Censura versus liberdade de expressão
William Orville Douglas descreve as Dez Primeiras Emendas à Constituição dos EUA como Uma Carta Viva de Direitos, destacando a importância da liberdade de expressão. Comparativamente, durante o Estado Novo no Brasil, houve restrições severas à liberdade de imprensa.
terça-feira, 23 de abril de 2024
Atualizado em 22 de abril de 2024 15:04
Willian Orville Douglas (1898-1980), juiz da Suprema Corte Americana, autor de Uma Carta Viva de Direitos, escreveu ser esse o nome que se dá às dez primeiras Emendas à Constituição dos Estados Unidos. "Entraram em vigor a 15 de dezembro de 1791 - pouco mais de três anos após a adoção da própria Constituição" (Ibrasa, Instituição Brasileira de Difusão Cultural, SP, 1976).
A primeira Emenda determina que "O Congresso não fará nenhuma lei relativa ao estabelecimento de religião, ou proibindo o livre exercício de alguma religião; ou restringindo a liberdade de palavra ou de imprensa; ou o direito do povo de se reunir pacificamente e de dirigir-se ao governo para reparação de injustiças".
Nas palavras do célebre magistrado americano, "A faculdade de o homem de transmitir e registrar seus pensamentos possibilitou às ideias avançar no tempo e no espaço, ultrapassando, em duração, mesmo o ferro e a pedra. (....). A fala, naturalmente, pode ser perigosa, incitando a pessoa a uma conduta temerária. Contudo, a história demonstra que a supressão de ideias é ainda mais perigosa. No período da Idade Média, foi comum a destruição de bibliotecas" (pág. 23).
A Carta Constitucional de 10/11/1937, outorgada por Getúlio Vargas, incluiu, entre os direitos e garantias fundamentais, autorização para a lei prescrever, "com o fim de garantir a paz, a ordem e a segurança pública, a censura prévia da imprensa, do teatro, do cinematógrafo, da radiodifusão, facultando a autoridade competente proibir a circulação, a difusão ou a representação" (Art. 122, 15). Com o Poder Legislativo fechado, autoridade competente era o presidente da República, ou alguém por ele designado.
Durante o Estado Novo (1937/1945), não havia liberdade de expressão do pensamento. O jornal O Estado de S. Paulo sofreu intervenção e passou a ser publicado por agentes do presidente Vargas.
A Constituição de 1946 restabeleceu a liberdade de pensamento. Vedou a censura prévia, "salvo quanto a espetáculos e diversões públicas, respondendo cada um, nos casos e na forma que a lei preceituar pelos abusos que cometer". Proibiu o anonimato e assegurou o direito de resposta. A publicação de livros e periódicos não dependeria de licença do Poder Público, sendo, contudo, "intolerável a propaganda da guerra, e de processos violentos para subversão da ordem política e social, ou de preconceitos de raça e de classe" (Art. 141, § 4º).
Imposto e sustentado pela força, o Regime Militar (1964-1985) ultrajou a Constituição de 1946 com Atos Institucionais e Complementares. A própria Constituição de 1967, aprovada por determinação do presidente Castelo Branco com o objetivo de abrir caminho para a normalidade, foi afrontada pela Emenda 1/69, baixada pelos ministros da Marinha, Exército e Aeronáutica.
A CF/88 inclui, entre os Direitos e Garantias Fundamentais, a liberdade de manifestação de pensamento. Veda o anonimato, assegura o direito de resposta, proporcional ao agravo, além de indenização por dano material, moral ou à imagem. Declara ser livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença (Art. 5º, IV, V, IX)
No caso de decretação do Estado de Defesa, a lei fundamental autoriza a imposição de limites ao direito de reunião, ao sigilo de correspondência, de comunicação telegráfica e telefônica. Se for implantado Estado de Sítio poderão ser adotadas restrições relativas à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das comunicações, à prestação de informações, à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão, na forma da lei. Registre-se que as exigências relativas ao Estado de Defesa e ao Estado de Sítio são rígidas, conforme dispõem os artigos 136/141 da lei fundamental.
O Estado Democrático de Direito dispõe de recursos para reagir a eventuais ataques internos e externos. O Presidente da República tem à disposição instrumentos destinados ao restabelecimento da ordem pública e da paz social, quando ameaçados por grave e iminente instabilidade institucional, ou em caso de grave comoção nacional.
Para decretar Estado de Defesa ou implantar o Estado de Sítio, o Chefe do Poder Executivo deverá consultar o Conselho da República e o Conselho de Segurança Nacional. Se violar as determinações constitucionais, incidirá em crime de responsabilidade (Art. 85).
Impor controle prévio à divulgação de mensagens por plataformas sociais é medida violenta, atrasada, que afronta a Constituição. Inexiste na lei maior previsão nesse sentido. Censura, de qualquer natureza, significa impedir o exercício do direito fundamental à livre manifestação do pensamento.