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Rescisão indireta, nem tudo é favorável ao empregado

Notificação prévia essencial para rescisão indireta. Falta de comunicação pode resultar em abandono de emprego. Litigância de má-fé acarreta multa. Segurança jurídica requer observância de obrigações

sexta-feira, 19 de abril de 2024

Atualizado às 12:18

As ações de Rescisão Indireta ganham cada vez mais números perante os Tribunais Regionais do Trabalho. Enquanto recentemente, podíamos ver inúmeras ações judiciais requerendo indenizações por danos morais, que acabou sendo balizado, vivemos dias em que estamos diante de inúmeras demandas de Rescisão Indireta.

O que é a rescisão indireta?

A rescisão indireta se equipara à demissão por justa causa amplamente conhecida, entretanto, as posições aqui são invertidas, ao invés do empregado, para que seja caracterizado se faz necessário que o empregador cometa a FALTA GRAVE, a qual impossibilite a continuidade do contrato laboral. 

Ou seja, nada mais é do que uma possibilidade de rescisão contratual, que poderá ser por meio de acordo extrajudicial, mas, a maior possibilidade é que devido a discussão sobre quem deu causa a rescisão, seja analisada pelo judiciário.

Em caso de configurada a falta grave, que impossibilite a continuidade da relação empregatícia, o Trabalhador fará jus a todos os direitos como se estivesse sendo demitido por justa causa.

Ou seja, o trabalhador terá direito ao pagamento do saldo de salário, aviso-prévio proporcional, com a projeção legal, férias proporcionais com abono de um terço, 13º salário proporcional, liberação de saque do FGTS com multa de 40% e liberação das guias do seguro-desemprego, entre outras possíveis parcelas previstas em regulamento empresarial ou em normas coletivas. 

E ainda, caso o empregador não emita imediatamente as guias para saque do FGTS e do seguro-desemprego, a própria decisão judicial que reconhece a rescisão indireta, poderá ter ordem para saque e habilitação, respectivamente, dos referidos.

Da ação Judicial: Rescisão indireta

A rescisão indireta tem lugar somente diante de circunstâncias legais previstas na CLT, em seu Art. 483, quando caracterizarem gravidade suficiente a justificar o pedido de rescisão, vejamos:

Art. 483 - O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando:

a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato;

b) for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo;

c) correr perigo manifesto de mal considerável;

d) não cumprir o empregador as obrigações do contrato;

e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama;

f) o empregador ou seus prepostos ofenderem-no fisicamente, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;

g) o empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários.

§ 1º - O empregado poderá suspender a prestação dos serviços ou rescindir o contrato, quando tiver de desempenhar obrigações legais, incompatíveis com a continuação do serviço.

§ 2º - No caso de morte do empregador constituído em empresa individual, é facultado ao empregado rescindir o contrato de trabalho.

§ 3º - Nas hipóteses das letras "d" e "g", poderá o empregado pleitear a rescisão de seu contrato de trabalho e o pagamento das respectivas indenizações, permanecendo ou não no serviço até final decisão do processo. Incluído pela lei nº 4.825/65

Assim sendo, para que seja reconhecido o pedido de rescisão indireta do contrato de trabalho, é imprescindível que o empregado apresente provas capazes de demonstrar a existência da suposta infração praticada pelo empregador. Senão vejamos algumas decisões: 

Art. 483 CLT. RESCISÃO INDIRETA. ASSÉDIO MORAL. NÃO CONFIGURAÇÃO. Para caracterização e acolhimento do pleito de reconhecimento de rescisão indireta é necessário prova robusta de uma ou mais infrações praticadas pelo empregador (ou prepostos, ou chefias), capituladas no art. 483 da CLT. Como é corrente na doutrina e na jurisprudência, a rescisão contratual por culpa do empregador requer não só a falta, em si, mas a gravidade, de modo a tornar inviável a continuidade da relação de emprego. No caso dos autos a parte não comprovou ter invocado por ocasião da rescisão contratual quaisquer dos motivos alegados em esfera judicial, de modo que manifestou válida e oportunamente sua vontade, sem demonstrar a existência de qualquer vício de consentimento. Recurso ordinário da parte autora ao qual se nega provimento. (TRT-9 - ROT: 00007993720205090658, Relator: ARCHIMEDES CASTRO CAMPOS JUNIOR, 5ª Turma, Data de Publicação: 09/12/2021) (Grifei) 

Vale salientar, que também recai sobre o Empregado o ônus probatório do fato típico constitutivo do direito, conforme entendimento sustentado pelo TRT-3. Vejamos: 

RESCISÃO INDIRETA. ÔNUS DA PROVA. Para o reconhecimento da rescisão indireta do contrato de trabalho é necessária a comprovação da prática de ato doloso ou culposo pelo empregador, da tipicidade da conduta e de sua gravidade, além da atualidade e da imediatidade, nos termos do art. 483 da CLT, sendo ônus do empregado produzir a prova do fato típico constitutivo do direito (art. 818, I, da CLT). (TRT-3 - RO: 00102186820205030005 MG 0010218-68.2020.5.03.0005, Relator: Marcos Penido de Oliveira, Data de Julgamento: 07/05/2021, Décima Primeira Turma, Data de Publicação: 07/05/2021.) 

