O crime de agiotagem
Agiotagem é o empréstimo com juros extorsivos, crime previsto na lei 1.521/51. O contrato de mútuo entre particulares é permitido, mas a taxa de juros não pode exceder 12% ao ano, conforme decreto 22.626/93.
terça-feira, 23 de abril de 2024
Atualizado em 22 de abril de 2024 15:17
A agiotagem pode ser objetivamente interpretada como o empréstimo de dinheiro, entre particulares, que prevê a cobrança de juros extorsivos e indevidos. Essa infração penal está prevista no art. 4º, da lei 1.521, de 26/12/51, com pena de detenção de seis meses a dois anos, cuja consumação independe de resultado naturalístico, caracterizando-se no momento em que o agiota condicionada o empréstimo ao pagamento dos juros extorsivos:
"O crime de usura é crime formal, bastando para sua caracterização a exigência dos juros extorsivos. (REsp 569.496/SP, relator ministro Gilson Dipp, 5ª turma, julgado em 20/11/03, DJ de 19/12/03, p. 618.)"
É importante destacar que o art. 586 do Código Civil autoriza a realização de contrato de mútuo ou de empréstimo de coisa fungível entre particulares. Portanto, emprestar dinheiro a juros não é crime. A criminalização da conduta está condicionda à cobrança de juros extorsivos que, de acordo com o art. 1º, §3º, do decreto 22.626, de 7/4/93, que dispõe sobre os juros nos contratos, não poderão ser superiores a 12 % ao ano.
No julgamento do REsp 1.987.016/RS, relatora ministra Nancy Andrighi, 3ª turma, julgado em 6/9/22, DJe de 13/9/22, onde os recorrentes apresentaram argumentos no sentido de que o contrato de mútuo realizado entre as partes litigantes era nulo, porquanto a celebração do referido instrumento é atividade privativa de instituição financeira, a eminente relatora do caso rechaçou a hipótese defensiva, e aplicou o entendimento de que não há proibição legal para o empréstimo de dinheiro entre particulares, desde que a taxa de juros não seja superior a 12% ao ano.
Confira trechos da ementa desse caso:
"Não há proibição legal para empréstimo de dinheiro (mútuo feneratício) entre particulares (pessoas físicas ou jurídicas não integrantes do Sistema Financeiro Nacional). Nessa hipótese, entretanto, devem ser observados os arts. 586 a 592 do CC/02, além das disposições gerais, e eventuais juros devidos não podem ultrapassar a taxa de 12% ao ano, permitida apenas a capitalização anual (arts. 591 e 406 do CC/02; 1º do decreto 22.626/1933; e 161, § 1º, do CTN), sob pena de redução ao limite legal, conservando-se o negócio. Precedentes.
Assim, embora não constitua instituição financeira, não é vedado à sociedade empresária de factoring celebrar contrato de mútuo feneratício, devendo apenas serem respeitadas as regras dessa espécie contratual aplicáveis aos particulares."
De acordo com a súmula 596 do STF, as disposições contidas no decreto 22.626, de 7/4/93 não se aplicam às instituições financeiras que integram o Sistema Financeiro Nacional. Isso quer dizer que as instituições financeira regulares poderão cobrar juros remuneratórios superiores as 12% ao ano, sem que isso caracterize o crime de agiotagem. Confira o teor da referida súmula:
"As disposições do decreto 22.626/1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o Sistema Financeiro Nacional."
Aliás, é firme o entendimento de que as empresas de "factoring" não integram do Sistema Financeiro Nacional, sendo proibida a cobrança de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano:
"As empresas de "factoring" não integram o Sistema Financeiro Nacional, estando a taxa de juros remuneratórios limitada a 12% ao ano. (REsp 726.975/RJ, relator ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª turma, julgado em 20/11/12, DJe de 6/12/12.)"
Portanto, o empréstimo de dinheiro entre particulares (pessoas físicas ou jurídicas não integrantes do Sistema Financeiro Nacional) só será crime de usura ou de agiotagem quando houver a cobrança de juros superiores a 12% ao ano.
Sendo assim, como as operações de empréstimos a juros extorsivos, realizados entre particulares, sem intermediação de instituição financeira, caracteriza o crime de usura ou agiotagem previsto no artigo 4º, da lei 1.521, de 26/12/51, de acordo com a Súmula 498 do STF, a competência para o processamento e o julgamento desse crime será da Justiça dos Estados:
"Súmula 498
Compete à Justiça dos Estados, em ambas as instâncias, o processo e o julgamento dos crimes contra a economia popular."
Além do crime contra a economina popular, se o proveito da infração penal, ou seja, dos percentuais que extrapolaram a taxa anual de juros remuneratórios de 12% ao ano, tiver aptidão suficiente para ocultar ou dissimular o fato gerador do empréstimo exorbitante, o agiota poderá responder, também, pelo crime de lavagem de dinheiro, conforme previsto no artigo 1º da lei 9.613/98:
"Art. 1o Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. (Redação dada pela lei 12.683/12)"
Em resumo, quando a operação financeira é feita entre particulares (pessoas físicas ou jurídicas não integrantes do Sistema Financeiro Nacional), os juros remuneratórios só serão considerados extorsivos se superarem o patamar de 12 % ao ano. Isto é, como o crime de usura independe de resultado naturalístico, a simples previsão contratual de que os juros pactuados extrapolam o limite legal será suficiente para o início da persecução criminal, que, em regra, deverá ser processada perante a Justiça dos Estados.
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Decreto-Lei nº. 3.689, de 3 de outubro de 1941.
Decreto-Lei nº. 2.848, de 7 de dezembro de 1940.
Lei nº. 1.521, de 26 de dezembro de 1951
Decreto nº. 22.626, de 7 de abril de 1993.
Lei nº. 9.613, de 3 de março de 1998.
Súmula 596 do Supremo Tribunal Federal.
Súmula 498 do Supremo Tribunal Federal.
REsp n. 569.496/SP, relator Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em 20/11/2003, DJ de 19/12/2003, p. 618.
REsp n. 1.987.016/RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 6/9/2022, DJe de 13/9/2022.
REsp n. 726.975/RJ, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 20/11/2012, DJe de 6/12/2012.
Ricardo Henrique Araujo Pinheiro
Advogado especialista em Direito Penal. Sócio no Araújo Pinheiro Advocacia.