Rede social X e a Justiça brasileira: Poderes privados e empresas de tecnologia
Exploração de dados, monopólios das big techs, questões legais e a necessidade urgente de regulação para proteger a privacidade e soberania.
segunda-feira, 22 de abril de 2024
Atualizado às 15:51
No contexto atual da era digital, presenciamos um fenômeno notável: O crescimento do poder privado exercido por plataformas digitais e grandes corporações de tecnologia. Essas entidades possuem uma influência sem precedentes sobre a informação, comunicação e comportamentos humanos. Elas têm a capacidade de controlar grandes volumes de dados pessoais e moldar o que vemos online, influenciando desde tendências culturais até resultados de grande escala. Além disso, o domínio de mercado dessas empresas cria um ambiente de baixa competição, permitindo práticas anticompetitivas e a consolidação de um poder ainda maior.
Um exemplo disso é a situação envolvendo o proprietário e CEO da rede social "X", anteriormente conhecida como Twitter, e a justiça brasileira. No dia 6/4/24, o empresário teria iniciado um impasse com o STF com publicações na rede social "X",opondo ao cumprimento de decisões do tribunal. No dia seguinte, o empresário teria continuado com o impasse, publicando um tutorial sobre como usar a VPN - Virtual Private Network, caso a rede fosse bloqueada por determinação judicial.
Nos Estados Unidos, a Primeira Emenda Americana protege a liberdade de expressão, assim com o art. 5º da Constituição Brasileira. Entretanto, no que concerne à responsabilização das empresas de tecnologia pelo conteúdo postado por terceiro consta da Seção 230 do Código dos EUA. Essa seção, incluída no CDA - Communications Decency Act, entende as empresas de tecnologias como plataformas que apenas permitem a comunicação e a distribuição de informações entre seus usuários, sem que possa ser responsabilizada pelo conteúdo postado pelo usuário.
No entanto, com o avanço da tecnologia e a mudança nas experiências online, a Suprema Corte dos EUA tem sido instada a se manifestar sobre a responsabilidade das empresas de tecnologia, especialmente em relação aos algoritmos de recomendação, revisitando a temática.
Em julgamento, o ministro Clarence Thomas asseverou que a "mera criação de sua mídia pelos réus plataformas não é mais culposa do que a criação de e-mail, telefones celulares, ou a internet em geral. E os algoritmos de recomendação dos réus são apenas parte da infraestrutura através da qual todo o conteúdo das suas plataformas é filtrado. Além disso, os algoritmos foram apresentados como agnósticos quanto à natureza do conteúdo" 1.
No entanto, ao prestar serviços em território nacional, as big techs devem necessariamente se submeter ao ordenamento jurídico brasileiro, sob pena de configuração de ato atentatório à dignidade da Justiça. Apesar da dicotomia estabelecida em razão do impasse envolvendo a Suprema Corte brasileira e o CEO da empresa X, sem a intenção de adentrar nos termos da decisão proferida, é necessário tecer comentários acerca dos poderes privados das plataformas.
A Google foi a pioneira em personalizar os resultados de pesquisas para os usuários da internet, o que se expandiu para os principais sites como Facebook, Instagram, entre outros. Em prol da necessidade de promoção de mais dados pessoais, essas empresas rastreiam nossas informações pessoais, para posteriormente vender aos anunciantes, o que é definido como capitalismo de vigilância. Essa perfilação do ser humano, não apenas robotiza seus pensamentos, interações, direcionando condutas e o mercado de consumo como também explora economicamente a atenção humana.
A falta de transparência dos algoritmos utilizados pelas big techs e a falta de controle do que é compartilhado nas redes enseja sua utilização como meio de instrumentalização criminosa por milícias digitais. Atualmente, as redes sociais são meio facilitador para a prática de delitos que vão desde crimes financeiros e fraudes bancárias até crimes sexuais em face de crianças e adolescentes.
Outra bigtech, a Meta, por sua vez responde processos em 40 Estados americanos que buscam sua responsabilização por danos causados por suas redes às crianças e adolescentes. Por ocasião de audiência no Senado americano, a empresa foi acusada de ser a maior organização de tráfico sexual do mundo, o que motivou um pedido de desculpas às famílias das vítimas por Mark Zuckerberg, fundador da empresa.