Ou seja, se o empregado não tiver mais condições ou possibilidade de ir ao trabalho, deverá comunicar ao empregador sobre o motivo, justamente, para que não se caracterize e configure o abandono de emprego.

Ademais, é de grande importância ressaltar que o prazo do ajuizamento da Ação é essencial, entre o fato ensejador da falta grave, não sendo competência do judiciário, quando da notificação inicial, dar ciência ao Empregador da rescisão indireta. Tal obrigação compete ao Empregado.

No que diz respeito a falta grave, vejamos com grifos, algumas decisões quanto a necessidade de caracterização de natureza grave para que se justifique sua rescisão por culpa do empregador:

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. RESCISÃO INDIRETA. O Tribunal Regional decidiu que o rompimento do vínculo empregatício por culpa do empregador deve ser de natureza grave, que impeça o prosseguimento da execução do contrato de trabalho ou justifique sua extinção, o que não ficou comprovado no caso em apreço, uma vez que a prova oral não se mostrou apta a demonstrar que o afastamento do reclamante de seu trabalho não decorreu de sua livre vontade, mas de ilícito praticado pelo empregador, razão pela qual a Corte de origem afastou o reconhecimento da rescisão indireta do contrato de trabalho do reclamante. Ileso o art. 820 da CLT, porque, primeiro, o referido dispositivo sequer disciplina matéria alusiva à rescisão indireta, segundo, o artigo mencionado não impede o Regional de, avaliando a prova dos autos, concluir de modo contrário ao juízo de origem. Agravo de instrumento conhecido e não provido. (TST, AIRR - 20680-19.2015.5.04.0333, Relatora Ministra: Dora Maria da Costa, Data de Julgamento: 28/02/2018, 8ª turma, Data de Publicação: DEJT 02/03/2018)

RESCISÃO INDIRETA. CRITÉRIOS. 1. Para a configuração da rescisão indireta, impõe-se ao trabalhador comprovar, dentre outros requisitos, a gravidade, a adequação e a proporcionalidade entre a conduta do empregador e a punição a ele aplicada (artigos 483 e 818 da Consolidação das Leis Trabalhistas). 2. Não comprovados os atos ilícitos alegados pelo autor, não há falar em rescisão indireta. (TRT-24 00253264020155240002, Relator: AMAURY RODRIGUES PINTO JUNIOR, 2ª TURMA, Data de Publicação: 03/02/2017)

Por fim, a falta cometida deve ser suficientemente grave a ponto de motivar a "Demissão por justa causa do empregador", conforme entendimento do próprio TST:

RECURSO DE REVISTA. PROCESSO ANTERIOR À  lei nº 13.467/17. RESCISÃO INDIRETA POR DIFERENÇAS DE HORAS EXTRAS. INOCORRÊNCIA. Cinge-se a controvérsia ao exame da possibilidade de reconhecimento da rescisão indireta do contrato de trabalho, nos termos do art. 483, "d", da CLT, quando há inadimplemento parcial de verbas trabalhistas, consistente em diferenças de horas extras não pagas. O Tribunal Regional entendeu não se tratar de hipótese de rescisão indireta, mas sim de pedido de demissão. No caso dos autos, em que pese ao fato de restar incontroversa a existência de diferenças de horas extras impagas pelo empregador, tal fato, por si só, não é capaz de ensejar a rescisão indireta do contrato de trabalho. A falta cometida pelo empregador, embora reprovável, não detém gravidade suficiente a fim de abalar a continuidade da relação de emprego. Se o caso fosse de ausência total do pagamento de horas extras, dúvidas não haveria quanto a configuração da justa causa do empregador. No entanto, em se tratando apenas de diferenças, que podem decorrer inclusive de uma errônea interpretação do ordenamento jurídico, sem qualquer outro descumprimento contratual por parte da empresa reclamada, visto que as alegações de "ausência de anotação da CTPS na época própria" e "inexistência de recolhimento do FGTS sobre as gorjetas" não ficaram comprovadas, não reputo a conduta com gravidade suficiente para reconhecer a ruptura do vínculo por culpa grave da ré. Logo, resta incólume o art. 483, "d", da CLT, devendo ser mantida a decisão da Corte Regional. Recurso de revista não conhecido. (TST, RR - 129-95.2013.5.07.0012, Relator Ministro: Alexandre de Souza Agra Belmonte, Data de Julgamento: 13/11/2018, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 16/11/2018)

Neste diapasão, não há que se falar em rescisão indireta quando estamos diante de um fato sem a notória gravidade exigida em lei para sua configuração.

