispunha o Estado de outros mecanismos legais para promover a participação da iniciativa privada em obras indispensáveis à recuperação, melhoria ou expansão de serviços e obras públicas de grande importância econômica e social, a não ser através daquelas modalidades previstas nas legislações federais, regedoras das licitações e contratos administrativos e de concessões e permissões de serviços públicos.
Da análise do texto, desponta logo aos olhos do leitor algumas sensíveis e importantes inovações nesta proposta de modalidade de contratação do poder público frente aos termos da Lei nº 8.666/93. Primeiramente, dado o seu caráter extremamente inovador, é de destacar-se a previsão de que caberá à empresa privada, na qualidade de contratada ou gestora do serviço público, a captação de recursos perante instituições financeiras de sua livre escolha. Nesse sentido, merece destaque a redação do art. 7º do projeto, que assim dispõe: "O contrato de parceria público-privado poderá prever que os empenhos relativos às contraprestações devidas pela administração pública possam ser liquidados em favor da instituição que financiou o projeto de parceria, como garantia do cumprimento das condições do financiamento". Tal previsão é absolutamente inovadora, não havendo qualquer remissão a essa possibilidade na Lei nº 8.666/93.
Mas adiante, verifica-se o sensível estreitamento das modalidades convocatórias previstas na Lei nº 8.666/93, estabelecendo o projeto que a contratação sob o regime da PPP somente poderá ser precedida de licitação instaurada sob a modalidade de concorrência pública, na forma prevista no caput do art. 10, que assim dispõe: "A contratação de parceria público-privada deve ser precedida de licitação na modalidade de concorrência...". Na lei de regência das licitações e contratos administrativos há a previsão expressa de outras modalidades de licitações, tais como: tomada de preços, convite, concurso e leilão (art. 22).
Em contrapartida, ampliou-se sobremaneira o prazo máximo da contratação entre o Poder Público e a concorrente privada, passando a ser de 30 (trinta) anos, na forma em que estabelecido no inciso I do art. 4º, que assim dispõe: "prazo de vigência compatível com a amortização dos investimentos realizados, limitados a trinta anos". Por sua vez, o caput do art. 57 da Lei nº 8.666/93 é expresso ao prever que: "A duração dos contratos regidos por esta Lei ficará adstrita à vigência dos respectivos créditos orçamentários .....". Entretanto, há uma exceção prevista em lei, para aqueles contratos de prestação continuada, para os quais se admite que o contrato tenha, por exemplo, prazo inicial de 12 (doze) meses, admitindo-se prorrogações por iguais e sucessivos períodos, até que se atinja o prazo máximo de 60 (sessenta) meses. É o que dispõe o inciso II do mesmo dispositivo legal, em textual: "a prestação de serviços a serem executados de forma contínua, que poderá ter a sua duração prorrogada por iguais e sucessivos períodos com vistas a obtenção de preços e condições mais vantajosas para a Administração, limitada a sessenta meses". Portanto, conclui-se que o prazo máximo de contratação, na Lei nº 8.666/93, é de 60 (sessenta) meses.
Pode-se comentar, ainda, a questão relacionada à remuneração do contratado. O projeto de lei da PPP admite que a contraprestação da Administração pública se dê não apenas na forma de pagamento em dinheiro. Admite, por expresso, a possibilidade de remunerar-se o contratado através de cessão de créditos não tributários, outorga de direitos da administração pública; outorga de direitos sobre bens públicos e outros meios admitidos em lei. (art. 5º do Projeto de Lei nº 2.546/03). A sua vez, a remuneração do contratado, na égide do art. 40 da Lei nº 8.666/93, será sempre em dinheiro, na forma, prazos e condições estabelecidas em seu art. 40. Em outras palavras, a lei de regência das licitações e contratos administrativos não admite outras formas de remuneração do contratado declarado vencedor do certame licitatório.