Esses episódios envolvendo as Big Techs trazem à tona questões perigosas, como a relativização da autodeterminação informativa dos usuários das plataformas, invasão de privacidade, condições de concorrência, práticas discriminatórias e a detenção do monopólio de dados capaz de direcionar a informação e influenciar o comportamento social.
A discussão sobre a regulação das redes sociais não é recente, e é uma questão que preocupa as grandes empresas de tecnologia, pois elas poderiam ser responsabilizadas por atos ilícitos cometidos por seus usuários em situações de omissão, conforme já estabelecido na União Europeia com a promulgação da DSA - lei de serviços digitais.
No Brasil, a única regulação atualmente existente é o Marco Civil da Internet, que responsabiliza as grandes empresas de tecnologia apenas em caso de descumprimento de decisão judicial2, garantindo que apenas os usuários dessas redes sejam responsabilizados pelos atos que praticam. Isso é conveniente para as grandes empresas de tecnologia, que não precisam "fiscalizar" o conteúdo circulante.
Nos bastidores, outras questões tributárias também preocupam as grandes empresas de tecnologia que operam em território nacional. Um estudo realizado pelo Centro de Políticas, Direito, Economia e CCOM - Tecnologia das Comunicações da UnB - Universidade de Brasília mostra que a tributação de grandes empresas de tecnologia como Google, Facebook, Ali Baba e Amazon pode custar pelo menos R$ 3,3 bilhões por ano, dependendo da alíquota considerada, o que certamente não agrada aos proprietários dessas empresas.
Paralelamente, movimentos de techlash, caracterizados por um sentimento negativo associado à massificação da imersão digital, controle de ambientes públicos de comunicação por empresas privadas, desinformação, desenvolvimento de problemas de saúde mental, compulsões, questionam a credibilidade das plataformas e vêm ganhando voz mais robusta. Isso pode resultar em apoio a medidas regulatórias que restrinjam os poderes privados das plataformas.
Além disso, questões que envolvem a prática de condutas anticompetitivas por parte da empresa de Elon Musk já foram objeto de escrutínio pelo CADE - Conselho Administrativo de Defesa Econômica em 2023. A aprovação do PL 2.768/22, de autoria do deputado João Maia, poderia reacender essa discussão.
Atualmente, a Starlink, uma das empresas do grupo "X", está disponível em 90% das cidades da Amazônia, representando uma forma distinta de controle de parte do sistema de comunicação brasileiro, um aspecto crucial da soberania nacional. É importante considerar também que a região ainda é rica em níquel, um componente amplamente utilizado pelas empresas de tecnologia.
O WhatsApp, empresa de Zuckerberg, já foi objeto de bloqueio por decisão judicial no Brasil em 2015 e 2016, devido à recusa em fornecer informações em inquéritos policiais, gerando preocupações na empresa sobre o surgimento de uma regulação nacional.
Existe uma necessidade urgente em regular esses poderes privados, onde empresas utilizam sua posição, força econômica e espaços públicos, como as telecomunicações, em prol de seus próprios interesses econômicos e, consequentemente, políticos.
A regulação é um desafio significativo para a sociedade, especialmente para o poder Público, pois envolve questões de segurança cibernética, proteção de dados, confiança nas instituições democráticas e, acima de tudo, soberania nacional.
A regulação seria uma medida de contenção não apenas do domínio privado de ambientes públicos, mas também de garantia de responsabilidade civil pelos danos causados, de forma a equilibrar o poder das big techs e seu dever de reparação em caso de cometimento de abusos, sob pena do surgimento de uma fratura da sociedade e do próprio Estado.
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1 Defendants' mere creation of their media platforms is no more culpable than the creation of email, cell phones, or the internet generally. And defendants' recommendation algorithms are erely part of the infrastructure through which all the content on their platforms is filtered. Moreover, the algorithms have been presented as agnostic as to the nature of the content;
2 Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.
Michael Wilmers
Assistente de promotoria no ministério Público do Estado do Paraná. Pós-graduando em Direito Processual Civil. Pós-graduando em Direito Médico e Saúde.