Das obrigações do empregado enquanto ainda contratado

Ao falarmos de rescisão indireta, é de suma importância a notificação prévia, sendo na realidade, REQUISITO OBRIGATÓRIO, para que de fato, tenha ciência o Empregador do motivo da rescisão e a certeza de que não haverá mais relação entre as partes.

O empregador necessita ser comunicado sobre fatos que levaram à não continuidade da relação empregatícia, sendo portanto, fundamental a existência da comunicação para se evitar a caracterização do ABANDONO DE EMPREGO.

Ainda, ao observar as consequências da ausência de notificação prévia e o não comparecimento ao emprego, o abandono do emprego será incontroverso, e tentar, atribuir ao judiciário a responsabilidade pela notificação do ajuizamento da Ação, entendo que tal transferência de responsabilidade poderá trazer prejuízos de grande proporção ao Empregado, sem contar, que, transferir a responsabilidade aos Tribunais Regionais do Trabalho trazem grandes incertezas quanto a sua validade.

Pois bem, tal situação nada mais poderá fazer com que os Empregados, e agora, Reclamantes, atribuam a responsabilidade de prazo de notificação ao judiciário, e caso não seja cumprido, até o ajuizamento de Ação pela empresa por abandono de emprego, demissão por justa causa, seja o Tribunal responsabilizado por uma obrigação que seria do Empregado.

Então, a forma como os processos vêm sendo conduzidos, e as decisões judiciais, da maneira como irão interpretar esses casos, impactam e implicam diretamente em toda a segurança jurídica de nosso judiciário e ainda poderá trazer graves consequências até mesmo aos cofres públicos.

Ausência de falta grave = Litigância de má fé

O princípio da lealdade processual e boa-fé deve prevalecer em qualquer relação processual, nestes temos, o Código de Processo Civil dispõe em seus artigos 5º e 79º o principio da boa-fé deve ser obedecido por todos que participam do processo, vejamos:

"Art. 5 - ºAquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé."

"Art. 79. Responde por perdas e danos aquele que litigar de má-fé como autor, réu ou interveniente."

Neste mesmo liame, a Reforma Trabalhista preocupou-se com a boa fé conforme assim restou previsto nos artigos 793-A a 793-D da CLT:

Art. 793-B. Considera-se litigante de má-fé aquele que:

I - Deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso;             

II - Alterar a verdade dos fatos;                   

III - usar do processo para conseguir objetivo ilegal;               

IV - Opuser resistência injustificada ao andamento do processo;                   

V - Proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo

VI - Provocar incidente manifestamente infundado;                 

VII - interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório. 

Ou seja, em caso de não restar demonstrado e comprovado que houve por parte do empregador falta grave, e caso se utilize o Empregado para sua saída do emprego, ou nulidade de justa causa, pedido de demissão, enfim, caso seja utilizada a Ação com intuito de buscar um fato que inexiste, corretamente e certamente será o Empregado condenado ao pagamento em multa por litigância de má fé, que deverá ser entre 1% a 10% do valor corrigido da causa, nos termos do art. 793-C da CLT, vejamos:

Art. 793-C. De ofício ou a requerimento, o juízo condenará o litigante de má-fé a pagar multa, que deverá ser superior a 1% (um por cento) e inferior a 10% (dez por cento) do valor corrigido da causa, a indenizar a parte contrária pelos prejuízos que esta sofreu e a arcar com os honorários advocatícios e com todas as despesas que efetuou.

Conclusão

Portanto, é essencial e de suma importância que sejam observadas as obrigações, seja do Empregador ou Empregado, como do próprio Judiciário, para garantir a segurança jurídica e para que tenhamos em nosso Judiciário decisões alinhadas com o próprio ordenamento jurídico e de forma para que as partes que participam do processo tenham certeza e ciência da limitação de seus atos.

Thiago Bastos

VIP Thiago Bastos

Advogado com mais de 10 anos de experiência, Associado Sênior na Xerfan Advocacia S/S, atuação em organização e compliance, especialista em Direito do Trabalho e Direito Médico.

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