No que concerne, ainda, aos critérios de remuneração do parceiro privado, vale salientar que o preço estabelecido no edital poderá sofrer atualizações periódicas e poderá ser variável de acordo com o desempenho na execução do contrato, conforme metas e padrões de qualidade e disponibilidade previstas previamente pelas partes. (§§ 1º e 2º do art. 5º) E, talvez a maior novidade no que concerne à remuneração, é aquela prevista no § 3º do art. 5º do Projeto de Lei nº 2.546/03, que dispõe: "a liberação dos recursos orçamentário-financeiros e os pagamentos efetuados para cumprimento do contrato com o parceiro privado terão precedência em relação às demais obrigações contratuais contraídas pela administração pública, excluídas aquelas existentes entre entes públicos e observado o disposto no art. 9º da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000". E mais, exclui por expresso da contratação sob o regime PPP o disposto na alínea "a" do inciso XVI do art. 40 da Lei nº 8.666/93, que assim dispõe: "prazo de pagamento não superior a trinta dias, contado a partir da data final do período de adimplemento de cada parcela". Significa dizer, no que toca ao tema ora em debate, os créditos dos parceiros público-privados, além de terem preferência aqueles relativos aos demais contratados firmados pela administração pública, decorrentes de procedimentos administrativos instaurados com base na Lei nº 8.666/93, as suas parcelas poderão ser liquidadas imediatamente após o comprimento de cada meta do contrato, e não somente após trinta dias a partir do adimplemento de cada parcela do contrato.
Outro importante aspecto diz respeito à previsão legal de o Poder Público poder oferecer garantias ao parceiro privado, para fins de cumprimento das obrigações assumidas no contrato, autorizando-se, inclusive, que os empenhos relativos às contraprestações devidas possam ser liquidados em favor da instituição financeira que privada que financiou o projeto de parceria. (arts. 6º e 7º do Projeto de Lei nº 2.546/03). Além dessa circunstância totalmente nova, fica a União Federal autorizada a criar, na forma que dispuser ato específico do Poder Executivo, Fundo Fiduciário de Incentivo às Parcerias Público-Privadas, através de recursos públicos relativos a dotações consignadas no orçamento e créditos adicionais, transferência de ativos não financeiros e de bens móveis ou imóveis, integralizado mediante a transferência de ações de companhia estatais ou controladas pela administração pública, sem que tal ato importe na perda de controle acionário pela União.(§§ 1º, 2º e 3º do art. 9º do Projeto de Lei nº 2.546/03).
Por fim, outra informalidade prevista na contratação por via da PPP se assemelha muito ao procedimento estabelecido para outra modalidade de licitação, qual seja, o pregão, recentemente instituído pela Lei nº 10.520/02. É que, após a pré-qualificação das empresas interessadas na licitação para a contratação de PPP, as licitantes poderão apresentar novas e sucessivas propostas de preço até a proclamação do vencedor, nas condições e prazos previstos no edital. (art. 11 do Projeto de Lei nº 2.546/03). Bem ao contrário, nas modalidades de licitação instituídas pela Lei nº 8.666/93, inclusive e notadamente aquela concernente à concorrência pública, as licitantes ofertam, de uma só vez, em envelopes lacrados, as suas respectivas propostas de preço, que não podem ser alteradas em nenhuma hipótese. (incisos III, IV e V do art. 43 da Lei nº 8.666/93).
Em resumo, e pelo que foi explanado acima, pode-se afirmar, sem qualquer dúvida, que a licitação sob o regime designado Parceria Público-Privada (PPP), que constitui objeto do Projeto de Lei nº 2.546/03, representa uma inovadora, audaciosa e moderna iniciativa do Poder Executivo, trazendo à lume a concreta possibilidade de o Poder Público, em regime de verdadeira parceria, contratar empresas privadas, sem estarem as partes contratantes atreladas ao rigor da Lei nº 8.666/93.
Por certo, pode-se afirmar que essa modalidade de contratação entre o Poder Público e a iniciativa privada, depois de cumpridas todas as etapas de votação pelo Poder Legislativo e sancionada pelo Poder Executivo, tende a ser um rigoroso mecanismo de atração de investimentos privados para a implementação de políticas públicas, em especial nos setores de infra-estrutura.
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* Advogado do escritório Siqueira Castro Advogados
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